As boas influências germânicas na cultura brasileira
26 julho 2014 às 10h27
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Descendência, referências literárias, músicas e tecnologia são algumas palavras que reafirmam união com Goiás
Yago Rodrigues Alvim
Intrigantemente, na Copa do Mundo, o placar 7 a 1 para os alemães sobre os brasileiros, se transformou em torcida dos canarinhos a favor dos alemães contra os argentinos, e não em rancor ou algo assim. Por mais que alguns analisem como “síndrome de Estocolmo”, o carinho pela nacionalidade é antigo. Desde a imigração alemã no sul do país, Brasil e Alemanha têm se unido.
O cônsul honorário da Alemanha em Goiás, William O’Dwyer (também secretário de Indústria e Comércio) confirma o carinho com o que ele considera expressivo número de brasileiros que se casam com alemães em Goiás e Distrito Federal. Nascem muitos descendentes. Estimam-se 500 famílias com raízes germânicas. No Brasil todo, acentuando o Norte e Nordeste, conta William, basta olhar a lista telefônica, apesar do desuso, que se verifica muitos sobrenomes que reforçam essa presença.
Por sua industrialização, respeito aos direitos do cidadão, do próximo, seriedade de costumes, a influência é positiva para o Brasil. “A qualidade de vida, a organização, desde a Justiça até sua logística, por exemplo, são coisas incríveis e é possível, de alguma maneira, transferir esses aspectos para o Brasil. Principalmente, no querer ter essas estruturas aqui”, afirma. O aeroporto de cargas, em Anápolis, tem como referência a logística alemã, tão ressaltada pelo cônsul, por seu reconhecimento mundial.
William nasceu em Ipameri. Seu avô, alemão, veio para Goiás em busca de pedras preciosas. O Estado é o terceiro maior produtor mineral do país, informa. Pelas pedras, muitos alemães vieram e ajudaram as cidades de Cristalina e Goiás a crescerem. “Eles investiram em imóveis, propriedades, construíram a cidade, em 1990”, disse o cônsul, que passou um tempo na Alemanha. Ele também representa a Mercedes-Benz em Goiânia. Sua esposa e filhos são síntese da mistura goiana e alemã: eles nasceram sob a bandeira preta, vermelha e amarela.
Curiosidades
Em 2004, ele leu o primeiro livro de Nietzsche. “Para Além do Bem e do Mal”, ainda que “absurdamente difícil” para um garoto de 13 anos, o surpreendia. Era adolescência e, como diz, o ajudou a manter a autoestima e o valor de si mesmo, em tempo de descoberta. Depois, leituras e leituras: “Assim Falava Zaratustra”, “Ecce Homo” e “Humano, Demasiado Humano”, do mesmo alemão que o fascinou.
Das notas de rodapé, as frases originais e referências o instigaram: ficou curioso sobre a língua alemã. Em banca de revista, o Guia Michaelis o saciou com dicas (quiçá, com mais curiosidades). “O pedido de desculpa por atraso está junto da declaração de pêsames pelo falecimento de alguém”, explica quanto à seriedade do respeito ao tempo do outro. Por isso: “Não atrasar”, quando tiver algum encontro. “Fazer alguém perder tempo é quase fazê-lo desperdiçar parte de sua vida”, diz.
Os alemães gostam de “fazer coisas”. E ia exemplificando com “ir à igreja, sair à noite, passear por lugares agradáveis”, entre outras “coisas”. Por fim, não julgam. Vale o clássico cada um cuida de sua própria vida. Não que se aconselhasse a indiferença, e sim o respeito ao espaço do outro.
Por um tempo, assim caminhou o gosto pela nacionalidade germânica, com a curiosidade e literatura. De Goethe, a preferência pelos ainda alegres primeiros capítulos de “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, depois, o aflito por suas contradições: “Fausto”, seguido por “Egmont” e “Afinidades Eletivas”. Da literatura moderna, “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann.
Ele, ou melhor, Wendel Rosa Borges também é fascinado por fronteiras afora. Seja por esbarrar em livros, músicas ou até mesmo em viagens, amores que aparecem. Na profissão, esbarrou com a influência alemã no Código Civil.
Estudante de pós-graduação, Wendel se formou em Direito. Ainda na faculdade, começou a estudar alemão. “Na tradição europeia, o direito romano teve muita influência. Era o mais bem sistematizado da Antiguidade. Na Idade Média, se perdeu. Com o Renascimento e o Iluminismo, resgataram o bom do direito romano e os alemães foram os que melhor souberam adaptar os princípios e conceitos jurídicos para a modernidade. Escreveram um Código Civil muito bom, por isso os autores alemães têm muita influência no Direito, em todo o mundo”, explica sobre o comum interesse de acadêmicos da área jurídica pela língua. O cônsul William exemplifica a qualidade dos ministros brasileiros do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, que se especializaram na Alemanha.
