Caiado fez do DEM goiano o partido de um homem só
17 outubro 2015 às 10h04
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Outrora uma das mais poderosas forças políticas de Goiás, os democratas já não fazem parte do protagonismo político do Estado, muito por conta do estilo do senador, que controla o partido com mãos de ferro
Frederico Vitor
Certa vez o ex-presidente Lula (PT) disse que era preciso extirpar o DEM da vida política brasileira. Mas em Goiás o petista não precisaria se dar o trabalho de tentar enfraquecer uma das siglas que mais o combateram quando ele estava à frente do poder. Isso porque o maior quadro do que restou da legenda no Estado, o senador Ronaldo Caiado, já tem feito isso com um forte centralismo que empurrou para fora da legenda alguns antigos aliados. Sufocados, eles buscaram maior liberdade e perspectivas políticas em outros partidos.
O que já foi a terceira maior força política de Goiás — atrás do PSDB do governador Marconi Perillo (PSDB) e do PMDB de Iris Rezende — atualmente é apenas uma fração do peso de outras épocas. O Democratas tornou-se um partido de um homem só e praticamente não tem mais militância. Desconectou-se das principais pautas da sociedade. Atualmente, o DEM goiano integra o time das siglas nanicas que não têm qualquer representação e apelo eleitoral — exceto pela forte personalidade e prestígio pessoal de seu presidente.
Caiado é também um senador que não dialoga com o governador nem tampouco com a presidente Dilma Rousseff (PT). Portanto, acaba desconectado dos principais polos das decisões que influenciam diretamente a vida do povo goiano. O DEM estadual conta com apenas um deputado estadual, o presidente da Assembleia Legislativa de Goiás, Helio de Sousa, que está na sigla de forma cartorial. Fora isso, por enquanto, a sigla tem em seus quadros 17 prefeitos que já receberam da base aliada do governo o sinal de que as portas estarão abertas caso queiram migrar para a casa “guarda-chuva” do governador Marconi.
A última baixa importante do DEM foi o prefeito de Quirinópolis, Odair Resende, um dos protagonistas na criação e consolidação do antigo PFL e atual DEM em Goiás. A teimosia — ou necessidade — de Caiado em perfilar com o PMDB mais uma vez em 2016, mas com o olhar em 2018, gerou insatisfação por parte do prefeito que não concorda com esse comportamento do senador e presidente estadual da sigla, aliando-se com os antigos adversários históricos.
Por Goiás, a Câmara dos Deputados não tem nenhum representante do DEM. Nem mesmo existe um vereador representando a sigla em Goiânia. As expectativas para as eleições municipais do próximo ano, pelo menos na capital, não são das melhores. Mas, afinal, como começaram e quais foram as fissuras mais graves causadas pela imposição autoritária de Caiado? Como foi o processo de desidratação do partido que, em 2010, chegou a eleger um senador e indicar o vice-governador da candidatura vitoriosa de Marconi?
As origens do DEM estão na extinta Aliança Renovadora Nacional (Arena), antigo partido dos tempos do bipartidarismo instituído pelo regime militar, quando foi a força antagônica ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que mais tarde se tornaria o PMDB. Em 1980 houve uma reforma política anunciada pelo então presidente, o general João Batista Figueiredo, que criou, no lugar da Arena, o Partido Democrático Social (PDS). No segundo semestre de 1984, liderada por José Sarney, Jorge Bornhausen e Antônio Carlos Magalhães, foi criada a Frente Liberal, o germe do que mais adiante se tornaria o PFL.
Origens na UDR
Em Goiás, quem se destacou neste processo foi o então deputado estadual Vilmar Rocha, ligado ao ex-governador Otávio Lage de Siqueira. Só alguns anos mais tarde o então presidente da União Democrática Ruralista (UDR), o médico e produtor rural Ronaldo Caiado, ingressaria no PFL. Antes, ele disputaria as eleições presidenciais de 1989 pelo antigo PSD — terminando o pleito com 1% dos votos. Caiado destacou-se no PFL, alcançando a condição de liderança interna na sigla em razão da implacável oposição que fazia ao PMDB de Iris Rezende, grupo que ocupadva o Palácio das Esmeraldas, onde ficaria por 16 anos.
No ápice do PFL, o partido chegou a abrigar quadros importantes da política goiana, como Nilo Resende, Odair Resende, deputados federais e estaduais e os vereadores de Goiânia Francisco Oliveira (ex-presidente da Câmara) e Hélio de Brito — que teve sucessivos mandatos, além de Vilmar Rocha. Em 1994, Caiado disputou o governo estadual contra Lúcia Vânia (PSDB) e Maguito Vilela (PMDB), mas não conseguiu passar para o segundo turno. Não declarou apoio a nenhum dos concorrentes que avançaram no pleito, vencido pelo peemedebista.
Em 1998, o PFL de Caiado apoiou a candidatura de Marconi contra Iris. Naquele pleito histórico, seria selada a queda do irismo e inaugurada a era marconista em Goiás. Mas já em 2000 não era possível ver Caiado ao lado do governador que, à época, era o mais jovem do Brasil. Nas eleições de 2002, o PFL ganhou o direito a uma das duas vagas ao Senado, e o nome escolhido para a disputa foi o de Demóstenes Torres.
Cisão interna
Antes desse processo, porém, Caiado tinha provocado fissuras internas que originou nas primeiras baixas. Nas convenções do então PFL para as eleições de 2002, Jalles Fontoura (ex-secretário da Fazenda no primeiro governo de Marconi) queria ser candidato a senador, mas Caiado bancou o então secretário de Segurança Pública, o procurador de justiça Demóstenes Torres, para a disputa. Como tinha a maioria, principalmente em Goiânia, Caiado venceu o duelo. Com o resultado se agravou mais o contencioso histórico entre os Caiado e a família de Jalles Fontoura e Otavinho Lage, um desentendimento que antecede à existência do PFL.
