Com muitos prédios, cinco bairros concentram 36% dos casos de coronavírus em Goiânia
10 maio 2020 às 00h00
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Cruzamento de dados da plataforma Covid Goiás com informações da Prefeitura mostra que adensamento e verticalização favoreceram a transmissão do vírus
A análise dos dados da Covid-19 em Goiânia, disponibilizados na plataforma Covid Goiás (desenvolvida pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás), e o cruzamento com dados populacionais e de adensamento urbano fornece um painel para compreender a dinâmica do coronavírus e como ele se espalha na capital. Os cinco bairros com maior número de casos representam, sozinhos, 36% dos 550 casos notificados até o sábado, 9. Em comum, são bairros com muita gente morando em pouco espaço – eles têm, juntos, 1258 prédios residenciais, o que corresponde a 45% de todos de Goiânia (2.743, segunda Prefeitura de Goiânia).
Setor Bueno (65 casos), Setor Oeste (53), Setor Marista (22), Setor Pedro Ludovico (20) e Jardim América (19) têm, juntos, mais de um terço de todos os registros de Covid-19 em Goiânia. Os dois primeiros lideram as estatísticas desde que a plataforma Covid Goiás começou a acompanhar os casos por bairros da capital, no dia 12 de abril. Naquela data, havia 11 doentes no Setor Bueno e 15 no Setor Oeste. Desde então, as notificações cresceram 590% e 353%, respectivamente.
Até o sábado, 9, 172 bairros goianienses tinham casos registrados da doença. Eles representam 25% do total da capital. Isso significa que um em cada quatro bairros tem ao menos um morador com diagnóstico de Covid-19. Como o Jornal Opção mostrou, o processo de periferização tem ocorrido rapidamente. Porém, alguns bairros continuam concentrando a maior parte dos novos registros.
Professor da Pontifícia Universidade Católica, o arquiteto e urbanista Luciano Caixeta explica que epidemias não são novidades para os estudos de urbanismo. Ele diz que a Covid-19, porém, tem uma característica intrigante: se estabeleceu, primeiro, em lugares com alto padrão. “Quer dizer que a culpa é da densidade? Tudo leva a crer que sim. O exemplo vem nos mostrando que onde há maior densidade, conjugada a maior expectativa de via, tende a ter, comparativamente, mais gente infectada e mais mortes. Mas, ainda é cedo para afirmar, teremos que esperar o pior passar e estudar melhor e sem pressa os dados oficiais e cruzar informações antes afirmar com convicção”, afirma.
O Setor Bueno, campeão de registros de Covid-19 em Goiânia, é exemplo claro dessa situação. O bairro, que é um dos mais nobres da capital, tem 46,6 mil moradores, em uma área de 4,17 quilômetros quadrados. Segundo dados extraídos da emissão de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) da Prefeitura de Goiânia, há 430 prédios residenciais no bairro. No Setor Oeste, segundo com mais contaminações, os 31,3 mil moradores dividem 2,7 quilômetros quadrados e vivem, em maior parte, em um dos 447 edifícios residenciais.
Luciano Caixeta defende uma densidade populacional que ele classifica como “light”, com 600 pessoas em uma quadra padrão ou, no caso de Goiânia, onde as quadras são maiores, até 1,2 mil moradores por quadra nas áreas mais adensadas. “Visivelmente nesses bairros a taxa é bem superior e excede o que recomenda qualquer tabela de urbanismo e o bom senso. A taxa alta de densidade não é boa para cidade por vários motivos, mas é boa para a especulação imobiliária e o setor da construção civil”, afirma, ressaltando que a alta densidade não é, necessariamente, ruim para a saúde das pessoas.
Mas a distribuição de casos em Goiânia permite perceber que o coronavírus encontra nos bairros com população concentrada e vivendo em edifícios um ambiente propício para sua disseminação.
