Candidaturas LGBT emplacam e “colorem” eleições municipais
20 setembro 2020 às 00h01
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Ativistas da causa LGBT e dos Direitos Humanos de Goiás se lançam na política na tentativa de conquistar uma vaga no Legislativo
Este ano promete ser bem colorido, pelo menos na política. Conforme dados da Aliança Nacional LGBTI+, 2020 bateu o recorde de pré-candidaturas de pessoas autodeclaradas lésbicas, gays, bissexuais ou transexuais/travestis (LGBT). Até o mês de julho, de acordo com a entidade, mais de 430 indivíduos de orientação sexual ou gênero diferentes dos considerados padrão (heterossexual e cisgênero) no Brasil inteiro decidiram disponibilizar seus nomes para concorrer a um cargo no Legislativo ou Executivo municipal. Comparado à quantidade de “candidaturas heterossexuais” o número pode parecer baixo, mas é um passo gigantesco na busca por representatividade.
Em Goiás, não é diferente. Na capital, ativistas não só da causa LGBT, mas dos Direitos Humanos como um todo, têm se organizado e se mobilizado para tentar garantir uma cadeira na Câmara Municipal e, assim, ter um nome atuante que possa ser a voz, até então minoritária, na política para a população LGBT.
Na noite do último sábado, 12, uma frente suprapartidária formada por 7 candidaturas LGBT ao Legislativo foi lançada em Goiânia com o objetivo de “se comprometer a discutir as pautas LGBTQI+” e levar representatividade ao meio político. A chamada Frente pela Vida e pela Diversidade conta com as candidaturas de Fabrício Rosa (Psol), Thiago Henrique (PDT), Weliton Pina (Psol), Daniel Mendes (PT), Hugo Leonardo (Rede), Ludmila Rosa (Avante) e Beth Caline (Psol). Essa última, sendo candidata a um mandato coletivo formado apenas por mulheres (cis e trans).
Entretanto, as candidaturas de gays, lésbicas e transexuais/travestis não se restringem apenas à capital. Um levantamento feito pelo Jornal Opção juntamente a um dos coordenadores da Frente pela Vida e pela Diversidade, Fabrício Rosa, e com o Instituto Goiano de Cidadania e Direitos Humanos (IGCDH), através do candidato a vereador Thiago Henrique, encontrou a presença de mais de 30 candidatos declaradamente LGBT em vários municípios goianos. Contudo, o número pode ser ainda maior.
São eles:
Ana Kelly (PT) – Ceres
Ana Luiza (PT) – Cidade Ocidental
Beth Caline (Psol) – Mandata coletiva – Goiânia
Daniel Mendes (PT) – Goiânia
Dr. Guilherme (PDT) – Nazário
Fabricio Rosa (Psol) – Goiânia
Felipe Freitas (Podemos) – Anápolis
Hugo Leonardo (Rede) – Goiânia
Jhoe Santos (Psol) – Luziânia
Julianna (PT) – Itumbiara
Leydiellen (PT) – Formosa
Luan Silva (PT) – Morrinhos
Ludmila Rosa (Avante) – Goiânia
Luís Jesus do Santos (PT) – Águas Lindas de Goiás
Luiz Carlos (PT) – Bela Vista de Goiás
Maria Marta Ramos (PT) – Senador Canedo
Messias Silvério (PDT) – Trindade
Nathalia Aureliana (PcdoB) – Goiânia
Pai Paulo (PSB) – Cidade Ocidental
Paulo Marchiori (PV) – Cidade Ocidental
Professor Fagner (PT) – Doverlândia
Rimet Jules (PT) – Anápolis
Rodrigo Canizo (PSB) – Cidade Ocidental
Sarah (PT) – Itumbiara
Sônia Cleide (PT) – Goiânia
Thiago Henrique (PDT) – Goiânia
Tiago Galvão (PT) – Cidade de Goiás
Vinicius Martins (PT) – Morrinhos
Wanessa Beltrão (PT) – Porangatu
Warley Azevedo (PSDB) – Luziânia
Warley Filipe (PT) – Ceres
Weliton de Pina (Psol) – Goiânia
“A gente quer defender a vida”, diz candidata trans
Roberta Caroline, ou Beth Caline, como é conhecida no ativismo e militância, é uma mulher trans de 23 anos. Cabeleireira e maquiadora por profissão, Beth é uma das quatro candidatas do mandato coletivo “Agora é que são elas! Juntas e misturadas”, ou, como elas mesmo dizem, “mandata coletiva”.
