Ao sair em defesa de Bolsonaro, filósofo considerado guru do conservadorismo brasileiro rompeu com articulista de “Veja” e com o economista Rodrigo Constantino. Entrevero é claro sinal da cisão entre conservadores e liberais

No momento em que a população pede o fim de um governo de esquerda, principais pensadores de direita se desentendem nas redes sociais | Foto: Jaime Batista
No momento em que a população pede o fim de um governo de esquerda, principais pensadores de direita se desentendem nas redes sociais | Foto: Jaime Batista

Frederico Vitor

Não há mais como negar que o clima é de guerra na nova direita brasileira. Cinco dos maiores formadores de opinião do conservadorismo, do liberalismo e do libertarianismo protagonizaram uma verdadeira pancadaria virtual nas redes sociais. Tudo começou quando o filósofo Olavo de Carvalho saiu em defesa do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), quando este foi criticado, primeiramente pelo ativista do Movimento Brasil Livre (MBL) Kim Kataguiri e, na sequência, pelo colunista da revista “Veja”, Reinaldo Azevedo.

O autor do incêndio, Kim Kataguiri, usou o Twitter para criticar a visão nacionalista e intervencionista de Jair Bolsonaro e foi duramente atacado pelos seguidores do parlamentar. Foi aí que Reinaldo Azevedo entrou na história e fez críticas pesadas ao deputado, que também é capitão reformado do Exército. O articulista de “Veja”, no afã de ridicularizar Bolsonaro e seus seguidores, colocou em xeque a atuação do deputado durante o regime militar.

Em seguida, foi a vez de Olavo de Carvalho atacar Reinaldo Azevedo em defesa do parlamentar. O colunista de “Veja” retrucou, porém em vão. Foi aí que Rodrigo Constantino entrou no jogo ao publicar um artigo tentando apaziguar a situação. Mas já era tarde. O economista foi atacado por Olavo de Carvalho de forma virulenta. O filósofo, tido como boquirroto, apesar de dominar grande erudição literária, não “aliviou a mão” e soltou em sua conta no microblog impublicáveis xingamentos direcionados ao ex-articulista de “Veja”.

Diante deste evento, não poderia ser diferente a perplexidade geral dos respectivos seguidores das figuras envolvidas nesta contenda virtual. Até mesmo setores da esquerda, acostumados a serem alvos constantes de críticas ácidas vindas dos cinco personagens, ficaram surpresos com o conflito envolvendo os paladinos da nova direita brasileira.

Afinal de contas, qual é o significado por trás deste episódio? Estariam os setores da direita se fragmentando em grupos formados por conservadores, liberais e libertários? O que pregam tais correntes e qual é o grau de prestígio de cada uma junto à sociedade? Para buscar as respostas é preciso primeiramente conhecer os personagens envolvidos no entrevero deflagrado nas redes sociais. Ao traçar um breve perfil destas personalidades é possível extrair as ideias que cada qual defende e seus objetivos enquanto militantes e defensores de uma nova era política, ideológica e comportamental.

Conservador, Olavo de Carvalho é o pai da nova direita

Olavo de Carvalho: filósofo é um intelectual expoente do conservadorismo
Olavo de Carvalho: filósofo é um intelectual expoente do conservadorismo

Olavo de Carvalho é considerado o homem que ressuscitou a filosofia no Brasil e uma espécie de pai da nova direita intelectual brasileira. Os que o seguem dizem que, antes dele, a filosofia brasileira estava confinada às universidades. Paulista de Campinas, onde nasceu em 1947, tem 21 livros publicados e é autor de uma vasta obra filosófica, que inclui os livros “O Jardim das Aflições” e “Coleção História Essencial da Filosofia” (que vem acompanhado de DVDs com palestras do autor).

