Dez anos depois das manifestações de 2013, o transporte público melhorou?

25 junho 2023 às 00h00

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Em junho de 2013, o Brasil foi palco de uma série de manifestações que ocorreram em praticamente todas as capitais e algumas cidades do interior do país. Naquele momento, o Brasil se preparava para sediar o maior evento esportivo do mundo, a Copa do Mundo de 2014. Essas manifestações coincidiram com a realização da Copa das Confederações, que ficou recebeu o apelido de “a Copa das manifestações”.
Para garantir o sucesso da competição mundial, o governo brasileiro anunciou medidas de melhoria na área de mobilidade urbana, especialmente nas cidades que sediariam os jogos. A expectativa da população era de que houvesse avanços significativos no transporte público nessas localidades. No entanto, como nada é de graça e, no Brasil, quem sempre arca com os custos são os contribuintes, houve um aumento nas tarifas de transporte em diversas cidades brasileiras. Esse aumento serviu como estopim para a eclosão das manifestações.
Inicialmente, os protestos tinham como foco principal a luta contra o aumento das tarifas de transporte coletivo urbano. Tudo começou em São Paulo, com o Movimento Passe Livre (MPL), formado por estudantes indignados com os preços praticados. Eles foram às ruas para serem ouvidos pelas autoridades. O movimento logo recebeu amplo apoio da população em geral e se espalhou rapidamente por todo o país, ganhando proporções cada vez maiores e ampliando as reivindicações para outras áreas igualmente carentes.
Passados dez anos, a reportagem do Jornal Opção foi às ruas para verificar se essas manifestações tiveram o efeito esperado.
Opinião dos usuários
João Felipe, estudante de 23 anos, lembra que houve avanços significativos nos últimos anos em relação a benefícios como o bilhete único, a meia tarifa e o cartão família. No entanto, ele destaca que a demora nos serviços e os ônibus lotados continuam sendo problemas persistentes. “Preciso ser justo, algumas melhorias aconteceram em benefício dos passageiros, mas infelizmente a questão da demora e da superlotação dos ônibus ainda persiste”, disse ele.
Juarez Pires, auxiliar de serviços gerais de 37 anos, estava aguardando o ônibus no terminal Padre Pelágio e relatou que usa o transporte público há vários anos. Ele observa algumas melhorias, principalmente após a pandemia. “Olha, a segurança nos terminais melhorou e os ônibus que costumo pegar não estão tão cheios. Estou conseguindo chegar em casa mais cedo, apesar de precisar pegar três ônibus por dia. Eu daria uma nota 6 para o transporte”, avalia.

Valdir Nogueira, aposentado de 63 anos, estava no terminal da Praça A, aguardando o ônibus com destino à Trindade. Ele usa o transporte público desde 1975 e afirma que as melhorias ao longo dos anos têm sido muito poucas. “Aqui no eixo central até melhorou, mas nos outros ônibus a situação só piora. Dentro do terminal, nem mesmo respeitam a área preferencial para os idosos”, denuncia ele.

“É necessário adicionar mais ônibus, principalmente nos horários de pico”, retruca Elizabete da Silva, cuidadora de idosos que tem 47 anos e vive no bairro Goya em Goiânia. Ela relata que trabalha na Vila Redenção e precisa pegar seis ônibus por dia, três para ir e outros três para voltar. Segundo ela, todos os ônibus estão superlotados durante esses horários. Elizabete reclama: “Saio do trabalho às 17h e só chego em casa por volta das 19h30, é um absurdo, uma falta de respeito conosco”. Ao concluir a entrevista, ela grita enquanto entra no ônibus: “Tem uma coisa que melhorou, o preço da passagem, que não está aumentando”.
CMTC
De acordo com informações da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), entre 2013 e 2022, o sistema de transporte coletivo perdeu muitos usuários, principalmente devido à pandemia da COVID-19, e apenas agora eles estão retornando. Até maio de 2013, o número de passageiros que utilizaram o transporte coletivo foi de 17.939.484. Na época, a frota cadastrada era de 1.273 veículos.
