Como vereador com deficiência transformou a Câmara Municipal de Goiânia
29 maio 2022 às 00h00
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Além da instalação de acessibilidade, Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência passou de uma reunião a cada dois anos para reuniões diárias
Willian Veloso é economista, advogado e, desde 2020, vereador da cidade de Goiânia. Desde os 19 anos, quando sofreu um acidente e se tornou cadeirante, o político do Partido Liberal (PL) se propôs a representar as pessoas com deficiências (PCD). Com o projeto de lutar por representatividade, Willian Veloso montou em seu gabinete na Câmara Municipal uma equipe com diversos funcionários com deficiências que já transformou o cotidiano da casa legislativa.
Antes do mandato de Willian Veloso, por exemplo, não havia piso tátil no prédio onde trabalham os vereadores – embora vereadores já houvessem aprovado lei em 2015 que obriga prédios públicos dispor do mecanismo para a acessibilidade de cegos. A tribuna do Plenário não era acessível; hoje, existem rampas e microfone na altura de quem fala em cadeira de rodas. Estes são exemplos de como a mera representação de uma pessoa com deficiência chamou a atenção dos trabalhadores à necessidade de acessibilidade, mas a mudança mais profunda se deu no trabalho legislativo.
Presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência na Câmara Municipal, Willian Veloso e sua equipe realizam reuniões diárias, com registros de até três reuniões feitas em um único dia. Anteriormente, os registros da casa mostram apenas duas reuniões da comissão em quatro anos. Desde 2018, a comissão esteve sob presidência dos então vereadores Dra. Cristina (PL) e Rogério Cruz (atual prefeito, do partido Republicanos), e se reuniu apenas uma vez a cada dois anos.
Dra. Danielly Carvalho é a servidora da Câmara Municipal e trabalha diretamente com a comissão. “Qualquer projeto de lei que afete pessoas com deficiência passa primeiro pela Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Os vereadores membros são responsáveis pela avaliação do texto. Ali, os parlamentares verificam se as propostas de fato contemplam todas as deficiências, se a proposta pode desfavorecer qualquer pessoa com deficiência de alguma forma, se há algum ponto que possa ser melhorado. Além disso, cedemos comendas e homenagens.”
Há 20 anos, a comissão das Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência tem uma atuação social coordenada pela servidora Edilma Porto – ela própria uma pessoa com mobilidade reduzida pela poliomielite na infância. A funcionária explica como seu trabalho na Câmara Municipal se transformou nos últimos dois meses: “Direcionamos cadeiras de rodas, camas hospitalares, muletas, cestas básicas e outros. Há um rigoroso critério para poder receber os benefícios. Fazemos uma triagem, uma avaliação anterior e acompanhamento posterior. É um trabalho social e de apoio psicológico também. Atendendo o público diretamente há 20 anos, eu percebo que há mais estrutura e empenho hoje do que quando comparamos com anos passados. O número de auxílios fornecidos e de pessoas beneficiadas se multiplicou.”
Dentro do gabinete, advogados, funcionários e auxiliares administrativos também são pessoas com deficiências. Pedro Paulo, de 24 anos, nasceu paraplégico por má formação na vértebra T4, e pela primeira vez trabalha com política como assessor do vereador. O jovem era auxiliar administrativo em uma empresa que produz cadeiras de rodas, mas se envolveu com o projeto político e a campanha do então candidato e, com a eleição de Willian Veloso, foi convidado para compor seu gabinete.
Pedro Paulo afirma: “Aqui tive a chance de conhecer como tudo funciona. Já trabalhei na parte administrativa, atendendo as demandas dos bairros, e dentro da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência.” Pedro Paulo afirma que ele e seus colegas foram muito bem recebidos, mas o principal desafio continua sendo o da conscientização. “Acredito que sensibilizar quem não faz parte do segmento das pessoas com deficiência é o primeiro passo. Após a conscientização para a necessidade de acessibilidade e inclusão, o resto vem naturalmente.”
A inclusão beneficia você também
Segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 8,4% da população brasileira acima de 2 anos tem algum tipo de deficiência. Na capital goiana, isso significa uma população de 126 mil pessoas limitadas às suas casas por falta de acessibilidade. A demanda é grande e os desafios, muitos. Willian Veloso e sua equipe contam mais de 600 intervenções de acessibilidade em toda a cidade: aberturas e adequação de canteiros, rebaixamento de calçadas, construção de rampas, implantação de piso tátil e sinalização.
