Crise anunciada de 2015 pode contar com a publicidade para ser superada?
13 dezembro 2014 às 11h03
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Todos estão tentando evitar que as profecias apocalípticas para o próximo ano se cumpram. A questão é se os outros setores da sociedade conseguirão ajudar a “despiorar” a situação
Marcos Nunes Carreiro
“Macondo já era um pavoroso rodamoinho de poeira e escombros, centrifugado pela cólera do furacão bíblico, quando Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo com fatos conhecidos demais e começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado. Então, deu outro salto para se antecipar às predições e averiguar a data e as circunstâncias da sua morte. Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos”.
As últimas linhas de “Cem anos de solidão”, a obra prima do escritor colombiano Gabriel García Márquez, mostram Aureliano, um dos últimos da estirpe do Buendía, decifrando as previsões de Melquíades, o cigano que vivera na casa da família por algum tempo e que profetizou o apocalipse que daria fim a tudo, encerrando por completo o ciclo da cidade fictícia de Macondo. No Brasil, tivemos pouquíssimos escritores da qualidade do velho Gabo — talvez, Machado de Assis —, mas com certeza temos muitos Melquíades.
Em junho deste ano, o Jornal Opção publicou a reportagem “2015 será o ano dos reajustes na economia brasileira. Entenda o porquê”. Nela, economistas e profissionais da área, mostraram que, já naquele período, as previsões para 2015 não eram nada agradáveis: a soma da retração da indústria e baixa taxa de investimentos criou um cenário de crescimento pequeno. Além disso, a previsão é de que a inflação termine o ano em 6,5%, no topo do intervalo de tolerância e muito acima do centro da meta (4,5%). Fora a desconfiança do mercado brasileiro nas ações do governo federal, o que cria, consequentemente, um ambiente impróprio para atração de investimentos no país. A lógica é simples: sem investimentos, sem melhorias.
Porém, ao contrário do que fez Aureliano Babilonia, os “pergaminhos de Melquíades” foram decifrados antecipadamente, o que proporcionou à “estirpe” brasileira condições de se precaver do “furacão bíblico” das profecias para o cenário econômico. O problema é que a matriarca da família não foi muito eficaz em suas medidas anti-apocalípticas e tardou em apresentar soluções para evitar que o pior ocorresse. Essa “ineficácia” se deu, sobretudo, pelo ano conturbado que o Brasil teve: corrida para terminar os investimentos necessários à Copa do Mundo; eleições presidenciais; sucessivos escândalos de corrupção; entre outros.
O principal motivo para o retardamento das decisões foi, sem dúvidas, o período eleitoral, tanto que, mal reeleita, a presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou que os fortes reajustes, previstos já em junho, seriam adotados. A questão: os tais reajustes não são nada benéficos para uma campanha eleitoral. Logo, era preciso primeiro assegurar a continuidade no governo para depois agir com que era necessário. E a primeira dessas ações foi indicar o nome que comandará a economia do país: Joaquim Levy.
Levy, um economista de formação neoclássica — em muito diferente da ideologia adotada pelo PT de Dilma —, ainda não tomou posse do Ministério da Fazenda, mas já mostrou a que veio: informou cortes de gastos e a realização de profundos ajustes fiscais. No que isso resultará: entre outras consequências, na diminuição, por exemplo, dos programas sociais, tão caros à atual administração. Por que fazê-lo, então? Porque é necessário. Caso contrário, as previsões dos “Melquíades brasileiros” se cumprirão e o Brasil viverá um ano de recessão econômica e forte insatisfação por parte da sociedade.
Contudo, como avalia uma grande parte do mercado brasileiro, anunciar medidas não significa que elas serão, efetivamente, cumpridas. Dilma disse reconhecer que ajustes precisam ser feitos de forma imediata e que, mesmo sendo eleitoralmente insatisfatório, Levy terá a liberdade necessária para trabalhar. Entretanto, embora tenha recebido muito bem a nomeação do novo ministro da Fazenda, é certo que o mercado retém certa desconfiança de que Dilma, como fez em seu primeiro mandato, tente assumir a política econômica do país, fazendo com que o ministro se torne uma espécie de guardião do modelo de desenvolvimento adotado pelo atual governo. Isto é, imobilize o crescimento em prol do desenvolvimento e da distribuição de renda.