Já até maio de 2023, a quantidade de pessoas transportadas foi de 11.437.812, com uma frota de 1.267 veículos. Portanto, ao longo desses dez anos, o sistema perdeu 6.501.672 passageiros. De acordo com a CMTC, essa queda no número de usuários resultou em perdas financeiras e também afetou a qualidade do serviço prestado.
O presidente da CMTC fala com entusiasmo sobre os avanços obtidos nos últimos dois anos, especialmente no que diz respeito à oferta de mais comodidade e facilidades para os passageiros que utilizam o transporte público. No entanto, ao conversar com vários usuários nos terminais, percebemos que a maioria não está ciente dos benefícios oferecidos, como meia tarifa, bilhete único, cartão família e passe livre do trabalhador. José Geraldo, um motorista de 49 anos, explica que nunca ouviu falar desses benefícios, mas agora pretende procurar informações sobre eles, principalmente em relação ao cartão família.
Tarcísio Abreu, presidente da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos desde 2021, destaca as conquistas que beneficiaram diretamente os usuários do sistema de transporte desde 2013, especialmente a partir de 2021. Segundo Tarcísio Abreu, houve vários avanços que resultaram em melhorias significativas para o transporte público em toda a região metropolitana de Goiânia.
O gestor faz uma observação sobre a Lei Complementar número 169, aprovada pela Assembleia Legislativa de Goiás e sancionada em 2022 pelo governador Ronaldo Caiado (União Brasil). Essa lei trata da reestruturação da Rede Metropolitana de Transporte Coletivo (RMTC), da Câmara Deliberativa de Transportes Coletivos (CDTC) e da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos da Grande Goiânia. Tarcísio Abreu ressalta que a legislação anterior que regia todo o sistema era muito antiga, de 1999, e necessitava de uma modernização para um sistema tão complexo.
“Sem dúvida, essa lei foi o maior avanço para o sistema de transporte público em toda a região metropolitana. A nova regulamentação redefine papéis, governança e participação financeira dos municípios e do governo. A aprovação desse arcabouço legal é a chave para os progressos que estamos vivenciando atualmente”, afirma o presidente.
Tarcísio Abreu destaca que o novo estatuto permitiu um maior investimento do poder público por meio de subsídios. Segundo ele, sem essa contrapartida, não seria possível reestruturar o transporte público. O presidente menciona que, no passado, o sistema era influenciado por interesses políticos, o que dificultava a implementação das mudanças necessárias. “Hoje, temos uma câmara muito mais técnica, com pessoas que realmente entendem as necessidades do transporte”, acrescenta.
Outro aspecto importante, de acordo com o presidente, foi a transferência da responsabilidade pela tarifa para a Agência Goiana de Regulação (AGR), em vez da CMTC. “Atualmente, a CMTC prepara todos os dados, gera todas as informações e emite uma nota técnica, que é encaminhada para a AGR, que realiza os cálculos do valor da tarifa”, informa. Para Tarcísio Abreu, isso trouxe transparência e um caráter verdadeiramente metropolitano, com a participação do governo do Estado, de Aparecida de Goiânia e de Senador Canedo dentro da CMTC. “Essas foram as grandes mudanças institucionais, com o envolvimento financeiro dos poderes públicos no sistema. Atualmente, a contribuição de todos os entes envolvidos gira em torno de R$ 300 milhões por ano.”
Segundo Tarcísio Abreu, os ganhos não se limitaram apenas às questões institucionais, mas essas mudanças foram necessárias para que outras melhorias pudessem ser implementadas. O presidente destaca as conquistas que realmente melhoraram a vida dos usuários do sistema, e entre elas, Tarcísio Abreu menciona o valor da tarifa. “A tarifa era uma grande questão em 2013. O preço está congelado em R$ 4,30 desde 2018, e por determinação do prefeito Rogério Cruz (Republicanos) e do governador Ronaldo Caiado (União Brasil), permanecerá nesse valor pelo menos até o final do ano. Esse valor só é viável graças ao subsídio. Se não fosse a ajuda do poder público, nossa tarifa seria acima de R$ 7, com certeza. Atualmente, estamos entre os três preços mais baixos do Brasil”, afirma.
