Com a nova crise inflacionária, economistas, médicos e gestores da saúde pública relatam piora preocupante nos indicadores da saúde. Diversos fatores explicam a interdependência entre bem-estar da população e finanças públicas: qualidade da alimentação, acesso a planos de saúde, frequência de consultas médicas e custos médico-hospitalares variam com a economia. 

Efeitos da crise no atendimento

Desde a crise de 2016, estudos têm sido publicados sobre os impactos da economia na saúde pública. Naquele ano, o PIB caiu 3,3% e o desemprego atingiu 10,9% da população ativa. A Medida pela Variação de Custos Médico-Hospitalares (VCMH) registrou que a inflação do setor chegou a 20%. O gasto total do setor de saúde cresceu 12,6% em comparação com o ano anterior.

Neste ano, por conta da pandemia de coronavírus, os dados são diferentes. O gasto em saúde aumenta desde 2020 e os custos também. O mercado brasileiro de planos de saúde médico-hospitalares, que encolhia em média 1,6 milhão de beneficiários por ano, ou 3,2% do total, cresceu novamente em 2020. Para compensar os gastos das operadoras, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou o maior reajuste nos custos dos contratos de toda a série histórica. As operadoras poderão aumentar os preços em até 15,5% para o período de maio de 2022 a abril de 2023.

Estima-se que o cenário de perda do poder econômico das famílias associado ao aumento dos custos médicos irá fazer os ex-beneficiários desaguarem no SUS (Sistema Único de Saúde). Como os gastos do governo com saúde representam 3,96% do PIB, a queda do produto total também representa o subfinanciamento do SUS. Estudo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) aponta que o gasto público em saúde deveria ser de pelo menos 4,7% para “evitar uma inevitável deterioração dos resultados em saúde e aumento das desigualdades no País”.

De acordo com os números da última pesquisa Conta-Satélite de Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em abril deste ano, o percentual de gastos do governo brasileiro com a saúde só é maior que o do México, cuja administração investe apenas 2,7% de seu PIB em saúde. Isso denota um sistema de saúde “cronicamente subfinanciado”.

No estudo, o IEPS sustenta: “É preciso gastar mais e melhor em saúde pública, tanto pela natureza progressiva e pelo alto retorno social que decorre de políticas como a Estratégia de Saúde da Família, como pelo crescimento de demandas associadas ao envelhecimento populacional e às variações nos custos médico-hospitalares.”

O Brasil é signatário de um pacto firmado junto à Organização Panamericana de Saúde (OPAS), segundo o qual todos os países da região devem alcançar um investimento público em saúde equivalente a 6% do PIB até 2027. Segundo o acordo, o aumento deve ser de aproximadamente 1% a cada quatro anos – o ciclo eleitoral. O próximo governo, portanto, deve elevar o gasto público em saúde dos atuais 3,96% para praticamente 5% até 2026.

A análise dos dados do SUS via plataforma Tabnet revela que, de fato, o percentual do investimento público em saúde tem aumentado, mas de forma irregular. O financiamento ao Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC),  por exemplo, cuja finalidade é financiar procedimentos e políticas consideradas estratégicas, caiu mais de 90% nos últimos quatro anos. 

Efeitos da crise nos pacientes

Profissional da saúde mostra a idosa imunizante contra a Covid-19 | Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Pessoas em situação de vulnerabilidade econômica apresentam multimorbidade, em média, dez anos antes do que a população das classes altas. O resultado foi encontrado em estudo publicado na revista Nature Reviews Disease Primers com participação de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e de cientistas da Dinamarca, Reino Unido, Austrália, Estados Unidos e Peru.

Indivíduos socialmente vulneráveis convivem por mais tempo com as múltiplas enfermidades que demandam acompanhamento médico frequente e uso contínuo de medicamentos. Em especial, pessoas com menos recursos sofrem mais cedo por combinações de hipertensão arterial, diabetes, depressão, obesidade e cardiopatias.

“A multimorbidade está diretamente associada com determinantes de piora de qualidade de vida, como marcadores do envelhecimento, inflamação crônica, hábitos de vida, efeitos de medicamentos e mortes prematuras”, afirmou o pesquisador e coautor do estudo, Bruno Pereira Nunes ao portal PebMed. 

Além da relação com a vulnerabilidade socioeconômica, o artigo ainda apontou que indivíduos com maior vulnerabilidade também possuem menos acesso a serviços e informações que podem contribuir para hábitos mais saudáveis de vida, como atendimentos preventivos em saúde e atividade física. O artigo enfatizou a urgente necessidade de mais produções científicas a respeito do assunto, o que influencia diretamente na reflexão sobre o tema e na elaboração de consensos de manejo para profissionais de saúde.

A desnutrição é outro parâmetro para os efeitos da pobreza na saúde. Apenas em Goiás, o tratamento para a desnutrição via SUS aumentou 12%, segundo os dados do Datasus/Tabnet. Nacionalmente, cresceram as notificações de óbito por sequelas da desnutrição na faixa etária das crianças e adolescentes, em especial entre os meninos negros. 

De acordo com o Panorama da Obesidade de Crianças e Adolescentes, divulgado no dia 26 de julho pelo Instituto Desiderata, o índice de desnutrição caiu de 5,2%, em 2015, para 4,8%, em 2018, aumentando a partir daquele ano em todos os grupos etários acompanhados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2019, essa taxa subiu para 5,6%, atingindo 5,3%, em 2021.

A desnutrição entre meninos negros (pretos e pardos), entretanto, foi dois pontos percentuais acima do valor observado entre meninos brancos, ampliando a diferença a partir de 2018. O ápice foi observado em 2019 (7,5%). Em 2020, o percentual foi 7,2% e, em 2021, 7,4%. Já entre os meninos brancos, a curva foi inversa, com redução do percentual da desnutrição a partir de 2019, quanto atingiu 5,1%, passando para 5%, em 2020, e para 4,9%, em 2021.