O polêmico “O Imbecil Cole­tivo: Verdades Inculturais Bra­si­leiras” é um best-seller que é uma coletânea de artigos publicados em jornais, com crítica aos intelectuais e formadores de opinião brasileiros. A obra “O Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota” também reúne 193 artigos do filósofo publicados entre 1997 e 2013, tratando dos mais variados temas.

Uma das principais ideias de Olavo de Carvalho é de que a consciência do indivíduo deve ser preservada do coletivismo representado pelo Estado, pelas instituições e meios de comunicação ou quaisquer grupos de opinião. É declaradamente um pensador de ordem conservadora, um católico apostólico romano fervoroso, que combate o comunismo e denuncia uma nova ordem mundial controlada por um pequeno grupo de privilegiados. Ele também denuncia o Foro de São Paulo. Segundo a visão do filósofo, o seminário internacional promovido pelo PT é na realidade uma convenção socialista com o objetivo claro de implantar regimes bolivarianos na América Latina, aos moldes da Venezuela, Bolívia e Equador.

Olavo de Carvalho vive nos Estados Unidos, de onde escreve para publicações como “Diário do Comércio” e o jornal online “Mídia sem Máscara”. Nos últimos tempos, sua fama ganhou mais impulso graças à internet, conseguindo angariar novos simpatizantes, principalmente entre os jovens. Seus vídeos contendo opiniões duras acerca de temas polêmicos como o casamento gay, aborto, legalização das drogas e religião, tornaram-se virais.

Além de críticas corrosivas, o filósofo aborda as questões citadas com sagacidade, na realidade, com frases de efeito recheadas de palavrões. Não raro sua participação em hangouts (videoconferência) com outras personalidades identificadas com o pensamento de direita, como o cantor e compositor Lobão e o comediante e apresentador Danilo Gentili.

Não é de hoje que a forma agressiva como Olavo de Car­valho adjetiva seus adversários ideológicos tem rendido desafetos. Um dos críticos do filósofo é o historiador Marco Antonio Villa, comentarista do Jornal da Cultura e da Rádio Jovem Pan de São Paulo. Em um vídeo disponível no site Youtube, o mestre em Sociologia e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) tenta ridicularizá-lo perante a opinião pública ao lembrar que, no passado, antes de se tornar filósofo, Olavo de Carvalho teria sido astrólogo.

Nem por isso ele deixou de ser uma referência do pensamento conservador brasileiro e, a cada dia, cresce o número de seus seguidores. Em Goiânia, por exemplo, o professor de História Alexandre Seltz é um representante de suas ideias filosóficas. Da mesma forma de seu mestre, Seltz também usa a internet como instrumento de divulgação e disseminação de preceitos, valores e pensamentos conservadores propagados por Olavo de Carvalho.

Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino: os liberais

Reinaldo Azevedo: liberal nos moldes europeus, é crítico do deputado federal Jair Bolsonaro
Reinaldo Azevedo: liberal nos moldes europeus, é crítico do deputado federal Jair Bolsonaro

Reinaldo Azevedo pode ser considerado um liberal aos moldes europeus, ou seja, da mesma linha dos britânicos Winston Churchill e Margaret Thatcher e do primeiro-ministro alemão Konrad Adenauer. Apesar de no passado ter comungado com as ideias do ucraniano revolucionário comunista Leon Trótski, chegando a integrar as fileiras da Convergência Socia­lista, grupo que originou o PSTU, o colunista de “Veja” é um dos mais mordazes críticos do lulopetismo.

Conservador no sentido de defender a conservação das instituições existentes, ele não se considera um conservador no que diz respeito a comportamentos e às liberdades individuais. Do primeiro time de articulistas da revista de maior circulação do País, Reinaldo Aze­vedo representa uma parcela da direita que propõe a privatização de grandes estatais como Petrobrás e Banco do Brasil e aposta na valorização das liberdades individuais, além da diminuição da máquina estatal, defesa da propriedade privada e do livre mercado.

