Leilão de animais, rifa de um lote, doações e até pinga estão entre as histórias do projeto da nova cadeia de Caiapônia

Juíza Gabriela Maria Franco motivou população a se unir para viabilizar construção do novo presídio da cidade
O sertanejo raiz às vezes dava lugar ao sertanejo universitário em um som não muito alto enquanto um bezerro era arrematado e, por cinco vezes, doado de volta ao leilão barulhento na sede da fazenda Princesa, do produtor rural Omar Machado, no município de Doverlândia, no último domingo de fevereiro, dia 25.
Durante todo o dia, bois, sacos de milho e soja, fivelas e até garrafas de pinga curtida foram leiloados. Ali, contudo, os bens foram arrematados com valores até cinco vezes superiores ao habitual. Uma barraquinha vendia cerveja, refrigerante e água enquanto os mais de 50 animais, entre bovinos e equinos, faziam barulho amarrados a tocos e isolados em currais.
Cada montante angariado arrancava risos de satisfação do advogado e presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal, Rayner Carvalho Medeiros. No final do leilão, que teve lance da maioria dos 200 participantes, uma surpresa: cerca de R$ 70 mil estavam garantidos para começar a dar corpo ao sonho coletivo que está movimentando as cidades de Caiapônia, Doverlândia e Palestina de Goiás: a construção do novo presídio da região.
Tudo começou em uma audiência pública no pequeno auditório do Tribunal do Júri de Caiapônia, presidida pela juíza Gabriela Maria de Oliveira Franco, da comarca do município. Sem mais espaços para mandar condenados por crimes no entorno da cidade para a cadeia pública, a saída seria juntar forças da comarca, do Ministério Público, da Polícia Civil, Militar e chamar o povo para contribuir. De repente, tijolos, sacos de cimento, animais e dinheiro começaram a ser doados.
Depois de o valor arrecadado no leilão ter surpreendido, um novo certame está sendo planejado para a segunda quinzena de junho deste ano. “Muita gente se entusiasmou e quer continuar ajudando”, diz, orgulhoso, o advogado Rayner Carvalho Medeiros, com quem fica a responsabilidade de gerir todo o dinheiro da “vaquinha”, depositado na conta do Conselho da Comunidade. “O mais interessante é o que valor de cada animal foi superado. Um bezerro foi comprado por quase R$ 600.”
No primeiro leilão, até o titular da Delegacia Distrital de Polícia (DDP) de Caiapônia, delegado Marlon Souza Luz, arrematou para ajudar. “Muitos animais eram comprados e devolvidos, tudo para que gerasse mais dinheiro”, lembra.
O delegado reconhece a necessidade de a região contar com uma cadeia mais bem estruturada, mas garante que o índice de criminalidade diminuiu nos últimos anos. “Este ano não teve nenhum homicídio ou mesmo tentativa, nem assalto a mão armada. Isso é graças ao empenho da Polícia Civil e Militar”, justifica.
Mesmo assim, a cadeia pública está superlotada. Com capacidade para 18 apenados, atualmente têm 63 presos. Dor de cabeça para a promotora Teresinha de Jesus Paula Souza, há quase 20 anos na cidade. Antes de comentar a movimentação pelo novo presídio, surpreende com relatos que ainda não havia contado. “É que ninguém me perguntou”, começa ela. “Eu já tive de levar ingredientes de casa e até cozinhar para os presos”, diz sem surpresa.
Teresinha vive insegura. No rito do Judiciário, cabe a ela denunciar criminosos às autoridades. “Além do problema da cadeia, ainda tivemos de nos acostumar com presos perigosos. Até mesmo quem responde por liberdade não deixa de nos assustar.”
Mesmo tendo de assumir a maioria dos problemas relacionados à cadeia, sobretudo a superlotação e a falta de agentes penitenciários – apenas um policial militar vigia o presídio –, Teresinha não se arrepende de ter negado ir para promotorias menos problemáticas. “Gosto do interior, as pessoas precisam de nosso trabalho”.
Sem se lembrar da data, ela conta a surpreendente história de um homem vítima de assassinato na cidade. Sem familiares, ela e um policial se envolveram para ajeitar um caixão e uma sepultura no cemitério da cidade. “A gente não tinha nem lugar para o velório. Nem as igrejas quiseram o morto.”
Restou à promotora e a um policial, inclusive, a reza de despedida do morto em uma sala do presídio a poucos metros do autor do crime. “Bem que liguei para a ex-mulher do homem, mas ela não quis saber. Apenas informou o nome, a única identificação do morto”, ela relembra por telefone.
Ainda sobre o presídio, ela relata que a maior reclamação vem das mulheres dos presos. “Se uma mulher de preso chega no horário de visita e não tem uma policial feminina, a visita não é permitida. Tem apenas uma na cidade e, quando está de folga, é um caos. Se tiver em folga a policial não pode fazer as revistas”, exemplifica.
Rifa de lote ajuda na “vaquinha”

Presidente da OAB de Caiapônia, Rômulo Pereira doa lote para rifa
Professores, comerciantes e até garis andam com carnês da rifa de um lote avaliado em R$ 32 mil no Centro de Caiapônia. Para participar do sorteio é preciso desembolsar R$ 30. Doado pelo presidente da OAB, seccional de Caiapônia, Rômulo Pereira da Costa, a venda dos carnês engordou a conta para a construção do novo presídio para quase R$ 100 mil. “Doei o lote porque sempre participo da OAB na diretoria e, agora na presidência, precisava contribuir. Todo mundo está participando, decidi assumir o protagonismo”, disse.
O lote atualmente está avaliado em R$ 32 mil à vista, diz o advogado, e R$ 60 mil à prestação. “Apenas com a venda de todos os carnês que distribui, inclusive, para os 62 advogados da região, estimamos arrecadar pelo menos R$ 90 mil. Mesmo que todos não sejam vendidos, garantimos pelo menos R$ 65 mil”, aguarda Rômulo.
A intenção é construir um novo presídio, em outro local, que deverá ser estudado pela prefeitura. Mas isso só vai ser possível se o dinheiro ultrapassar a estimativa, ou seja, mais de R$ 200 mil. Caso contrário, o antigo será demolido e o novo deve preencher os 70% de área restante.
Em resposta sobre a expectativa dos presos, Rômulo Pereira brinca: “Eles acham que é para melhorar a vida deles, mas é para caber mais”. Conforme a juíza Gabriela Maria de Oliveira Franco, até o trabalho de presos pode ser considerado para a construção da nova cadeia pública. “Pretendemos diminuir o tempo de prisão. A cada três dias de trabalho, um dia de pena a menos. Evidentemente vamos considerar o bom comportamento, mesmo com presos do regime fechado. Vai ser bom para toda a sociedade.”
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