O Jardim América, por exemplo, tem 19 casos (é o quinto com maior número). Nele, moram 48,5 mil pessoas e existem 202 prédios. Contudo, o bairro tem 6,38 quilômetros quadrados. O Jardim Goiás, com 14 mil moradores (menos de um terço do Jardim América), tem 22 pacientes com o coronavírus. Mesclando áreas muito adensadas (o bairro tem 108 prédios residenciais) e áreas desocupadas, ele ocupa 3,72 quilômetros quadrados (menos da metade do Jardim América, que tem 6,38 quilômetros quadrados).
Outra característica dos bairros campeões em registro de Covid-19 em Goiânia é que eles são grandes atratores de população flutuante. É neles que está boa parte dos equipamentos públicos, como parques, shoppings, bares e restaurantes e, portanto, locais de trabalho. “O vírus vai se espalhar via transporte público, que é de péssima qualidade, não há investimento em diferentes modais”, critica a arquiteta e urbanista Janaína de Holanda, que é conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO).
Ela explica que o modelo de cidade não é exatamente errado. A densidade, afirma, tem pontos positivos, como a diminuição de distâncias e o favorecimento da convivência. O problema é quando há uma hiperdensidade (como nos bairros mais afetados pela Covid-19) ou habitações precárias, como nas periferias.
Janaína de Holanda afirma que o Plano Diretor de Goiânia permite uma densidade muito alta. A arquiteta cita como exemplo um terreno vizinho do prédio onde mora, que vai receber um edifício. Ali, a relação será de uma família para cada dez metros quadrados de terreno. “Isso é menor que uma garagem”, exemplifica.
Para abrigar tanta gente, os edifícios são cada vez mais altos. O que provoca circulação de muitas pessoas em um mesmo lugar. “Essas pessoas usam o mesmo elevador, vão à mesma padaria, mesma escola, mesma academia”, diz.
Condomínios verticais tentam se adaptar
Para evitar que o contágio pelo coronavírus Sars-CoV-2, que encontra no acúmulo de pessoas um terreno fértil para, seja ainda maior, os condomínios verticais buscam se adaptar. Desde o início da quarentena, áreas de uso comum – como churrasqueiras, piscinas e salões de festas – estão fechadas. “Cancelei, imediatamente, todos os eventos que estavam agendados”, conta a administradora de condomínios residenciais e comerciais Tânia Bonaldo, que também é síndica do prédio em que mora.
Outra medida tem sido intensificar a limpeza de potenciais pontos de contágio, como elevadores e corrimãos. O desafio é fazer com que isso não se torne um gasto a mais, onerando a taxa de condomínio. “Passamos a usar outros produtos, mais caros, e alguns que não usávamos antes, como o álcool em gel”, exemplifica.
Tânia Bonaldo explica que a legislação não permite que se proíbam visitas, o que traz alguns transtornos. “O dia que tem live eu já fico com o telefone ligado pois sei que vou receber reclamações”, brinca, em relação às apresentações artísticas online que viraram moda após a quarentena, que impede a realização de shows.
A administradora de condomínios conta, inclusive, que já teve de pedir ajuda policial. Nesses casos, ela recorre aos regulamentos internos, que coíbem o barulho excessivo após determinados horários. “Alguns abusam, as pessoas pensam que não estão em quarentena, mas de férias”, lembra.
Com a flexibilização da quarentena, que, em Goiás, começou no dia 22 de abril, os cuidados para evitar a contaminação pelo coronavírus ficaram mais difíceis. Isso porque as pessoas passaram a circular mais, com a retomada de algumas atividades econômicas.
Mas Tânia Bonaldo enxerga pontos positivos na situação atual. “Fazemos grupos [de WhatsApp] para que uma pessoa que sai compre as coisas para outras que não podem sair, como os idosos”, conta. “A pandemia trouxe para nós o sentimento de que somos mais úteis, que podemos ajudar os mais frágeis. As pessoas estão mais colaborativas”, acredita.