Como acessar o mercado em tempos de crise
19 março 2016 às 11h12
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Diante do atual contexto econômico brasileiro, empreender requer ainda mais cuidados. Veja as dicas de empresários
Yago Rodrigues Alvim
Recorrentemente, muitos se veem diante duma situação inesperada. Seja por motivos ruins, como a falência de uma empresa e, assim, a perda do emprego, ou até por não se darem conta que abrir um negócio próprio seria, de fato, viável. Eis que o sonho se torna palpável. É assim que inúmeros negócios surgem. Basta caminhar por uma rua, à pé ou de carro, para se dar conta de quantos empreendimentos se está cercado — isso, fora as multinacionais e demais empresas que já existem.
Tais multinacionais e consagradas marcas começaram também de uma pequena iniciativa empreendedora, em algum momento da história. Certamente, o dono tinha características peculiares a um empreendedor. A saber: proatividade, afinal é preciso buscar oportunidades e ter iniciativa; persistência, em face aos obstáculos que surgem; moderação, pois correr riscos requer ciência de margens de erro; exigência, posi já se sabe que qualidade nunca é demais; comprometimento, em meio ao sucesso e fracasso; atualização, pois alguém ávido por notícias, nunca fica atrás; foco, a fim de alcançar objetivos; organização, para agir por etapas; persuasão, para conseguir apoio para o próprio sonho; e, assim, independência e autoconfiança, para espraiar positividade ao redor.
São muitas; o que não significa que um empresário deva, por tudo, tê-las todas de imediato. Muito se pode fazer ao longo do percurso, com estudo e demais capacitações a fim de continuar tocando o barco. É o que alguns empresários têm feito, atualmente. Visto o contexto econômico e financeiro brasileiro, aí escancarado em jornais e nos bolsos, todo cuidado é pouco.
Gerente da seccional goiana do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Goiás (Sebrae-GO), Elaine Moura contou, recentemente, ao Jornal Opção, como empreender com os pés no chão. “O ato de empreender não pode se transformar em uma aventura que traga riscos para o indivíduo”, disse. Segundo ela, a cabeça tem sim que continuar no alto junto aos sonhos, mas os pés têm que se fincarem ao chão.
Munir-se de informações é essencial para empreender; imagine, então, em tempos de crise. O Sebrae auxilia nas mais diversas questões, a fim de um empreendimento sustentável e competitivo no mercado. Foi o Sebrae que listou as características citadas anteriormente. Informações como estas são encontradas no portal do Serviço ou mesmo via telefone, com algum atendente.
Este foi o primeiro passo indicado pela também gerente do Sebrae-GO Carmen Neiva Carvalho Gondim. “Procure informações.” Assim, perguntas como “como empreender?; quais as orientações que o Sebrae fornece ao cliente?; quais os caminhos e cuidados?; de que forma a gestão interfere neste momento atual?; como o empresário deve se preparar?” sanam-se mais facilmente, uma vez que uma longa jornada se apresenta.
Carmen, que se dedica à unidade de Inovação e Competitividade da seccional, observa que, devido à dificuldade no mercado, redução de consumo e vendas, os empresários microempreendedores têm procurado atendimento e consultorias no Serviço. “Eles buscam caminhos para melhoria nos processos de gestão.”
Diante do conhecimento de que crises fazem parte do mundo e da economia, a todo tempo, a função do empreendedor é se preparar, intervir com um plano B, enxergar oportunidades no mercado em que deseja atuar ou atua. Nicho explanado, riscos calculados, hora de agir; e eis que uma palavra calha bem: “inovação”. É preciso, diz Carmen, inovar em métodos de gestão, processos produtivos, comunicação com o cliente e outras. Isso faz parte da profissionalização, o que, cada vez mais, o mercado requer.
As várias frentes de atendimento do Sebrae, que vão desde o simples atendimento [já citado], a consultorias e cursos de capacitação são um meio de precisar cada passo a um negócio sustentável. As regionais e agências nos diversos municípios oferecem toda uma programação de cursos; são eles de gestão financeira, planejamento, gestão de pessoas e equipe, gestão de negócios e cursos voltados ao atendimento do público. Carmen sintetiza: “O Sebrae atua, fundamentalmente, na preparação e desenvolvimento de empreendedores e gestores”.
No portal do Sebrae. uma biblioteca está à disposição do usuário. São temas variados referentes ao empreendedorismo; artigos, estudos de caso, informações em geral, além de cursos on-line, oferecidos à distância — alguns são gratuitos e outros subsidiados.