Tal quadro de incertezas provoca, sem sombras de dúvidas, uma estagnação na economia brasileira, a exemplo do que ocorre na Europa — continente que possui o maior número de países entre os mais desenvolvidos do mundo — e em países como o Japão (terceira economia do mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos), que, como o Brasil, incentivou o consumo e aumentou a discrepância entre consumo e produção e que, agora, tenta aumentar a liquidez total da economia para ter dinheiro e, assim, fazer investimentos. O objetivo dos investimentos é claro: melhorar o ambiente de negócios e ajudar a facilitar a abertura de negócios.
Assim, como o mercado se regula muito mais pela expectativa do que pela realidade, o futuro do Brasil para 2015 continua obscuro para alguns, funesto para outros. Tanto que a ordem entre empresários e investidores é para poupar gastos, reduzir custos — principalmente no que diz respeito à folha de pagamento — e restringir investimentos para o futuro próximo, atendendo à velha máxima de, “na dúvida, não ultrapassar”.
Dessa forma, com a premissa de nos próximos meses o quadro será realmente ruim, é preciso achar mecanismos para “despiorar” 2015 — para adaptar uma palavra no padrão criado por Ariano Suassuna em “Auto da Compadecida” ao criar o “gato que descome dinheiro”. O uso desse neologismo é necessário, na falta de uma palavra melhor, uma vez que “melhorar” tem um significado positivo, algo que, até o momento, as previsões para o ano que vem não suportam.
E à procura por esses mecanismos, a reportagem conversou com sete publicitários, fazendo a eles a mesma pergunta: “Como a publicidade pode ajudar a ‘despiorar’ 2015?”.
O questionamento dividiu opiniões. Três deles enxergam que a publicidade pode contribuir com o cenário apenas fazendo aquilo que já faz: incentivar o consumo. Nelson Moraes, por exemplo, enxerga que prognósticos ruins na transição de um ano para o outro é algo recorrente e cita o exemplo da bolha imobiliária que alerta o mercado desde 2011 e que nunca foi cumprida efetivamente devido à característica do mercado de se movimentar e segurar a situação. “E isso aconteceu também com outros tipos de previsão. É claro que muitas coisas ruins aconteceram. O desalinhamento econômico internacional continua e o Brasil não está caminhando muito bem”, ressalta.
Logo, para ele, o que a propaganda pode fazer é continuar divulgando produtos e serviços e fazendo a economia girar. E acha pouco provável que o governo, seja federal ou estadual, vá investir em publicidade para “acalmar” a população. “A população não se atém a essas coisas. Além disso, a partir do momento em que a oposição está mais atenta às contas, sobretudo em relação à transparência com comunicação, não acredito que os governos irão investir em publicidade logo no primeiro ano de governo. Acho que será mais subliminar”.
Por exemplo: divulgar uma obra e sua importância para a sociedade; ou uma iniciativa, um programa. “Mas tem que ser a publicidade no termo literal da palavra: divulgar um produto, mostrando os benefícios daquilo”, analisa explicando a diferença entre os termos publicidade e propaganda: “Publicidade vende produto e propaganda vende ideia. A comunicação do governo está mais ligada à propaganda, mas quanto mais estiver calcada na publicidade, melhor será”.
Cynthia Feitosa concorda com o posicionamento. Ela afirma que a publicidade é mais efetiva do que se imagina, mas que não faz milagres. “O que ela pode fazer é levar informação às pessoas, mas, ao contrário do que faz o jornalismo, é uma informação com apelo”, diz. Isto é, segundo ela, a publicidade terá um papel, caso seja necessário, de fazer com que a população haja de uma determinada forma para que a situação melhore, “da mesma forma que faz com que as pessoas comprem determinado produto, ou adote determinados comportamentos. Ou seja, se for preciso estimular o comércio, ou a poupança, por exemplo, a publicidade é uma ferramenta muito útil, mas é apenas uma ferramenta. Não faz milagres.”
Sem dinheiro, nada feito
Marco Antonio Chuahy começa sua resposta argumentando que “a publicidade pode predispor alguém a comprar alguma coisa, mas não pode colocar dinheiro no bolso do consumidor”. Nem otimismo. Assim, para ele, se há dúvidas em relação ao que pode acontecer, o empresário sempre pensa em conter gastos.