Ao lado da cientista social Cíntia Dias, de 43 anos; da professora universitária Cristiane Lemos, de 47 e da pedagoga Valéria da Congada, de 49 anos, todas mulheres cis, Beth Caline faz parte do grupo LGBT que tentará uma vaga no Legislativo goianiense nas eleições de 2020. De acordo com a candidata, não há, na politica goiana, nomes que representem a população LGBT em suas demandas básicas e foi o que a motivou a tentar a gestão pública.
“Eu resolvi entrar na política por pensar que talvez eu pudesse fazer uma política melhor se fosse eu mesma, em vez de ficar esperando o protagonismo de um homem branco, cisgênero e machista. A minha militância é para com a comunidade LGBT, mas também vai além disso. É uma militância pela vida e pela diversidade”, conta.
Beth relata revela que decidiu se lançar num mandato coletivo por perceber que, no atual contexto, sua voz e de suas companheiras de candidatura teriam mais força se chegassem ao pleito em uníssono. “São quatro integrantes, mas pode chegar mais uma. Quanto mais representatividade, principalmente das mulheres, melhor”, diz Beth.
Conforme a candidata, antes mesmo de se voltarem para a política, as integrantes do Agora é que São Elas já realizava um trabalho de ativismo e militância. O foco, que também abrange o combate ao que Beth classifica como ataques da classe dominante na política, não mudou, apenas o caminho. “O que a gente fez mesmo foi unir forças pra tentar levar representatividade, igualdade para a política. A gente quer defender a vida, a dignidade. A classe politica se organiza para destruir nossos direitos. O próprio discurso do presidente [Jair Bolsonaro] está nos matando”, pondera.
Para candidato LGBT, a contribuição maior é com o debate
Esta é a primeira vez que o produtor cultural e coordenador da Parada LGBT em Goiânia, Thiago Henrique, de 29 anos, se lança a candidato a vereador. Thiago, que é gay e concorre pelo PDT, conta que começou no ativismo LGBT há cerca de 13 anos, desenvolvendo ações diárias para a população LGBT, tanto culturalmente quanto de assistência.
De acordo com Thiago, a luta ativista somada à política propicia caminhos para efetivas transformações na sociedade. “Como a gente faz uma militância, ela precisa ser complementada através de um mandato. E por isso essa importância de participação na política. A contribuição maior é com o debate, a defesa da construção de políticas públicas para a população LGBT”, diz.
O pedetista também alerta para o que ele chama de “avanço da onda fascista e conservadora” sobre o país. Conforme Thiago, o combate ao problema deve ser contínuo. “Eu acredito que deve piorar a situação, porque esse grupo que eu considero como fascista e conservador eles devem tentar perseguir. A gente tem que fazer esse contraponto, participando da disputa e do debate e mostrando realmente o que é a pauta, porque a gente também enfrenta uma grande onda de fake news”, argumenta.
A manicure e candidata do PCdoB à Câmara Municipal de Goiânia, Nathalia Aureliana, de 32 anos, é outra que chama a atenção para necessidade do combate à intolerância. Nathalia, que é lésbica, relata que já vivenciou situações de preconceito em razão de sua orientação sexual, o que a fez perceber a necessidade de alguém no poder público que possa denunciar esse problema.“Eu já sofri preconceito em situação de emprego, de estar num emprego e não poder falar que eu sou casada com uma mulher, que eu tenho uma relação com uma mulher”, revela.
Nathalia passou a conhecer e a se envolver em assuntos políticos há cerca de 10 anos e, hoje, aponta quais as principais mudanças que a capital precisa na questão LGBT. “Aqui em Goiânia mesmo não tem nenhum centro de apoio para lésbicas, gays e trans. Nenhum. Aqui a pessoa não tem apoio”, critica.