Pelo Projeto Línguas, aprendeu o básico nas tardes de sábado com Peter Reinacher, que vivia há quase 30 anos no Brasil. Conta sua história: “Ele veio de passagem. Gostou muito da cidade, por ser uma pessoa descontraída. E se apaixonou. Resolveu ficar”. No início – conta Wendel, talvez comum aos outros cursos de línguas – ele imergia no que tinha da Alemanha no Brasil e em Goiânia.
Daimler, Volkswagen, Porsche, BMW, TyssenKrupp, Siemens, Adidas, Puma, Bayer ou, então, schnauzers, pinschers, dachshunds e, ainda, Kant, Marx, Einstein, Max Planck são exemplos esparsos dessa presença.
Os carros são fáceis, certo? Daimler, Volkswagen, Porsche e BMW. Tyssenkrupp é um grupo de tecnologia, com especialização em elevadores. Siemens, fácil: os telefones. Adidas e Pumas no pé. O laboratório farmacêutico Bayer. E schnauzers, pinschers e dachshunds? Schnauzers e pinschers, tudo bem, são os cãezinhos. Os dachshunds também. Conhecidos, aqui, como cofapinhos (aqueles cachorros-salsicha). E os pastores-alemães? O nome original é deutscher schäferhund.
Kant, (nasceu em Königsberg, cidade da Prússia, que até o final da Segunda Guerra Mundial pertencia ao Império Alemão), Marx, Einstein são, em comum, filósofos (de séculos diferentes). Max Planck, físico. Na música, o gosto começou com uma coletânea do Mozart, austríaco, mas de língua alemã. “Eu o ouvia às vezes e se tornou, aos poucos, meu CD predileto. Fui devagarzinho lendo e ouvindo uma coisa e outra. Do que ouvi, gostei mais da sensibilidade complexa do Bach e a paixão genial do Beethoven” conta Wendel.
No meu país
Em julho de 2009, Pedro Henrique Ribeiro viajou para China, com apoio de uma bolsa que ganhou do governo chinês para estudar mandarim, durante um ano. Lá conheceu Oliver Schlösser, que nasceu em Colônia ou, em alemão, Köln. Com ele, conheceu a Alemanha, assim que a bolsa terminou. Foi visita curta, uma semana. No Brasil, cursava Relações Internacionais.
A praticidade é o que ele mais admirou, sem contar a qualidade de vida dos alemães. Frankfurt foi a primeira parada. Seguida por Köln e por sua preferida: Berlin. Ele voltou para o país em 2011, ficando lá por dois meses. Depois, em 2013, mais um mês. “A Alemanha é incrível e muito diferente dos países que eu conhecia, como Brasil, Argentina, China e alguns países asiáticos como Tailândia e Malásia. É o melhor país para se viver”, diz.
Em sua primeira visita, somente o inglês. Diz que discorda do estigma de “frios” dado aos alemães. “São reservados. Não me trataram mal, nem foram grosseiros.” Depois, na aprendizagem da língua, a dificuldade com a gramática. “Eu achei mais difícil que chinês. No chinês, são difíceis os tons, mas não tem gramática. Você ouve. Já o francês tem a pronúncia, que se assemelha ao inglês e português, em que em alguns casos não se lê como se escreve. No alemão, não. Qualquer um consegue ler”, compara Pedro.
Já na segunda visita, fez um curso intensivo da língua. Nas tardes, tentava se comunicar em lojas, pelas ruas. Passeou por 20 cidades. O olhar estrangeiro o adjetivava como “alegre”, “comunicativo”. O que não é mentira, ainda que existam pessoas muito mais extrovertidas que Pedro. “Eles me enxergavam assim. O estrangeiro da América Latina”, brinca.
Das cidades alemãs, destaca a segurança, pois não sentia medo de caminhar pelas ruas, em qualquer horário. O cuidado com a cidade, também, que ele diz ser muito limpa. No frio, as pessoas não saem de casa. As noites chegam mais cedo, as pessoas ficam mais depressivas e os corvos, em árvores desfolhadas, dão um ar mais assustador ao inverno.
No Brasil, Oliver se surpreendeu ao conhecer os bons locais de Goiânia e Brasília. Para os amigos alemães que conheceram o Brasil, a amizade é valorizada, assim como a hospitalidade. Porém, acham os brasileiros desonestos, nas relações financeira e sentimental, à vida. Já Oliver, gostou mais das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Moraria em Ipanema, que ele compara à Alemanha no aspecto de praticidade.
Por fim, lembra: a comida típica alemã é o wurst. O salsichão, que pode ser encontrado na Natur Bier, restaurante em Goiânia do descendente alemão Milton Jochims, que veio do Rio Grande do Sul. Obediente aos princípios da Lei da Pureza, ele também produz o “verdadeiro pão líquido, pois não dá ressaca e nem barriga”. A amarga cerveja alemã, que também estava em todas as casas que Pedro visitou. Lá, é paixão nacional!