Caiado continua mudo sobre falência da Saúde em Goiânia
15 abril 2018 às 00h00
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Enquanto reina o caos nas unidades da rede municipal da capital, senador, que já está há quase quatro anos no mandato, faz divulgação eleitoreira de encaminhamento de emendas em valores muito baixos para hospitais e entidades filantrópicas
O líder ruralista Ronaldo Caiado, do DEM, pré-candidato a governador na eleição de outubro próximo, fez divulgar na semana passada material de sua assessoria de imprensa, dando conta de sua pretensa atenção com a área da saúde. Essa atenção se daria, conforme o texto, pelo fato de Caiado ser “médico ortopedista especialista em cirurgia da coluna”. Segundo a “reportagem”, intitulada “17 prefeituras recebem R$ 3,3 milhões em emendas de Caiado”, esse montante são os últimos recursos conquistados em março junto ao Ministério da Saúde, para 17 municípios investirem na compra de equipamentos de saúde.
Esses recursos, diz o texto, já estariam nas contas das Prefeituras e “devem ajudá-las a promover um melhor atendimento aos pacientes que buscam as unidades de saúde.” Informa ainda: As emendas parlamentares de março foram para 17 municípios goianos. Os valores distribuídos entre Alexânia (R$ 300 mil), Americano do Brasil (R$ 200 mil), Bonfinópolis (R$ 55 mil), Ceres (R$ 190 mil), Cezarina (R$ 138 mil), Cristalina (R$ 200 mil), Formosa (R$ 300 mil), Leopoldo de Bulhões (R$ 140 mil), Mara Rosa (R$ 300 mil), Ouro Verde de Goiás (R$ 400 mil), Pilar de Goiás (R$ 140 mil), Piracanjuba (R$ 190 mil), Rio Quente (R$ 300 mil), Santa Helena de Goiás (R$ 190 mil), São Luiz do Norte (R$ 45 mil), São Patrício (R$ 45 mil) e Simolândia (R$ 250 mil).
Seguem-se entrevistas de uns dois ou três prefeitos que, naturalmente, agradecem os recursos. Chama a atenção valores ridiculamente baixos, como R$ 45 mil e R$ 55 mil, para uma área que é reconhecidamente cara. São valores muito baixos para quem está há quase quatro anos no Senado, praticamente metade do mandato.
De qualquer forma, destinar emendas às prefeituras é um trabalho que os parlamentares têm de fazer. E o senador do DEM não está fazendo mais que sua obrigação, assim como fazem os outros 19 parlamentares federais goianos (17 deputados e mais 2 senadores).
Mistificação
O texto, como não poderia deixar de ser, é farto em elogios ao senador, afinal, trata-se de um produto de sua assessoria. O problema é quando sai do autoelogio fácil e descamba para a mistificação ou a mentira deslavada. É o que ocorre quando o senador confunde propositalmente o foco de abordagem ao se investir da autoridade de “médico ortopedista especialista em cirurgia da coluna” para criticar a saúde no Estado.
Anota o texto: “Para Ronaldo Caiado, a falta de investimentos na área afeta principalmente os mais pobres. O caos na saúde foi o maior ‘legado’ que os 20 anos desse governo deixou em Goiás, penalizando os mais humildes. Hoje são mais de 55 mil goianos esperando por uma cirurgia eletiva, segundo o Conselho Federal de Medicina, um dos três estados com as mais longas filas de espera. Isso precisa mudar”.
O senador vai além ao sugerir “soluções” que beiram o esdrúxulo: “Faltam hospitais regionais no interior, os poucos que têm não possuem condições de atendimento. Enquanto isso os pacientes precisam vir a Goiânia se tratar. As organizações sociais, sem a devida transparência de suas ações, estão sendo usadas para enriquecer pessoas e não atendem a demanda da população. Tenho defendido a criação de hospitais de campanha para agilizar os casos de cirurgia em Goiás. Não tenho medo de enfrentar o debate também sobre a possibilidade de os hospitais privados credenciados receberem um complemento para atender os pacientes do sistema público de saúde, ajudando a desafogá-lo”.
Foco errado
O senador, por motivação eleitoreira, muda o foco das críticas, considerando que a rede pública estadual de saúde goza de prestígio como nunca. A administração das unidades por organizações sociais colocou a saúde goiana em outro patamar, servindo de modelo para outros Estados.
Para se ter uma ideia, Goiás tem quatro hospitais acreditados pela Organização Nacional de Acreditação (ONA) como unidades de excelência de um total de 12 públicos no Brasil. Mais duas unidades da rede estadual estão em fase de acreditação. O senador, que é “médico ortopedista especialista em cirurgia da coluna”, sabe bem o que significa esse reconhecimento da ONA, que, no entanto, ele não menciona nem reconhece.
E não se está dizendo que não há reparos pontuais a fazer no sistema público estadual, por que sempre há, visto que saúde é uma área em que a demanda aumenta sempre mais, principalmente quando o serviço é bom.
Mas onde a saúde está realmente em situação caótica é na Prefeitura de Goiânia, sob comando do prefeito Iris Rezende (MDB), aliado do senador. Caiado, por sinal, tem responsabilidade objetiva na administração da capital, já que indicou muitos integrantes para a equipe, incluindo sua filha, Ana Vitória Caiado, que é procuradora-geral do Município. Mesmo assim, o senador continua num mutismo estranho por parte de quem é médico e conhece a área por dever de ofício.