Ele diz que tem conversado com empreendedores e constata que a recomendação entre eles é: restringir os lançamentos para o ano que vem, liquidar ao máximo os lançamentos deste ano e, se possível, aliviar os gastos em termos de pagamento. “Economia é um ser muito sensível. Ela se regula muito mais pela expectativa do que pela realidade. Se existe uma expectativa ruim, as pessoas acreditam tanto nisso e trabalham tanto no sentido de que isso ocorrerá, que a expectativa de fato se cumpre”, aponta.
A título de exemplo: surge um boato de que vai faltar óleo no mercado. Devido a isso, as famílias que estavam habituadas a comprar um litro de óleo por semana vão ao supermercado e compram cinco ou seis, para fazer estocagem. Em larga escala, isso provoca, de fato, a falta de óleo no mercado. “Assim, a publicidade não pode fazer absolutamente nada. O consumo está sendo restringido porque as pessoas estão com medo do futuro. Medo de perder emprego ou de uma crise pior ainda. Enquanto ouvirmos que não há boas expectativas, o cenário se manterá”, conclui.
Os mecanismos para ajudar em uma possível recuperação
Porém, há quem acredite numa atuação mais firme do setor publicitário em relação à crise que desenha para o próximo ano. Um deles é o jovem publicitário Renan Alves Melo. Ele frisa que é na crise que surgem as novas possibilidades, sendo quase uma obrigação do setor a busca pelo novo. “Se as previsões não são as melhores para o próximo ano, cabe a cada um, em sua função, fazer parte dessa busca. Não vejo a crise como um resultado catastrófico, mas como uma porta a se abrir para outras ideias, soluções, mídias e argumentos. Como diria o mestre Nizan Guanaes, enquanto alguns choram, outros vendem lenços.”
A questão do “pensamento positivo” é que, se o mercado vive de especulação, as pessoas também. Por isso, com uma expectativa tão ruim para 2015, é possível que ele não seja tão apocalíptico assim. Em comparação com este ano, por exemplo, que não foi nada bom: o país sediou a Copa do Mundo, um evento que está fora do calendário e que trouxe mais prejuízos — economicamente falando, isto é, o 7 a 1 para a Alemanha está fora da equação — do que benefícios. Além disso, foi ano eleitoral, um período que criou no mercado uma forte expectativa de saber quem seria o próximo presidente.
Pensando assim, 2015 não terá Copa do Mundo e o mercado já começará o ano sabendo quem será o governante, o que traça um cenário mais positivo que o apresentado até então. É dessa forma que analisa o presidente da Associação dos Profissionais de Propaganda de Goiás (APP-GO), Edy Junior Medrado. Mas pontua: “Se o mercado estiver bem, a publicidade vai criar essa onda para as pessoas, combinamos o certo aquecimento do mercado com a publicidade, que tem o papel de trazer esses consumidores para os produtos, almejados por eles, seja celular, casa, carro, entre muitos outros”, comenta.
Exemplos de recuperação
Outro jovem publicitário ouvido foi Mark Eric Arantes Felix. Ele, que recentemente abriu sua própria agência de publicidade, cita que tem ouvido clientes relatarem suas dificuldades diante dos prognósticos negativos, mas que, com a ajuda de planejamento estratégico, tem conseguido recuperar alguns. “Tenho clientes que não estão passando por uma boa fase. Um deles, inclusive, chegou à falência. Mas conseguimos resgatar outros. Uma cliente, por exemplo, conseguiu se recuperar por meio de um planejamento estratégico que fizemos baseado nas mídias sociais”, observa.
Por isso, Mark acredita que a publicidade tem um papel muito importante no que concerna ao contingenciamento da possível crise do próximo ano. “Essa cliente que recuperamos, por exemplo, tem uma clínica de estética e já vinha apresentando sinais de que sua questão financeira não estava boa. Por meio de um planejamento estratégico utilizando a internet e as mídias sociais, conseguimos um retorno de vendas fantástico e que a recuperou financeiramente. Apenas em dois dias, atraímos 14 clientes para ela, o que dá um retorno de uns R$ 10 mil”, sustenta.
Em relação ao setor público, Mark avalia que há uma grande possibilidade de haver mais investimentos em publicidade, contrariando o histórico de baixa recorrência ao setor nos primeiros anos de governo: “Quando há um cenário de crise, os investimentos em publicidade são maiores por parte do setor público. Eu brinco que é a época em que vemos o palhaço com o microfone na frente da loja. É quando percebemos que a situação não está boa”.