Além das intervenções, do trabalho na Comissão e do trabalho de assistência social às PCD, o vereador diz se orgulhar em especial de um projeto de lei proposto na semana passada. Trata-se da reserva de 3% das vagas em cargos comissionados no município para PCDs. A lei já existe para reservar cotas em concursos públicos, mas como o número de cargos comissionados decolou e o de concursos públicos não, essa passou a ser uma necessidade do segmento, que enfrenta dificuldades para se inserir no mercado de trabalho.
Como o senhor conseguiu dinamizar a Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que estava praticamente parada?
Na verdade, faltava apenas a representatividade na Câmara Municipal – não só em Goiânia, mas também falta representatividade nas câmaras de quase todos os municípios brasileiros e nos níveis superiores do Legislativo. Quando você traz para a Casa um representante do segmento, as demandas surgem naturalmente. As pessoas se identificam com o parlamentar que representa os PCDs da mesma forma que as pessoas se identificam com os parlamentares que representam a polícia e a saúde.
Acredito que a representatividade fez surgir muita matéria prima para a comissão trabalhar. Como presidente, separei a estrutura que atendia demandas sociais, montei um time para provocar audiências públicas, criei um setor que cuida de homenagens a empresas e entidades que cumprem as leis de cotas para deficientes e que concede comendas a cidadãos que atuam pela causa. Além disso, há, claro, as pautas diárias de Goiânia que dizem respeito à pessoa com deficiência.
As necessidades das PCDs são transversais: existe a questão da empregabilidade, que passa pelo cidadão comum e chega naqueles com deficiência. O transporte, a educação, a cultura, o turismo. Tudo isso diz respeito também à comissão, que se encheu de atividades muito naturalmente.
O senhor tem diversos assessores com deficiências no seu gabinete. Como foi montar essa equipe? Foi uma escolha natural ou o senhor considera uma afirmação política?
Desde que comecei a usar cadeira de rodas, aos 19 anos, eu sempre defendi que meus pares precisam de oportunidades. Dando chances para uma pessoa com deficiência, você se surpreenderá com a capacidade que aquela pessoa tem. A falta de oportunidades com que as pessoas com deficiências sofrem é precedida pelo preconceito, pela discriminação. Então eu sabia que essa equipe daria certo, pois há muita disposição dessas pessoas para aproveitar as oportunidades.
De certa forma, é uma afirmação política, pois, ocupando um cargo público, me propus a montar uma equipe com pessoas com deficiência pela representatividade. Entretanto, esse não é o principal. Escolhi cada membro da nossa equipe porque sei da capacidade que cada um tem.
Antes de seu mandato, como considera que as pessoas com deficiências eram representadas na cidade?
Antes de eu me tornar parlamentar, já atuava em defesa do segmento como presidente do conselho estadual e municipal da pessoa com deficiência, ao longo de quatro anos como gerente de inclusão da pessoa com deficiência no Governo do Estado, como vice-presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB-GO e membro do FIMTPODER – Fórum Permanente de Inclusão no Mercado de Trabalho das Pessoas com Deficiência e Reabilitados do INSS. Portanto, sei que existem muitos profissionais que lutam pelos direitos desse grupo.
Em sua opinião, qual o maior desafio das pessoas com deficiência em Goiânia?
Goiânia tem vários gargalos, mas a mobilidade urbana e acessibilidade urbanística e arquitetônica continuam sendo os maiores obstáculos a serem superados. Para vencer esse desafio, precisamos sensibilizar todas as pessoas para o fato de que não apenas as PCDs se beneficiam de mais acessibilidade. Rampas não são só para cadeirantes, pois nós seremos idosos um dia e poderemos sofrer com mobilidade reduzida. Aumentando a acessibilidade, beneficiamos as grávidas e as mães que precisam transitar com recém-nascidos.
Mais do que isso, quando o cego é penalizado pela falta de piso tátil, ou o surdo pela falta serviços por conta da ausência do intérprete de libras, toda a sociedade é penalizada. Nossa meta é preparar a cidade para que as pessoas com deficiência ganhem as ruas, possam deixar de ser hipossuficientes e possam ser protagonistas de suas próprias vidas. Com pequenas adequações, quantas pessoas podem deixar de depender de ajuda e passar a ajudar os outros? Quantos podem ter empregos, contribuir com a previdência social ao invés de precisar da prestação continuada? Por isso, a missão de incluir é de toda a sociedade, e não apenas de um segmento.