O senador do DEM se cala sobre a situação do atendimento à saúde em Goiânia e isso só pode significar que ele considera que está tudo ótimo. Mas a realidade é outra. O caos impera, com falta de médicos e de insumos nas unidades da rede municipal. A situação é tão grave que a titular da pasta, Fátima Mrué, esteve sob risco de ser presa, como requereram os vereadores integrantes da Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Saúde, que na quarta-feira, 11, aprovaram pedido de prisão preventiva contra a secretária.
Os vereadores da CEI tomaram a medida após o vereador Clécio Alves (MDB), presidente do colegiado, ter recebido ofícios da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), afirmando que a pasta não mais responderia aos questionamentos da comissão, que investiga o caos na rede municipal de saúde.
Até aliados reclamam
“O que a secretária está fazendo é criar dificuldades, obstruir as investigações da CEI. Não responder a solicitações de uma comissão de inquérito é obstrução de investigação. Isso está tipificado no Código Penal e cabe prisão preventiva. Para nós, isso está muito claro”, disse o vereador relator da CEI, Elias Vaz (PSB) — depois, Fátima Mrué recuou e disse que daria as informações solicitadas pela CEI.
A gestão na SMS é tão ruim, tão caótica, que até aliados de Iris Rezende, como o vereador Clécio Alves, não se furtam a criticar, o que Ronaldo Caiado, médico, não faz. E o presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego), Leonardo Mariano Reis, foi direto em entrevista ao Jornal Opção: “É uma situação precária, caótica, com uma gestão desastrosa do ponto de vista dos recursos humanos e de abastecimento de insumos. Isso tem repercutido obviamente na assistência do povo. Infelizmente, a população que chega às unidades públicas não tem um atendimento adequado, não tem resolutividade na sua situação patológica. E isso acaba levando a um círculo vicioso.”
Em alguns momentos, talvez em surto de “sincericídio”, a própria secretária Fátima Mrué admite suas falhas. No final do ano passado, após ser ouvida pela CEI, a gestora foi bastante questionada pelos vereadores em relação ao sistema de regulação do município e sobre a falta de médicos nos Cais da capital. Após o depoimento, Mrué concedeu entrevista à imprensa e pediu desculpas à população por conta dos problemas na área de saúde.
Sobre isso, Ronaldo Caiado, senador da República, “médico ortopedista especialista em cirurgia da coluna”, não tem nada a dizer?
“Hospitais de campanha é proposta eleitoreira”
A proposta do senador Ronaldo Caiado de construir hospitais de campanha feitos com estruturas pré-moldadas de concreto e/ou lona para atender a população do interior de Goiás é tão estapafúrdia que nem parece ter sido feita por um médico. O secretário de Saúde de Goiás, Leonardo Vilela, em entrevista ao Jornal Opção na quinta-feira, 12, rechaçou a ideia de Ronaldo Caiado ao dizer que a fala do candidato demonstra um total desconhecimento sobre o que está opinando e dos reais problemas da Saúde no Estado.
“Hospitais de campanha são estruturas provisórias para situações de guerra ou catástrofe. A necessidade da população não pode ser tratada com estruturas sem qualidade garantida, provisórias e eleitoreiras. Goiás é o Estado com o segundo lugar no País com o maior número de leitos hospitalares por habitantes, duas vezes e meia o número de Portugal, que é referência em saúde pública”, considerou Vilela.
Estruturas dignas
O secretário, que é médico, avalia que é necessário manter a atual política de saúde do Estado, de construir estruturas dignas para a população, como os Centros Estaduais de Referência e Excelência em Dependência Química (Credeqs) e as Unidades Estaduais de Saúde Especializada (USEs), que foram inaugurados recentemente em Quirinópolis e em Goianésia.
“É disso que a população precisa, de um atendimento digno, com profissionais qualificados, com equipamentos de alta tecnologia, em unidades de saúde construídas seguindo rigorosamente os padrões de vigilância sanitária e dando todo conforto e segurança ao paciente e aos trabalhadores de saúde”, ressaltou.
Leonardo Vilela lembrou ainda que o governo de Goiás tem executado uma proposta consistente para atender o interior, que são as USEs. Já foram entregues as obras das USEs de Goianésia (Centro-Norte) e de Quirinópolis (Sudoeste). Outras quatro USEs estão em fase adiantada de construção e deverão ser entregues este ano em Formosa, Posse, Goiás e São Luís de Montes Belos.
Prevenção
Outra estratégia que traz resultados para a população, disse o secretário, é investir em prevenção (atenção primária) – principal competência dos municípios –, além de estruturas hospitalares permanentes de referência estadual, localizadas em pontos estratégicos nas regiões de saúde do Estado. Nesse sentido, houve avanço da estruturação da rede com os hospitais de Pirenópolis, de Jaraguá, de Águas Lindas, de Santo Antônio e Uruaçu, os três últimos em construção.
“Oportunismo e estelionato eleitoral devem ser combatidos com argumentos técnicos. ‘Promessas’ como essas visam tão somente falsear os problemas reais da população, geram falsas esperanças, são onerosas e não produzem efeitos permanentes que solucionam definitivamente os problemas vividos na saúde”, destaca Leonardo.
O secretário também destaca que, atualmente, o governo de Goiás oferece uma rede hospitalar que é exemplo para o Brasil. “Se existe uma fila por espera por cirurgia, a responsabilidade é do município, que é o gestor pleno da Saúde municipal. Ao implantarmos o terceiro turno nos hospitais estaduais, por determinação do governador José Eliton, estamos trabalhando para ampliar esses serviços e ajudar os municípios”, afirmou. l