Enquanto reina o caos nas unidades da rede municipal da capital, senador, que já está há quase quatro anos no mandato, faz divulgação eleitoreira de encaminhamento de emendas em valores muito baixos para hospitais e entidades filantrópicas

Foto: Arquivo / Jornal Opção

O líder ruralista Ronaldo Cai­ado, do DEM, pré-candidato a governador na eleição de ou­tu­bro próximo, fez divulgar na se­ma­na passada material de sua as­ses­soria de imprensa, dando conta de sua pretensa atenção com a área da saúde. Essa atenção se daria, con­forme o texto, pelo fato de Cai­ado ser “médico ortopedista es­pe­cialista em cirurgia da coluna”. Se­gundo a “reportagem”, intitulada “17 prefeituras recebem R$ 3,3 mi­lhões em emendas de Caiado”, es­se montante são os últimos re­cur­sos conquistados em março jun­to ao Ministério da Saúde, para 17 municípios investirem na compra de equipamentos de saúde.

Esses recursos, diz o texto, já estariam nas contas das Prefeituras e “devem ajudá-las a promover um me­lhor atendimento aos pacientes que buscam as unidades de saúde.” In­forma ainda: As emendas parlamentares de março foram para 17 municípios goianos. Os valores distribuídos entre Alexânia (R$ 300 mil), Americano do Brasil (R$ 200 mil), Bonfinópolis (R$ 55 mil), Ceres (R$ 190 mil), Cezarina (R$ 138 mil), Cristalina (R$ 200 mil), Formosa (R$ 300 mil), Leopoldo de Bulhões (R$ 140 mil), Mara Rosa (R$ 300 mil), Ouro Verde de Goiás (R$ 400 mil), Pilar de Goiás (R$ 140 mil), Piracan­ju­ba (R$ 190 mil), Rio Quente (R$ 300 mil), Santa Helena de Goiás (R$ 190 mil), São Luiz do Norte (R$ 45 mil), São Patrício (R$ 45 mil) e Simolândia (R$ 250 mil).

Seguem-se entrevistas de uns dois ou três prefeitos que, naturalmente, agradecem os recursos. Chama a atenção valores ridiculamente baixos, como R$ 45 mil e R$ 55 mil, para uma área que é reconhecidamente cara. São valores muito baixos para quem está há quase quatro anos no Senado, praticamente metade do mandato.

De qualquer forma, destinar emendas às prefeituras é um trabalho que os parlamentares têm de fazer. E o senador do DEM não está fazendo mais que sua obrigação, assim co­mo fazem os outros 19 parlamentares federais goianos (17 deputados e mais 2 senadores).

Mistificação
O texto, como não poderia deixar de ser, é farto em elogios ao senador, afinal, trata-se de um produto de sua assessoria. O problema é quando sai do autoelogio fácil e descamba para a mistificação ou a mentira deslavada. É o que ocorre quando o senador confunde propositalmente o foco de abordagem ao se investir da autoridade de “médico ortopedista especialista em cirurgia da coluna” para criticar a saúde no Estado.

Anota o texto: “Para Ronaldo Caiado, a falta de investimentos na área afeta principalmente os mais pobres. O caos na saúde foi o mai­or ‘legado’ que os 20 anos desse governo deixou em Goiás, penalizando os mais humildes. Hoje são mais de 55 mil goianos esperando por uma cirurgia eletiva, segundo o Conselho Federal de Medicina, um dos três estados com as mais longas filas de espera. Isso precisa mu­dar”.

O senador vai além ao sugerir “so­luções” que beiram o esdrúxulo: “Faltam hospitais regionais no in­terior, os poucos que têm não pos­suem condições de atendimento. Enquanto isso os pacientes precisam vir a Goiânia se tratar. As or­ganizações sociais, sem a devida transparência de suas ações, estão sendo usadas para enriquecer pessoas e não atendem a demanda da po­pulação. Tenho defendido a cri­a­ção de hospitais de campanha pa­ra agilizar os casos de cirurgia em Goi­ás. Não tenho medo de en­fren­tar o debate também sobre a pos­sibilidade de os hospitais privados credenciados receberem um com­plemento para atender os pa­ci­entes do sistema público de saú­de, ajudando a desafogá-lo”.