Além disso, houve melhorias no sistema de transporte relacionadas ao Eixo-Anhanguera, que opera em conjunto com outras concessionárias, resultando em 100% de cumprimento das viagens e proporcionando a melhor operação em todo o sistema. O primeiro benefício oferecido aos usuários, lançado em fevereiro de 2022 logo após a primeira reunião da câmara deliberativa, foram os bilhetes tarifários temporais. O presidente explica que o bilhete único permite que o usuário utilize o serviço com uma única tarifa durante um período de 2 horas e 30 minutos, realizando até cinco integrações, o que proporcionou uma verdadeira economia para os passageiros, afirma o presidente da CMTC.
O presidente destaca outra modernização importante para o sistema, que é a utilização do Pix via WhatsApp para a compra de créditos. O cidadão não precisa necessariamente andar com dinheiro, pois esse serviço pode ser utilizado a qualquer hora. Outro serviço que trará benefícios para a população é o retorno do Citibus, que agora se tornará o Citibus 3.0, com integração ao transporte tradicional.
Um dos maiores problemas apontados pelos usuários do transporte é a superlotação nos horários de pico, tanto pela manhã quanto ao final da tarde. Para Tarcísio Abreu, essa é uma dificuldade enfrentada em todas as grandes cidades do mundo. “Mesmo no Japão, considerado um país de primeiro mundo e um exemplo de transporte público, também há problemas com superlotação nos trens e metrôs nesses horários. No entanto, podemos afirmar que estamos fazendo a nossa parte para melhorar essas situações, reduzindo os intervalos das viagens nos horários de maior fluxo. Sabemos que ainda existem muitos desafios.”

O presidente da CMTC reconhece que a percepção das melhorias no sistema pelos passageiros está relacionada ao conforto e à agilidade das viagens. “As prefeituras são responsáveis pela infraestrutura das vias por onde os coletivos passam. Precisamos de mais corredores preferenciais e é importante que os demais motoristas respeitem essas faixas exclusivas. Os corredores representam agilidade”, disse. Segundo Tarcísio Abreu, um levantamento da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) em 2022 mostrou que foram aproximadamente 10 milhões de multas aplicadas a veículos que trafegavam nos corredores exclusivos.
Para incentivar as pessoas a deixarem o carro em casa e optarem pelo transporte coletivo, é necessário oferecer fluidez, conforto e segurança, destaca Tarcísio Abreu. “Reconheço que nossa frota não é nova, mas estamos trabalhando na renovação completa até 2025. Além disso, já estamos realizando testes com ônibus novos e elétricos, que em breve farão parte da frota.”
Em relação à agilidade na prestação do serviço, o presidente afirma que o BRT será a grande solução a curto prazo para atender a essa demanda. Outro questionamento feito ao presidente diz respeito aos pontos de ônibus. Tarcísio Abreu revela que, desde a deliberação 84 assinada em 2018, a responsabilidade pela construção e manutenção dos pontos é das prefeituras e não da CMTC. No entanto, segundo Tarcísio Abreu, existe um projeto de revitalização de todos os pontos de embarque e desembarque na região metropolitana, totalizando 6.800 pontos.
Tarcísio Abreu destaca ainda duas importantes participações da CMTC em eventos: “Fomos convidados pela prefeitura da cidade de León, no México, para participar de um congresso realizado em fevereiro deste ano. Levamos nossas experiências bem-sucedidas e apresentamos todos os nossos produtos aos participantes do evento. Também apresentamos nosso trabalho na Frente Nacional de Prefeitos, que ocorreu no Rio de Janeiro, onde uma das principais pautas foi a reivindicação por parte do governo federal de mais investimentos que permitam benefícios como a tarifa zero. Além disso, estaremos nos reunindo com representantes do governo paulista para apresentar nosso modelo de contratos de concessão.”