Solapado, o grupo de Otávio Lage debandou para as legendas da base aliada do governador Marconi. Vilmar ainda permaneceu no partido, porém ocupando uma ala interna que não dialogava com o grupo de Caiado. Somente com a fundação do PSD pelo ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, em 2011, Vilmar Rocha deixou o DEM, juntamente com outras lideranças insatisfeitas com o centralismo caiadista, como o deputado federal Heuler Cruvinel e alguns prefeitos, inclusive Juraci Martins, de Rio Verde.
Autocracia do líder forçou ida em massa de prefeitos à base aliada
Em 2003, Ronaldo Caiado rompeu de vez com o Palácio das Esmeraldas em razão de um massivo abandono de 20 prefeitos do PFL para a base aliada. O ato foi simples, agressivo e cirúrgico: desfiliar lideranças e prefeitos da sigla liberal e reposicioná-los no PSDB ou em partidos satélites da base marconista. O resultado foi a perda de 23 prefeitos. Além dos chefes de Executivos municipais, parte dos quadros do PFL, desde os soldados mais rasos até os mais proeminentes cardeais, também acompanharam a ida para a base aliada. Este episódio causou um trauma jamais superado pelo partido, o que acabou culminando em um duro desgaste na liderança de Caiado.
Em 2004, nas eleições municipais, o PFL banca à Prefeitura de Goiânia uma candidatura puro sangue com a deputada estadual Rachel Azeredo tendo o coronel PM Efigênio Almeida na vice. O resultado nas urnas foi um fiasco. No segundo turno, Caiado apoiou de forma velada seu adversário histórico Iris Rezende, contra o projeto de reeleição do prefeito Pedro Wilson (PT) que recebeu apoio de Marconi.
Derrotas eleitorais
Em 2006, com o PFL bastante fragilizado, dividido e controlado com forte imposição de Caiado, a sigla lança o então senador Demóstenes Torres ao governo estadual, contra o candidato da base, Alcides Rodrigues (à época no PP) e Maguito Viela (PMDB). Demóstenes recebeu pouco mais de 80 mil votos, sem passar para o segundo turno. Alcides saiu vitorioso do processo eleitoral e, assim que percebeu o rompimento do pepista em relação a Marconi, Caiado apoiou seu governo — muito mal avaliado, diga-se de passagem — colocando-se como aliado.
Em 2010, o líder agora do DEM (criado em 2007) foi forçado a abrir diálogo com Marconi. Demóstenes Torres, que disputou reeleição ao Senado, tinha ponderado que uma candidatura como terceira via seria risco muito alto ao projeto de mais oito anos no Senado. Portanto, Caiado foi intimado a aceitar uma negociação com o tucano se quisesse ainda ter Demóstenes nos quadros de seu partido. Como prêmio de consolação pela reaproximação com Marconi, Caiado pôde indicar o vice-governador na chapa, escalando o advogado José Eliton.
Isolado e sem estrutura partidária, senador se alia a Iris, seu antigo rival
Passado o processo eleitoral, mais uma vez Caiado romperia com Marconi lançando José Eliton numa sinuca de bico. A certa altura, o vice-governador tomou a decisão de sair do DEM para migrar para o PP — envolvendo uma negociação nacional. Eliton (atualmente no PSDB) se reposicionou integralmente na base aliada, mostrando-se um homem de confiança do governador Marconi. Na sequência dos fatos, foi deflagrada pela Polícia Federal a Operação Monte Carlo, que tornou pública a ligação entre Demóstenes e o empresário Carlinhos Cachoeira. Com o pesado desgaste provocado pelo escândalo que ganhou proporção nacional, Caiado abandonou Demóstenes e o deixou sucumbir até sua cassação no Senado, em julho de 2012.
Com a queda de Demóstenes, além de Caiado não sobrava nenhum outro quadro de ponta no DEM. O senador Wilder Morais, que assumiu a vaga de Demóstenes, ficou no partido, mas sempre afinado com Marconi e a base aliada. Nas eleições de 2012, Caiado se aliava ao ex-prefeito de Senador Canedo Vanderlan Cardoso (PSB), e juntos bancaram a candidatura de Simeyzon Silveira (PSC) à Prefeitura de Goiânia, com o advogado democrata Rafael Hahif na vice. O projeto terminou o pleito municipal em 3º lugar. Com o DEM completamente desidratado e em franca decadência, Caiado vislumbrava disputar o Senado em 2014, porém, sem estrutura partidária, fez o que seria impensável há 20 anos: se aliar ao decano peemedebista Iris Rezende.
O alinhamento de Caiado a Iris Rezende deixou claro que o DEM em Goiás, aquela altura, era uma mera legenda de um homem só. Inexistiu qualquer movimento de militância dentro do partido em 2014 e a sigla era apenas mais uma na chapa que teve Caiado ao Senado, Iris ao governo e Armando Vergílio (SD) à vice. O líder solitário do DEM conseguiu vencer o pleito graças a seu prestígio e à postura mordaz de oposicionista a presidente Dilma no plano nacional. A estrutura partidária do PMDB e os recursos de campanha do Solidariedade, de Armando Vergílio, também foram fundamentais para o triunfo eleitoral de Caiado. Porém, tais fatores não foram suficientes para reerguer o DEM estadual. O resultado: a legenda chegará em 2016 ainda mais em frangalhos. De um partido que foi um dia, tornou-se não muito mais do que um indivíduo.