Foco errado
O senador, por motivação eleitoreira, muda o foco das críticas, con­siderando que a rede pública es­tadual de saúde goza de prestígio como nunca. A administração das uni­dades por organizações sociais co­locou a saúde goiana em outro pa­tamar, servindo de modelo para outros Estados.

Para se ter uma ideia, Goiás tem quatro hospitais acreditados pela Or­ganização Nacional de Acre­di­ta­ção (ONA) como unidades de ex­celência de um total de 12 públicos no Brasil. Mais duas unidades da rede estadual estão em fase de acre­ditação. O senador, que é “mé­di­co ortopedista especialista em ci­rur­gia da coluna”, sabe bem o que sig­nifica esse reconhecimento da ONA, que, no entanto, ele não menciona nem re­conhece.

E não se está dizendo que não há reparos pontuais a fazer no sistema público estadual, por que sempre há, visto que saúde é uma área em que a demanda aumenta sempre mais, principalmente quando o serviço é bom.

Mas on­de a saúde está realmente em si­tuação caótica é na Prefeitura de Goiânia, sob comando do pre­feito Iris Rezende (MDB), ali­a­do do senador. Caiado, por sinal, tem responsabilidade objetiva na administração da capital, já que indicou muitos integrantes para a equipe, incluindo sua filha, Ana Vitória Caiado, que é procuradora-geral do Município. Mesmo assim, o senador continua num mutismo estranho por parte de quem é mé­di­co e conhece a área por dever de ofício.

Fátima Mrué| Fotos Wictória Jhefany / Câmara Municipal

O senador do DEM se cala sobre a situação do atendimento à saúde em Goiâ­nia e isso só pode significar que ele considera que está tudo óti­mo. Mas a realidade é outra. O ca­os impera, com falta de médicos e de insumos nas unidades da rede municipal. A situação é tão grave que a titular da pasta, Fátima Mrué, esteve sob ris­co de ser presa, como requereram os vereadores integrantes da Co­mis­são Especial de Inquérito (CEI) da Saúde, que na quarta-fei­ra, 11, aprovaram pedido de prisão preventiva contra a secretária.

Os vereadores da CEI tomaram a medida após o vereador Clé­cio Alves (MDB), presidente do colegiado, ter recebido ofícios da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), afirmando que a pasta não mais responderia aos questionamentos da comissão, que investiga o caos na rede municipal de saúde.

Até aliados reclamam
“O que a secretária está fa­zen­do é criar dificuldades, obstruir as investigações da CEI. Não responder a solicitações de uma comissão de inquérito é obs­trução de investigação. Isso es­tá tipificado no Código Penal e ca­be prisão preventiva. Para nós, isso está muito claro”, disse o ve­rea­dor relator da CEI, Elias Vaz (PSB) — depois, Fátima Mrué recuou e disse que daria as informações solicitadas pela CEI.

A gestão na SMS é tão ruim, tão caótica, que até aliados de Iris Rezende, como o vereador Clé­cio Alves, não se furtam a criticar, o que Ronaldo Caiado, mé­dico, não faz. E o presidente do Con­selho Regional de Medicina de Goiás (Cremego), Leonardo Ma­riano Reis, foi direto em en­tre­vista ao Jornal Opção: “É uma situação precária, caótica, com uma gestão desastrosa do ponto de vista dos recursos humanos e de abastecimento de insumos. Is­so tem repercutido obviamente na assistência do povo. Infeliz­mente, a população que chega às unidades públicas não tem um atendimento adequado, não tem resolutividade na sua situação patológica. E isso acaba levando a um círculo vicioso.”

