Rafael Loyola é diretor executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) e professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). No IIS, Rafael Loyola desenvolve pesquisa e projetos de capacitação para o uso sustentável da terra, em particular a conservação da biodiversidade e adaptação às mudanças climáticas e desenvolvimento socioeconômico dos atores envolvidos nestes processos.

Em entrevista ao Jornal Opção, o cientista repercute as consequências da Conferência das Partes (Cop 27) sobre Mudanças Climáticas, no Egito, que se encerrou nesta sexta-feira, 18. O pesquisador ainda analisa o legado da política climática brasileira dos últimos anos e projeta os principais desafios que o país enfrenta para atingir as metas propostas.

Italo Wolff – Nesta edição da Conferência, o Brasil chegou com algo novo para relatar ou propor em relação à Cop 26 que ocorreu em 2021, em Glasgow?

Rafael Loyola – Não houve mudanças na política ambiental brasileira desde a Cop 26. O que é diferente são as expectativas para a participação do país na resolução dos problemas climáticos com a eleição de Lula (PT) e a perspectiva de participação no governo de figuras como Marina Silva (Rede) e Izabella Teixeira. Os comentários dos participantes e da imprensa internacional são de otimismo e expectativa. 

Em nível mundial, existem alguns fatores novos. Os países começaram a aplicar medidas mais duras para a contenção da emissão de gases de efeito estufa. O setor privado embarcou fortemente na economia da compensação de carbono. Vemos novas iniciativas de recuperação florestal em função da Década da Restauração de Ecossistemas da Organização das Nações Unidas (Onu).

O discurso de Lula foi recebido como um retorno à normalidade da posição brasileira de combate às mudanças climáticas. É possível elencar as principais mudanças que são esperadas na política ambiental do Brasil?

O Brasil sempre teve papel de protagonista nas questões ambientais. Durante o governo Bolsonaro (PL), o país deixou de cumprir o papel diplomático de liderar a busca pela resolução de problemas e adotou uma postura de dissidente. O fato de a Cop 25, que deveria ser realizada no Brasil, ser transferida para Madrid, revela a reivindicação da posição contrária à solução de problemas do país. Esse recuo deixou um vácuo de autoridade climática, e agora esperamos que o Brasil assuma esse papel novamente. 

Lula fez a promessa de chegar ao “desmatamento zero” em todos os biomas brasileiros até 2030. Acredita que isso é possível? Quais são os principais obstáculos para cumprir a meta?

Temos de acreditar. Se você estiver falando de desmatamento ilegal zero, é possível e urgente perseguir essa meta até 2030. É plausível coibir o crime ambiental relativamente rápido, pois os órgãos e ferramentas necessárias já existem por força de lei – é questão de financiar e dar condições para esses atores trabalharem. 

Existem muitos obstáculos; vamos gastar um tempo e esforço correndo atrás do prejuízo dos últimos anos. Isto é, teremos de reconstruir órgãos de fiscalização e monitoramento de desmatamento que foram desmontados; reabilitar o Fundo Amazônia (fundo de captação de doações para investimentos não reembolsáveis em ações de combate ao desmatamento) e recuperar acordos internacionais que não foram cumpridos. 

A Mata Atlântica, uma área anteriormente protegida, voltou a ser desmatada. Isso é sinal de que órgãos de prevenção deixaram de funcionar. Além de fortalecer órgãos e ferramentas de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento ilegal, precisamos criar mecanismos que garantam que a floresta de pé valha mais do que a floresta desmatada. Ou seja, programas que possibilitem a exploração da sustentabilidade economicamente e programas de repasse de recursos para quem preservar biomas nativos.

Agora, se estamos falando de desmatamento legal, esse é difícil de chegar ao marco zero até 2030. O código florestal permite algum desmatamento dentro de determinados critérios. Para acabar com esse desmatamento, a legislação teria de ser modificada, e isso leva vários anos de discussão no Congresso. 

O presidente da Cop 27, Sameh Shoukry, apresentou um esboço de acordo climático para manter o aumento na temperatura média do planeta dentro do limite de 1,5 ºC. Isso é suficiente? O acordo não menciona detalhes ou metas de como isso pode ser atingido. Como poderíamos ter uma ideia mais concreta do que precisa ser feito?

O propósito de convenções com diversas partes é determinar metas e diretrizes gerais – os planos concretos de como o objetivo será perseguido na prática é determinado por cada país internamente, com as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC). A Cop é momento de apresentar resultados, cobrar os pares e corrigir o plano – neste ano, esperamos que o acordo de Paris seja revisto para um objetivo mais ambicioso. 

Na prática, alvo de manter o aquecimento médio do planeta abaixo de 1,5 ºC até 2030 é improvável, pois a temperatura já está 1,1 ºC acima de níveis pré-industriais e ainda temos 8 anos pela frente. É como o orçamento: temos uma determinada quantidade de CO² que podemos emitir para ficar dentro da estimativa de 1,5 ºC, mas estamos gastando rápido demais esse orçamento e precisamos apertar as contas para ficar dentro dos 0,4 ºC que nos sobram. Sinceramente, não acredito que chegaremos em 2030 dentro do aquecimento desejado, mas se chegarmos na data com, digamos, apenas 1,7 ºC acima dos níveis pré-industriais, podemos considerar um ganho. 

A Cop é palco de um grande conflito entre países industrializados, que foram responsáveis pelas mudanças climáticas, e países em desenvolvimento, que têm reservas de petróleo e carvão mas estão sendo pressionados a não utilizá-los. Como o senhor vê esse dilema?

Primeiro, é importante ressaltar que as mudanças climáticas são um problema global que exige soluções conjuntas, mas alguns atores são mais relevantes e podem fazer mais do que outros. É uma responsabilidade compartilhada, mas alguns têm mais deveres do que outros. 

Considero que o argumento de que os países em desenvolvimento precisam usar seus recursos para resolver problemas internos faz sentido, mas não pode se tornar uma desculpa para errar. Países em desenvolvimento não podem replicar o modelo ruim que causou todos esses problemas sob a justificativa “vocês queimaram tudo, agora é nossa vez de queimar”. Seria uma grande injustiça pressionar os mais pobres a permanecer pobres; felizmente esse não é o caso e alternativas estão sendo oferecidas. 

Primeiro, há a transferência de recursos para países que preservam. Como países em desenvolvimento são aqueles com maior cobertura de vegetação nativa, os repasses podem ser bilionários caso os países saibam usar o capital natural a seu favor. Na Cop, Lula cobrou maior contribuição de países desenvolvidos para estes fundos e também para o fundo que repassa verbas para nações atingidas desproporcionalmente por catástrofes climáticas.

Em segundo lugar, crescem as possibilidades de exploração econômica para os países com grande quantidade de ecossistemas naturais. Essas nações podem lucrar com o mercado de créditos carbono, negociando compensações pela emissão de gases em países industrializados. Não acredito que esses países tenham sido abandonados no subdesenvolvimento pelo mundo rico, como às vezes alegam. 

Lula também anunciou a criação de uma Secretaria Executiva de Emergência Climática. Podemos imaginar como um órgão como esse  poderia contribuir? 

Lula e figuras importantes nesta pauta deixaram claro que a agenda climática será transversal. A intenção é que o tema não fique isolado em ministério apenas, mas que a secretaria ligue todas as pastas em articulação para implementar ações de mitigação da mudança climática. A raiz do problema está nos transportes, na agricultura, no desenvolvimento industrial; e a solução também precisa envolver todo o governo. Acredito que, com a criação dessa secretaria, o Brasil sinaliza para o mundo de que vai colocar o combate às mudanças climáticas como prioridade.