Ativista, policial, candidato e gay
Aos 40 anos, o policial rodoviário federal e candidato à Câmara Municipal de Goiânia pelo Psol, Fabrício Rosa, do Psol, tem uma longa trajetória de militância pelos Direitos Humanos. Fabrício relata que sua atuação surge há mais de 15 anos com o trabalho de proteção aos direitos da criança e do adolescente, como o combate à exploração sexual e trabalho infantil.
A militância LGBT de Fabrício somou-se ao trabalho posteriormente, quando o policial, que é gay assumido, sentiu a necessidade da presença de pessoas LGBT em locais onde as mudanças são feitas estruturalmente, ou seja, a política. Todavia, para Fabrício, o cenário no poder público ainda reflete uma cultura há tempos enraizada no país.
“Nós vivemos a ditadura do dinheiro. São sempre as mesmas famílias que estão lá, mesmo que sejam com outros nomes, mas os sobrenomes são sempre os mesmos. É uma ditadura também do machismo. Sempre os mesmos homens, milionários, brancos, cis, heteros”, critica.
Fabrício, que já tentou uma vaga no Senado Federal em 2018, é doutorando em Direitos Humano pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e integra uma associação de agentes da segurança pública LGBT que atua na manutenção dos direitos dessa minoria, a Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI+ (Renosp LGBTI+). A entidade, em suas próprias palavras, “foi criada para o enfrentamento da LGBTIfobia no país e para a garantia da liberdade de orientação sexual e de identidade de gênero no âmbito da segurança pública”.
Segundo Fabrício, a Renosp nasceu em 2010 e, com o tempo, acabou ampliando sua atuação, acolhendo também a população LGBT fora do circuito de segurança pública. O policial cita um caso específico em que dois adolescentes LGBT passaram a morar na rua após serem expulsos de casa por conta da orientação sexual e foram resgatados pela associação.
“Dois jovens, um menino de 14 anos, gay, negro, e uma menina trans, de 14 anos, ambos expulsos de casa, estavam morando no Bosque do Botafogo [em Goiânia]. Realmente morando, eles colocaram uma barraca de lona e estavam morando ali. Recebi a denúncia, fui atrás, peguei eles e levei pra uma ONG que cuida de pessoas em situação de rua. Então nossa associação faz isso”, explica.
Para Fabrício, o preconceito é vivo na sociedade e afeta pessoas LGBT diariamente. A avaliação do policial é corroborada pelos números. De acordo com dados da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, 8.027 pessoas LGBTs foram assassinadas no Brasil entre 1963 e 2018 em razão de orientação sexual ou identidade de gênero. De acordo com Fabrício, a LGBTfobia é sentida inclusive entre aqueles que, justamente, deveriam combater o problema.
“Muitos policiais não são promovidos por serem gays, ou são transferidos para outras cidades. No meu caso pessoal, às vezes acontece de um policial não querer dividir a viatura comigo, a equipe policial. Como é federal, fazemos operações no Brasil todo e às vezes acontece do policial não querer dividir o quarto de hotel, por causa daquela visão naturalizada de que por ser um homem gay ele vai dar em cima do outro cara hétero”, revela.
LGBTs em evidência
Com indivíduos LGBT presentes na corrida eleitoral, Victor Hipólito, da Assessoria Especial LGBT da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas de Goiânia, vê a possibilidade das demandas e problemas dessa minoria virem à tona. Para Hipólito, a presença LGBT na política viabiliza o debate e expõe a realidade da população.
“A importância de ter candidatos que apresentem a pauta da diversidade sexual, de gênero, é que traz o debate. Vai ser mostrado, vai ser televisionado, vai ser falado. Então, o debate ele vai existir sobre o tema”, avalia.
Hipólito se mostra reticente quanto à quantidade de candidaturas LGBT, uma vez que, segundo o assessor, o ideal seria “focar em alguns poucos nomes” e, assim, aumentar a chance de eleição. “Mas, claro, cada um tem o direito de se colocar à disposição e enfrentar uma campanha, isso é válido”, diz.
O assessor vê com otimismo a exposição da pauta e LGBT, o que, segundo ele, evidencia o engajamento da classe por melhorias. “Mostra que a gente está antenado, que a gente está ligado, que a gente precisa de leis e políticas para a pauta específica, seja de saúde, de segurança pública, de educação, principalmente”, conclui.