Em alguns momentos, talvez em surto de “sincericídio”, a pró­pria secretária Fátima Mrué ad­mite suas falhas. No final do ano passado, após ser ouvida pe­la CEI, a gestora foi bastante ques­tionada pelos vereadores em re­lação ao sistema de regulação do município e sobre a falta de mé­dicos nos Cais da capital. Após o depoimento, Mrué concedeu entrevista à imprensa e pe­diu desculpas à população por con­ta dos problemas na área de saúde.
Sobre isso, Ronaldo Caiado, senador da República, “médico ortopedista especialista em cirurgia da coluna”, não tem nada a dizer?

“Hospitais de campanha é proposta eleitoreira”

Leonardo Vilela | Foto: Arquivo / Jornal Opção

A proposta do senador Ro­nal­do Caiado de construir hospitais de campanha feitos com estruturas pré-moldadas de concreto e/ou lona para atender a população do interior de Goiás é tão es­ta­pafúrdia que nem parece ter sido feita por um médico. O secretário de Saúde de Goiás, Leonardo Vi­le­la, em entrevista ao Jornal Opção na quinta-feira, 12, rechaçou a ideia de Ronaldo Caiado ao dizer que a fala do candidato demonstra um total desconhecimento sobre o que está opinando e dos reais problemas da Saúde no Estado.

“Hospitais de campanha são es­truturas provisórias para situações de guerra ou catástrofe. A ne­ces­sidade da população não pode ser tratada com estruturas sem qua­lidade garantida, provisórias e eleitoreiras. Goiás é o Estado com o segundo lugar no País com o mai­or número de leitos hospitalares por habitantes, duas vezes e mei­a o número de Portugal, que é re­ferência em saúde pública”, considerou Vilela.

Estruturas dignas
O secretário, que é médico, ava­lia que é necessário manter a atual política de saúde do Es­ta­do, de construir estruturas dignas para a população, como os Cen­tros Estaduais de Referência e Ex­celência em Dependência Quí­mi­ca (Credeqs) e as Unidades Es­ta­duais de Saúde Especializada (USEs), que foram inaugurados re­cen­temente em Quirinópolis e em Goianésia.
“É disso que a população precisa, de um atendimento digno, com profissionais qualificados, com equipamentos de alta tecnologia, em unidades de saúde construídas seguindo rigorosamente os pa­drões de vigilância sanitária e dando todo conforto e segurança ao paciente e aos trabalhadores de saúde”, ressaltou.

Leonardo Vilela lembrou ainda que o governo de Goiás tem executado uma proposta consistente pa­ra atender o interior, que são as USEs. Já foram entregues as obras das USEs de Goianésia (Centro-Norte) e de Quirinópolis (Sudoes­te). Outras quatro USEs estão em fase adiantada de construção e de­ve­rão ser entregues este ano em For­mosa, Posse, Goiás e São Luís de Montes Belos.

Prevenção
Outra estratégia que traz resultados para a população, disse o se­cre­tário, é investir em prevenção (atenção primária) – principal competência dos municípios –, além de estruturas hospitalares per­manentes de referência estadual, localizadas em pontos estratégicos nas regiões de saúde do Es­tado. Nesse sentido, houve avan­ço da estruturação da rede com os hospitais de Pirenópolis, de Jaraguá, de Águas Lindas, de San­to Antônio e Uruaçu, os três úl­timos em construção.

“Oportunismo e estelionato elei­toral devem ser combatidos com argumentos técnicos. ‘Pro­mes­sas’ como essas visam tão so­men­te falsear os problemas reais da população, geram falsas esperanças, são onerosas e não produzem efeitos permanentes que solucionam definitivamente os problemas vividos na saúde”, destaca Leonardo.

O secretário também destaca que, atualmente, o governo de Goiás oferece uma rede hospitalar que é exemplo para o Brasil. “Se existe uma fila por espera por cirurgia, a responsabilidade é do município, que é o gestor pleno da Saúde municipal. Ao implantarmos o terceiro turno nos hospitais estaduais, por determinação do governador José Eliton, estamos trabalhando para ampliar esses serviços e ajudar os municípios”, afirmou. l