Como tornar uma cidade inteligente, ágil e desburocratizada
25 novembro 2017 às 10h00
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Resposta não é simples nem nos grandes centros desenvolvidos do mundo, nos quais soluções de desenvolvimento sustentável começam a ser aplicadas
“Com ousadia, vamos eleger novas prioridades, apostando em inovação e competitividade. Vamos construir as bases de uma cidade tecnológica.” A declaração, retirada do discurso de posse do prefeito Gustavo Mendanha (PMDB), de Aparecida de Goiânia, feito em janeiro deste ano, aponta para uma tendência dos grandes aglomerados populacionais que buscam soluções para uma de suas demandas mais caras: manter o desenvolvimento aliado à resolução dos problemas das cidades.
Vizinha da capital Goiânia, Aparecida caminha para o final do primeiro ano de gestão do prefeito que tem a árdua missão de manter a cidade no rumo do desenvolvimento e da quantidade inesperada de obras e recursos aplicados no município durante a administração do ex-prefeito Maguito Vilela (PMDB). Para manter o patamar ousado de crescimento de Aparecida, Gustavo apresentou o projeto Cidade Inteligente, com ideia inicial de implantação de 140 quilômetros de fibra ótima para possibilitar a digitalização do município. “As coisas estão acontecendo de forma rápida e, em algum tempo, não vai haver mais papel moeda. E tempos atrás, dez anos, era maluco pensar em um mundo sem dinheiro”, disse em sua última entrevista ao Jornal Opção.
Para encabeçar essa proposta nada modesta, foi convidado para o cargo de secretário de Ciência, Tecnologia e Inovações o professor Cleomar Rocha, coordenador do Laboratório de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Mídias Interativas (Media Lab) da Universidade Federal de Goiás (UFG). O projeto Soluções Urbanas para Cidadãos Inteligentes, a ser aplicado pela Prefeitura de Aparecida, ganhou o prêmio InovaCidade 2017 nas categorias de Tecnologia e Inovação, Sociedades Inteligentes e Cidades Colaborativas e Sustentáveis durante o Smart City Business Congress, realizado em Curitiba (PR) no final de maio.
O projeto tem atraído o interesse de empresas de diversas áreas. Além de uma comitiva israelense, companhias de telefonia já declararam que pretendem se tornar parceiras de Aparecida no Cidade Inteligente. “Temos de tentar, por exemplo, reduzir ao máximo a utilização do papel. A cidade digital tem de ser sustentável”, explicou Gustavo. A proposta do prefeito vai ao encontro do que tem acontecido nas principais cidades e regiões metropolitanas do mundo em que há a aplicação de medidas para mudar a realidade muitas vezes negativa daquela localidade.
O acesso à internet e às novas tecnologias ao alcance das mãos, seja por uso de um smartphone ou tablet, colocam gestões municipais obrigadas a serem cada vez mais transparentes e ágeis. É extremamente importante que os novos canais de contato entre a sociedade e suas autoridades sejam facilitadores da resolução dos problemas. Isso também força as políticas públicas a serem voltadas ao planejamento de longo prazo das cidades, que devem incluir no seu desenvolvimento a sustentabilidade, a facilidade de locomoção e o reordenamento da vida econômica e habitacional dos moradores.
Melbourne, na Austrália, é considerada hoje a melhor cidade do mundo para se viver, de acordo com o instituto Economist Intelligence Unit. A cidade, que tinha um centro abandonado, incentivou nas últimas décadas a reocupação da área central do município com redução na cobrança de impostos e oferta de internet gratuita em áreas públicas. Isso fez com que a população que mora no centro de Melbourne saltasse de cerca de 700 habitantes na década de 1980 para 3,8 mil em 2017. Mesmo com serviços de qualidade no transporte público e o incentivo às moradias mais próximas ao trabalho e a regiões de oferta de serviços, na contramão do uso de veículos particulares e criação de grandes distâncias, a cidade australiana se prepara para uma projeção de população 80% maior do que os atuais 4,7 milhões daqui 34 anos, em 2051.