Durante uma visita aos terminais Padre Pelágio e Praça A, a equipe do Jornal Opção observou que alguns motoristas não respeitam o limite da parada do veículo em cada box, ultrapassando a faixa que delimita o trânsito para deficientes visuais, chegando até mesmo a empurrar as pessoas que passam. Especialmente no maior terminal da capital, o Padre Pelágio, percebemos que muitos condutores da Metrobus não consideram os pedestres que estão utilizando a faixa. Inclusive, este repórter e o fotógrafo tiveram que correr para evitar atropelamentos. Essa situação pode ocasionar graves acidentes.
Visão do especialista
Segundo o professor e coordenador do curso de Engenharia de Transportes da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ronny Marcelo Aliaga, os protestos de 2013 não contribuíram significativamente para uma melhoria perceptível no transporte público. De acordo com o engenheiro, em 2016 foi realizado um levantamento em parceria com o Ministério Público para avaliar a qualidade do transporte público junto aos usuários e não usuários. O resultado mostrou que os usuários frequentes consideraram a qualidade regular, enquanto os não usuários classificaram como péssima.

O professor ressalta que desde o início da pandemia de COVID-19, o sistema de transporte perdeu muitos passageiros, o que contribuiu para a piora dos serviços devido à falta de recursos. “Quanto menos pessoas pagam, menos investimento ocorre”, afirma. O especialista destaca a implementação da meia tarifa ou tarifa social pelo governo como uma medida positiva que ajudará os mais carentes a utilizar o transporte público. No entanto, as pessoas que utilizam o transporte público não concordam com os preços cobrados, pois não veem melhorias no serviço.
O professor concorda que, no último ano, por meio da aprovação da Lei 169, ocorreram algumas evoluções no sistema de transporte. “Esse é um modelo que podemos destacar como adequado para uma região metropolitana semelhante a Goiânia, sendo responsável pela mudança de uma política tarifária mais interessante para a população. É um avanço importante”, afirma.
Na visão do especialista, o BRT (Bus Rapid Transit) é uma solução inteligente para tornar o transporte mais ágil. Ele considera o BRT um sistema de transporte em massa, comparável ao metrô, mas ressalta que só será eficaz se trafegar por corredores exclusivos, o que atrairá mais pessoas que optam por utilizar o ônibus, reduzindo a quantidade de veículos nas ruas. O professor destaca que as vias preferenciais devem ser priorizadas na política pública, pois não há outra maneira de tornar o transporte coletivo rápido.
Na opinião do professor, o BRT é mais interessante para Goiânia do que o metrô. Ele argumenta que, no contexto atual da cidade, os custos de implantação de um metrô não são compensatórios. Para ser viável, o metrô precisaria ser uma rede completa e não apenas uma linha isolada, como ocorre em Brasília, por exemplo. Segundo o professor, o metrô de Brasília não é rentável e requer altos subsídios para se manter em funcionamento.
O engenheiro destaca a importância de incentivar o uso do transporte coletivo e seus modos de integração em detrimento do uso do veículo individual. No entanto, ele reconhece que não será uma tarefa fácil e que será necessário um maior engajamento das autoridades em fornecer um transporte de melhor qualidade e agilidade, a fim de convencer a população a deixar seus carros em casa. Uma das ações emergenciais sugeridas por Ronny Marcelo Aliaga é a modernização do sistema semafórico da capital, que está defasado, priorizando o tráfego dos ônibus nas faixas preferenciais.
Na contramão da ideia, ele afirma que o plano do governo federal é impulsionar a compra de vendas de carros populares, particulares e individuais. “É uma medida populista que provocará ainda mais prejuízos. Não será uma medida boa especialmente para Goiânia, pois a cidade já está saturada com mais de dois milhões de veículos nas ruas. É preocupante quando os governantes priorizam o transporte individual em vez do público”, lamenta.