Briga de Dilma não é com as ruas. O rival chama-se Eduardo Cunha

21 março 2015 às 09h54

COMPARTILHAR
O governo venceu o round dessa disputa na semana passada. E precisa contar com os efeitos da Operação Lava Jato para se afirmar perante as pressões pouco republicanas do presidente da Câmara e sua tropa

Elder Dias
O Dia Internacional da Mulher de 2015 não será esquecido tão facilmente pela presidente Dilma Rousseff. Já agendada, haveria manifestação contra seu governo uma semana depois daquele domingo. O escândalo da corrupção bilionária na Petrobrás entrava naquele momento em um clímax, com a divulgação da lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contendo nomes de dezenas de deputados, senadores e ex-ministros, praticamente todos da base aliada ao Palácio do Planalto, que passariam à condição de investigados na Operação Lava Jato.
Foi nesse cenário hostil que a própria Dilma colocou a cereja no bolo verde-amarelo amargo que lhe estava sendo preparado. A assessoria da Presidência da República anunciara para a noite um pronunciamento dela em celebração do 8 de Março, o que serviria também (no que, na verdade, era o que de fato importava) para a defesa da política econômica do governo das muitas críticas diante de fatos negativos — o ajuste fiscal a ser promovido, a anúncio de cortes nos direitos trabalhistas, a alta do preço dos combustíveis, os juros, a greve dos caminheiros, entre outros.
Dilma não poderia ter escolhido data pior para aparecer. Grupos opositores organizaram uma estratégia: convocar, pelas redes sociais ou celular, via WhatsApp, todos os descontentes com o governo para bater panelas, usar apitos, buzinar, vaiar, enfim, fazer barulho de qualquer espécie na hora do pronunciamento da presidente. Este repórter foi um dos que receberam a mensagem, embora não acreditasse que houvesse tempo para grande mobilização.
Mas houve. O primeiro dos “panelaços” contra Dilma Rousseff se deu especialmente em áreas urbanas recheadas de prédios das capitais. Vídeos do feito circularam na rede e nos telejornais. Foi a maneira encontrada pelos opositores para, ainda que de uma forma entre catártica e metafórica, calar aquele discurso que passaram a rejeitar, seja desde as eleições presidenciais, seja por causa das medidas impopulares do início do novo mandato.
Não há dúvidas de que a estratégia totalmente equivocada de expor a presidente em um momento indevido contribuiu para fermentar e multiplicar a massa que foi às ruas uma semana depois, no dia 15 de março. Os grupos pró-governo tentaram fazer um contraponto também ocupando preventivamente as avenidas no dia 13, em grande parte com sindicalistas e sem-terra. Mas ninguém então tinha ideia de que seria uma pequena e previsível turma se comparada ao nível de adesão dos “contra”.
Tudo bem, então chegamos às questões: o dia 15 de março foi o auge dos desabafos de insatisfação contra a presidente e seu governo ou ainda vem mais por aí? É mais interessante à oposição lutar para derrubar Dilma Rousseff ou fazer de seu mandato um desgoverno? E como se comportará o Legislativo, com deputados e senadores — entre eles os presidentes das duas Casas — pressionados por investigações, em relação às demandas urgentes de um Executivo administrando em plena crise?
Tudo isso fica fácil de ser respondido (e positivamente respondido) se uma coisa aparentemente (e só aparentemente) simples acontecer: o governo Dilma começar a ter uma sequência de acertos, em vez da sucessão de equívocos que vinha protagonizando, em termos políticos.
Política é também um jeito de guerrear, e como em qualquer combate que se preze, é preciso mostrar uma força que pode até não existir de fato, mas que precisa encontrar guarida na crença do inimigo. Parodiando o provérbio sobre a mulher de César, é conveniente ser forte, mas é vital parecer forte. Exatamente o contrário do que vem ocorrendo com o segundo mandato de Dilma, até o momento.
“Vem” ou “vinha”. É que os dias úteis da semana passada, apesar de conturbados, ao fim tiveram balanço positivo. Ver assim depende de certo ponto de vista, mas uma série de fatos revelou poder de reação do governo e da própria presidente. Primeiramente, logo ao fim do domingo de manifestações gigantes, quando todos da imprensa buscavam alguém do governo para comentar o fenômeno, encontraram um bem preparado José Eduardo Cardozo como interlocutor. É bem verdade que o ministro da Justiça estava ao lado do secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto, que tentou botar o dia a perder com a tradicional mania de perseguição da esquerda, tomando o “golpismo” de uma minoria pelo todo de uma multidão insatisfeita. Cardozo foi ponderado, aceitou o resultado das ruas e disse que o governo está aberto ao diálogo. A diplomacia que era necessária àquele momento.
No dia seguinte, na solenidade de sanção do Código de Processo Civil, a presidente deu a resposta certa na hora adequada. Em seu discurso, vivendo o “day after” dos protestos tamanho família e com muitos temendo (e até incitando) um processo de venezuelização do panorama político, ela usou palavras serenas para reafirmar a solidez das instituições. “Nunca mais no Brasil nós vamos ver pessoas que, ao manifestarem sua opinião, seja contra quem quer que seja, inclusive contra a Presidência da República, possam sofrer quaisquer consequências. Nunca mais isso vai acontecer”, declarou, com um semblante emocionado, triste, mas firme.
Curiosamente, nos dois dias, assim que as reportagens sobre as atividades relatadas nos dois parágrafos anteriores foram ao ar pela Rede Globo — no “Fantástico” e no “Jornal Nacional” —, aconteceram novos panelaços. Os novos atos de protesto, ambos, novamente nos mesmos bairros, foram reproduzidos nos demais telejornais da noite e do dia seguinte.
Na quarta-feira, 18, dois fatos que podem ser vistos tanto pelo lado positivo como pelo negativo, a partir de quem observa como “meio cheio” ou “meio vazio” um copo com água pela metade. Como resposta ao clamor do dia 15 de março, um pacote anticorrupção foi lançado pelo governo. À frente da divulgação estava, novamente, o ministro José Eduardo Cardozo. O positivo: o Planalto faz um sinal de que está disposto a entrar no ritmo da música que rola nas ruas. O negativo: é mais um pacote anticorrupção, como os que já foram lançados em anos anteriores, especialmente após as jornadas de julho e julho de 2013. Agora, diz-se, é para valer. Acredita quem quiser, mas tem de ser, se o governo quer realmente recuperar a imagem e não apenas fazer jogo de cena, o que teria efeito curtíssimo e inócuo.
A odisseia do ministro camicase