Um exemplo para cidades como Rio de Janeiro, Goiânia e Aparecida é o caso de Medellín, na Colômbia, que já foi dominada pela extrema violência e chegou a ser considerada a metrópole mais violenta do mundo. Hoje ela se tornou uma experiência de sucesso na redução da criminalidade. Medellín conseguiu sair de uma taxa de 380 homicídios a cada 100 mil habitantes em 1991 para 21 no ano passado. A redução da violência melhorou, inclusive, os índices de desigualdade social da cidade, redução do desemprego, além do crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 3%.
A ligação das favelas por meio do transporte público, com metrôs e teleférico, ao restante da cidade e o combate do governo nacional às guerrilhas auxiliaram na criação de um centro de desenvolvimento empresarial em uma das regiões mais pobres de Medellín. A atuação conjunta dos setores público e privado ajudaram na reestruturação da cidade colombiana. Mas foi o surgimento de um corpo técnico em um comitê que une universidades a empresas e ao governo, que elaboram as políticas públicas que devem ser seguidas pelo prefeito, o grande responsável por manter os avanços a longo prazo.
Desigualdade
São Francisco, na Califórnia (Estados Unidos), mais conhecida como a capital do Vale do Silício, é o grande polo mundial de startups e grandes empresas do setor de tecnologia. Hoje a cidade tem 2,8 mil moradores com ensino superior completo por quilômetro quadrado, a maior densidade do mundo de diplomados em universidades. Responsável pelo maior potencial da indústria de inovação do mundo, São Francisco soube atrair novos moradores pela atividade econômica inovadora e um estilo de vida mais despojado. Mas é também alvo de crítica pelo processo de gentrificação, no qual os moradores nativos da cidade têm sido expulsos pelo elevado valor dos imóveis e alugueis cobrados pela grande concentração de milionários e bilionários do mundo que se muda para lá.
Parte dos moradores de São Francisco já vê nas empresas de tecnologia uma taxa muito baixa de participação na solução dos problemas de transporte público e redução das desigualdades. As mesmas responsáveis por inovações no mercado começam a ser vistas como vilãs. Mesmos problemas enfrentados por uma das economias mais ricas do mundo, que tem um PIB quase do tamanho de todo o Brasil, a cidade de Nova York (Estados Unidos) não vê na variação de suas atividades econômicas, com uma elevação do setor de serviços, se transformar em moeda de redução da pobreza na ilha de Manhattan.
Apesar de sua característica cosmopolita, com mais de 3 milhões de estrangeiros morando em Nova York e 200 idiomas falados na cidade, o centro de atração de quase 10 milhões de turistas por ano ainda convive com 19% de sua população de 8,6 milhões com renda familiar (3 pessoas) anual inferior a US$ 19 mil.
Nem nas novas cidades chinesas, como o caso de Shenzhen, a inovação tecnológica, industrial e econômica, com utilização de carros elétricos e uma grande quantidade de arranha-céus, as reduções dos gases poluentes na atmosfera e práticas mais sustentáveis resultaram em cidades pensadas para o uso da bicicleta ou com ruas e avenidas mais utilizadas por pessoas do que automóveis. Até os Emirados Árabes já admitem que suas fontes de petróleo não serão capazes de durar mais do que 150 anos.
Mas ações com a elaboração de planos diretores que incluam a aplicação da tecnologia para facilitar a vida de seus cidadãos, sejam eles de cidades ou regiões metropolitanas, parecem ser medidas inevitáveis. A criação de corredores exclusivos de ônibus, ciclovias e o incentivo de práticas mais sustentáveis, como a troca de materiais recicláveis por pontos que podem virar descontos em produtos e mensalidades de atividades físicas ou culturais (Medellín) tendem a ser cada vez mais adotadas também nas cidades brasileiras distantes dessa realidade.
As cidades não têm mais como fugir da informatização de suas atividades públicas e do diálogo entre a iniciativa privada e os governos. E para torná-las mais eficientes, a sociedade e seus governantes precisarão lidar com os dilemas da infraestrutura, crescimento econômico e acesso a emprego e mobilidade sem deixar de lado a redução das desigualdades. De nada vai adiantar tornar as cidades viáveis e interessantes para alguns e não garantir a todos segurança, emprego, transporte público, educação e lazer em nome da tecnologia. Teremos duas opções: ser economicamente sustentáveis ou continuaremos analfabetos funcionais.