Quando perguntada se algum dos cursos se voltava especificamente a empreender no atual momento de crise, Carmen contou que, característica do método Sebrae, as capacitações e trocas em sala de aula se dão por meio de experiências. Um palestrante, expert no assunto ou com êxito no mercado, à luz de sua vivência, discute todos os temas. Assim, tiram dúvidas, dão exemplos, colocam questões e comentam.
“É um momento de muita relevância para o empreendedor, pois ao lado de outro empresário, muitas vezes de áreas diferentes de competição, ele compartilha dificuldades, e o especialista, que atua com o grupo, tem condições, conhecimento suficiente para dialogar sobre o tema, expondo medidas de melhorias. O mais importante é que estamos antenados ao momento e sensíveis a ele.”
Cartilhas
O consultor de Orientação Empresarial da seccional paulista do Sebrae (Sebrae-SP), Sérgio Diniz, listou alguns cuidados para continuar empreendendo bem no tempo de crise. Intitulado “Administrar em tempos de crise: como administrar uma empresa, num mercado que oscila a cada virada de mês?”, o texto dá dicas.
Compre bem, adquira quantidades adequadas e de boa qualidade com preços e condições competitivas; controle o estoque; produza com qualidade e excelência, eliminando desperdícios e continuo aperfeiçoamento; acompanhe os custos e despesas fixas da empresa; mantenha o controle do fluxo de caixa, cujo objetivo é analisar contas a pagar e receber; compatibilize prazos médios de compra e venda; venda bem, ou seja, veja as melhores condições de negociação junto ao cliente e esteja dentro dos padrões suportáveis da empresa; e, por fim, reveja seu planejamento, pois, talvez seja a hora de traçar novos objetivos e estratégias para alcançá-los.
No chinês, a palavra “crise” é formada por dois ideogramas, um significa perigo e o outro oportunidade. Por isso, como reforça uma das cartilhas do Sebrae, a hora é de buscar alternativas para sobreviver e, ao mesmo tempo, continuar crescendo. Os consumidores, sejam eles “pé no freio”, “abalado mas paciente”, “estável, tranquilo” ou que “vive o presente”, estão diante de algumas categorias de produtos/serviços específicos. São eles: “essenciais”, “agrados”, “adiáveis”, “dispensáveis”.
Os “essenciais” são ligados a alimentação, vestuário e saúde; “agrados” a brinquedos e perfumes, por exemplo; “adiáveis” a viagens, lazer; e “dispensáveis” a atividades consideradas desnecessárias. Visto tais áreas, há diversos planos de ação. Por exemplo, se seu negócio é da área automotiva e visa um público “pé no freio”, cuja combinação se mostra como um mercado em queda, invista em consórcios, financiamentos de baixo custo. Ou ainda, se atua em um mercado considerado “dispensável”, como um food truck, invista em promoções “imperdíveis”. O quadro completo, com as combinações de todas as categorias, você encontra no link www.sebrae.com.br/oportunidadesnacrise.
Conheça alguns casos de empreendimentos que conseguiram se destacar em meio à crise
Em 2003, então empregado de um lava-jatos, Kaio César, perspicaz, notou que os motoristas saíam descontentes com o odor do carro. Era sempre o do silicone, que usavam para lustrar o painel. Notada a carência, botou em prática sua ideia. Já que os aromatizantes eram vendidos a um preço exorbitante em supermercados, que tal um produto que agrade o olfato dos motoristas e que seja acessível financeiramente? Foi assim que deu início a “Cheiro de Carro Aromatizantes Perfumados”.
O orçamento inicial era de R$ 25, valor que deu para comprar papéis e essência. Aos poucos, o material que era produzido “em branco” ganhou impressão especializada; saía com a marca da empresa. Isso levou um tempo; veio junto da fábrica, aberta em 2014.
“As coisas começam a crescer a partir de dificuldades, pois, quando alguém fraqueja, ela cai; se desanima, desmotiva e cai. Do contrário, ela cresce, ascende. Foi num final de ano, eu estava passando por dificuldades — semelhantes a que muitos passam hoje, pois a situação do nosso país é decadente — e eu me provoquei ‘passando dessa, eu passo de qualquer outra dificuldade’. Fiquei com isso em mente e, no ano seguinte, comecei a divulgar. Fui a autopeças, oficinas mecânicas, coloquei o produto para rodar. Trabalhei, então, com o marketing olfativo. Com isso, nós tivemos uma parceria com a ‘Easy Taxi’, o que nos deu grande visibilidade. A empresa adorou o produto e nos propôs a distribuir por todo país. Isso foi um ponto essencial; foi como ganhar na Mega Sena.”