Publicidade poderá ajudar mais o governo federal do que o estadual
Cabe a Zander Campos Júnior, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade em Goiás (Abap-GO), dar um contexto mais local à análise do papel da publicidade no auxílio à crise anunciada de 2015. Ele aponta que, em situações de recessão econômica, as empresas de Goiás têm o costume de cortar ou diminuir os gastos com publicidade, o que provoca certo agravamento do cenário.
Isso ocorre, segundo ele, porque não são todas as empresas que tem o investimento em publicidade tabulado em sua estrutura de custos, uma vez que uma grande parte dos anunciantes do Estado é de micro e pequenas empresas. Dessa forma, “em situações de economia recessiva, com o cenário inflacionado e com menor demanda de consumo, a primeira atitude dessas empresas é cortar os gastos com publicidade”, ao contrário do que fazem os grandes investidores, que têm uma estrutura mais complexa “e sabem a dificuldade que é para recuperar uma perda nos ganhos”, diz. “Imagine o seguinte cenário: se a Coca-Cola perde um ponto no mercado nacional e regional. Ela faz um investimento pesado para recuperá-lo. As pequenas empresas não”, avalia.
Reverberando o fato de que 2014 não foi um bom ano, inclusive para o setor publicitário — embora aponte que há uma estimativa de dados consolidados para o país todo que o volume final de investimento deve ter um crescimento de aproximadamente 10% —, Zander relata que no mercado regional, os maiores investidores são, realmente, os do setor público, ligados ao Executivo, Legislativo e Judiciário, mesmo com o crescimento dos setores comercial e de serviços. “O setor industrial ainda tem um investimento muito tímido, pois, embora o parque industrial tenha crescido bastante, a grande parte das decisões de marketing continua vindo dos centros de origem das empresas”, declara.
Porém, Zander não acredita que em Goiás haverá investimentos maciços em publicidade para tentar reverter a tal crise econômica de 2015. Isso porque, segundo ele, historicamente, o primeiro ano das administrações sempre é marcado por prudência, uma vez que os governantes precisam “colocar a casa em ordem”. Todavia, em Goiás, não haverá sucessão, pois o governador Marconi Perillo (PSDB) foi reeleito. Mesmo assim, o publicitário não acredita em mais publicidade em Goiás:
“O Estado já tem tomado medidas para enfrentar o cenário ruim. E essas medidas, pelo que temos acompanhado, são de contingenciamento de gastos, principalmente com funcionalismo público. O governo tem feito o possível para cortar gastos, porque é o ponto em que são mais criticados. E, realmente, o custeio da máquina pública é o que mais suga os investimentos públicos. Sempre há certa reclamação por parte de quem foi cortado, porém, acredito que essas medidas são bem recebidas pela população, mesmo sem a presença da publicidade, mas apenas pelas notícias veiculadas pela imprensa”.
Algo que, no plano federal, se apresenta de modo diferente, ainda que, como em Goiás, também não haja sucessão devido à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT). “Ainda não percebemos esse enxugamento como está sendo feito em Goiás. São 39 ministérios e qualquer movimento que se faça tem grandes consequências. Vimos um ambiente muito tenso no Congresso em relação ao governo federal. Dessa forma, a publicidade faria bem para o governo federal”, analisa.
Menos musculatura de contenção
Em relação ao cenário ruim que se apresenta, com não atingimento da meta da inflação, PIB inexpressivo, ações frágeis da administração federal nessa prévia de segundo mandato, o Banco Central anunciando outro aumento de encargos e juros, Zander relata que Goiás é um Estado que, inevitavelmente, é atingido. A questão: mesmo sendo a nona economia do país, os anunciantes de Goiás não têm essa musculatura para suportar um momento de maior desarranjo na economia brasileira como tem as empresas de São Paulo, por exemplo. “Então, para passar por isso, nossa estratégia tem que ser até mais criativa. Costumamos dizer que um espaço publicitário de 30 segundos na TV tem o mesmo valor, seja para o bom comercial ou para o comercial que foi mal produzido e pensado e que, portanto, precisa de mais inserções para fazer efeito”, explica. (M.N.C.)