Rodrigo Constantino: economista carioca se identifica com o liberalismo da escola austríaca
Rodrigo Constantino: economista carioca se identifica com o liberalismo da escola austríaca

Já o economista Rodrigo Cons­tantino é um liberal clássico, mais próximo do liberalismo de John Locke, e de ícones da escola austríaca como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Formado em Economia pela Pontifícia Uni­versidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, ele preside o Instituto Liberal e trabalhou no setor financeiro de 1997 a 2013. É autor de sete livros, tais como: “Prisioneiros da Liberdade”, “Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT”, “Egoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand”, “Uma Luz na Escuridão”, “Eco­nomia do Indivíduo: O Le­gado da Escola Austríaca”, “Libe­ral com orgulho” e “Privatize Já”.

Rodrigo Constantino é defensor de ideias como a abolição de quaisquer formas de controle ou regulação do mercado, do fim do controle da vida privada dos indivíduos pelo Estado, pela liberdade irrestrita à iniciativa privada e à livre concorrência, defesa incondicional da propriedade privada e dos direitos individuais. Por conta destes princípios, que de certa forma deixam para um campo periférico questões comportamentais, ressaltando o materialismo em detrimento da esfera espiritual, a postura do ex-articulista de “Veja” e, atualmente blogueiro, entrou em rota de colisão com o conservadorismo de Olavo de Carvalho.

“A direita deveria se unir para combater um inimigo comum”

José Maria e Silva: “A direita padece do mal que a esquerda sofria antes do PT”
José Maria e Silva: “A direita padece do mal que a esquerda sofria antes do PT”

O jornalista e mestre em Socio­logia José Maria e Silva (ex-articulista do Jornal Opção), um observador atento dos movimentos da direita bra­sileira, afirma que este não era o momento para os direitistas deflagrarem uma guerra entre suas diferentes vertentes, em uma ocasião em que a esquerda representada pelo PT não esteve tão fragilizada.

Ele explica que a divisão na direita tem origem na deliberação do grupo mais radical dos conservadores, guiado por Olavo de Carvalho, que acreditava que era chegada a hora de aproveitar os movimentos de rua que levaram milhões de manifestantes às ruas, como ocorrido no dia 15 de março de 2015, para destituir todo o sistema político vigente no País.

Segundo José Maria e Silva, os setores liberais, como o de Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino, pensavam o oposto dos conservadores, isto é, defendiam que era preciso dialogar com a oposição, mesmo que isso significasse sentar à mesma mesa do PSDB, de linhagem socialdemocrata, e dos demais partidos da centro-esquerda moderada. Esta posição teria irritado Olavo de Carvalho e seus seguidores. O filósofo chegou considerar que os liberais teriam traído a vontade das ruas ao aceitarem abrir diálogo com quadros da oposição, como os senadores tucanos Aécio Neves e Aloysio Nunes.

De acordo com José Maria e Silva, o que ele classifica como incipiente direita brasileira padece de um mal que a esquerda sofria antes do aparecimento do PT. Ele explica que o Partido dos Trabalhadores teve a capacidade de abdicar de brigas decorrentes das diferentes interpretações do marxismo em prol de uma unidade partidária, principalmente contra um adversário externo. Noutras palavras, a legenda de Lula e da presidente Dilma Rousseff sempre abrigou contendas ideológicas à esquerda, porém nunca deixou de sinalizar ao público externo que a sigla não havia se tornado uma casa dividida ao ponto de suas correntes beligerantes derrubá-la.

“Inteligentemente, o PT se tornou uma espécie de guarda-chuva da esquerda, aceitando em seus quadros desde religiosos carolas, marxistas ateus e socialistas democráticos. Lá dentro as correntes internas se digladiam, mas o público externo que assiste as contendas enxergava tudo aquilo como o PT. A direita atual precisaria aprender isso com os petistas, ou seja, a briga entre o grupo de Olavo de Carvalho e os liberais acontece em um momento em que há um inimigo em comum muito maior para se combater, que é a esquerda que está no poder”, afirma.