Hoje, em Goiânia, o produto está a R$ 0,75; ou seja, bem acessível. A meta, segundo o empresário, é colocar distribuidoras em outros estados, como São Paulo, onde será aberta uma nova sede. Além da capital goiana, onde reside a fábrica, Brasília e Belém do Pará já têm distribuidoras.
Kaio conta que a parceria com o Sebrae foi essencial. “O Sebrae, como uma escola, te ajuda a ver. Ele te abre a mente, te tira uma fenda dos olhos. Se você não ficar desmotivado, você consegue ir adiante. Ele não te dá o peixe, mas te ensina a pescar. Você escuta pessoas, suas experiências e, assim, consegue montar o quebra-cabeça da sua vida, descobre sua vocação e, assim, segue com o negócio”, conta. Por fim, Kaio diz que é preciso munir-se de informações, trocar experiências. “É preciso muito cuidado”.
Musa Alimentos
Em 2002, Elisabete Travaglia e Ricardo Vitoy a fim de levarem uma alimentação mais saudável deram início a Musa Alimentos. “Queríamos melhorar a qualidade de vida”, diz Elisabete. A empresa começou com a desidratação de frutas [produto comercializado]; era banana e abacaxi. Depois, barrinhas de frutas secas foram elaboradas. Com parcerias, a ideia se concretizou no que hoje é a Musa, uma empresa alimentícia em crescimento.
Segundo a empresária, a primeira parceria que teve foi com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Por meio de uma academia, para a qual fazia entregas, descobriu o Sebraetec, programa do Sebrae. “A proprietária nos contou que mudariam de edifício e era um muito mais belo; isso por meio do Sebraetec. Assim, eu fui atrás, pois queria saber o que era aquilo”, conta. Por meio do programa, Elisabete conseguiu produzir tabelas nutricionais em laboratório. A ajuda veio em 2014. No ano seguinte, outra parceria desaguou no que está para vir ao público: um novo layout de embalagem e visualidade da empresa foi criado, bem como um site. “Estamos para rodar as novas embalagens.”
A inovação foi uma das ações dos empresários para fugir da crise. Persistência, diz ela, é o que mais preciso. “É preciso acreditar no que se faz, gostar imensamente e não desistir.” Portanto, capacitar-se, buscar parcerias e, dentre outras coisas, aumentar o leque de clientes e fornecedores, aumentar o poder de compra, participar de feiras e eventos, evitar o desperdício são algumas táticas realçadas pela vivência dos empresários, que ainda dão como dica uma palavra simples e muito eficaz: planejamento, para, então, crescer mesmo em época de crise.
Intuição Lingerie
Em 2009, Gerson Arruda se viu sem saída. A empresa em que trabalhava faliu e nenhum outro serviço lhe daria uma remuneração que pudesse custear gastos com a faculdade, a qual visava. Como sua família trabalhava no ramo de moda íntima, viu ali uma oportunidade de ascensão. Sua irmã e cunhado o auxiliaram no início quanto a gestão. “Eles me deram uma ideia de como seria administrar uma empresa”, diz. Hoje, Gerson e sua esposa, Allyne Miranda — com quem namorava na época —, gerem a fábrica “Intuição Lingerie”.
Eles trabalham na criação e desenvolvimento de produtos. A parte de corte e costura é realizada por meio de um serviço terceirizado. A marca é vendida em uma loja física, em um shopping da capital goiana, e pela internet.
Gerson conta que a parceria com o Sebrae veio em 2010, quando todo o fôlego e raça de início, somados à necessidade de conhecimento de como administrar o negócio, estavam presentes. Assim, procuraram-no a fim de se especializarem com cursos e demais capacitações oferecidas. “Precisávamos saber um pouco mais da área”, diz ele.
Quanto à crise, o empresário explica que, primeiramente, é preciso ver internamente o funcionamento da própria empresa. Corte de gastos e redução de custos devem ser feitos. Parcerias com clientes, atendimento conforme as necessidades e preferência do público devem estar em foco; bem como o diálogo com os fornecedores, objetivando maiores prazos e descontos. Também é preciso investir em mídia social, o que destaca como “importantíssimo”.
“Com a crise, é preciso mais trabalho dos empresários; eles não devem apenas ficar sentados na sala do escritório, mas sim buscar inovação, parcerias, conhecimentos, tudo aquilo que os ajude”, conclui.