Para aprovar o pacote anticorrupção ou qualquer outra lei será preciso encarar a Câmara dos Deputados. Essa é a questão. É lá que a coisa complica, com uma pedra angular no meio do caminho: Eduardo Cunha (PMDB), o presidente da Casa e antagonista do episódio mais comentado da semana. Foi para ele que se estendeu, em riste, o dedo indicador do então ministro da Educação, Cid Gomes (Pros). Ao mesmo tempo, Cid dizia: “Eu fui acusado de mal-educado: ‘o ‘ministro da Educação é mal-educado’. Pois muito bem, eu prefiro ser acusado por ele de mal-educado do que (sic) ser como ele, acusado de achaque, que é o que diz a manchete da Folha de S. Paulo’.”
Cid Gomes tinha sido convocado para fazer, diante dos deputados, um “mea culpa” pela declaração da semana anterior, na qual, em uma reunião com a comunidade universitária em Belém, disse que havia 300 ou 400 naquela Casa para quem “quanto pior, melhor”. Melhor para eles que o governo esteja frágil, pois assim podem achacar mais e aprovarem emendas que lhes são favoráveis, é o que tinha pensado e declarado Cid. E é o que pensam e declaram, de formas diversas, milhões de brasileiros desiludidos e revoltados com a política.
Pensavam que o então ministro iria declarar que tinha ido longe demais, que tinha cometido uma verborragia na Universidade Federal do Pará. Pois ele não só não se retratou como chutou o cargo de ministro na cara dos estupefatos parlamentares ao confirmar a declaração, com o acréscimo de chamar muitos deles de “oportunistas” por serem da situação e fazerem oposição. Além, claro, do ataque frontal a Eduardo Cunha.
Saiu de lá demitido. Mas falou do que está cheio o peito dos brasileiros — não importa aqui se estão contra o governo ou defendendo-o, mas que querem a melhora do País. Nesse sentido, acabou por unir, em seu pequeno discurso sincericida, grande parte dos dois lados em litígio em torno da mesma pauta: a corrupção no Legislativo.
Talvez aí esteja a chave da questão. Ninguém sabe exatamente o que Dilma Rousseff achou da última fala de seu agora ex-ministro Cid Gomes, mas algum naco de regozijo ela teve: Eduardo Cunha é o presente de grego que o PMDB lhe deu, um estorvo disposto a atormentá-la durante seus dois anos na presidência da Câmara. Por mais que haja esforço de alguns em mostrar o contrário — até mesmo por parte da mídia posicionada —, em querer blindar Cunha do que disse Cid, o fato é o foco sobre malversações, sujeiras e corrupção, centralizado no Executivo, voltou-se também para deputados e senadores. A lista de Janot está cheia de motivos para isso.
Economia à parte, a saída para Dilma salvar-se está provavelmente em resistir de forma hábil às pressões pouco republicanas do Congresso. Dizem que no presidencialismo de coalizão praticado no Brasil invariavelmente qualquer um que esteja dando expediente na cadeira principal do Planalto vai acabar tendo de pedir bênção aos senhores parlamentares. Isso acontecer vez ou outra é do jogo, mas o que está na mesa, no momento, é um poder se tornar refém de outro. A briga não declarada, mas instaurada, é entre a turma de Dilma Rousseff e a tropa de Eduardo Cunha. A primeira tem verbas, a segunda tem votos. Uma quer tomar o que a outra possui.
A situação está chegando a um nível insustentável, próximo de se afirmar o tal “ou ele ou eu”. No caso, ou Dilma ou Cunha. Engana-se o segundo que a primeira vá fazer algum esforço de monta para salvá-lo na Operação Lava Jato. Não faz o perfil de Dilma esse tipo de negociação. Se não faz, melhor então que não opte por fazê-la, porque não se faz o que não se sabe. Melhor seria se Dilma tentasse capitalizar agindo agora como está acostumada. Ela pode ser repreendida por vários defeitos, mas tem a virtude de não capitular facilmente. Persistir na luta contra qualquer tipo de achaque talvez seja a única forma de se libertar. Livre, poderá vencer.
O round da semana passada, por exemplo, foi ganho por Dilma. O futuro de seu governo depende de ocorrências que a façam retomar força política — o que, por outro lado, depende também da questão econômica, que vai mal. No mais, as revelações que virão da Operação Lava Jato devem comprometê-la muito menos do que farão com Eduardo Cunha e seus colegas investigados.