Como não foi definido pelo Congresso em 2017, limite que o candidato pode gastar durante o período eleitoral gera divergência e dificilmente ficará como está

Recém-empossado presidente do TSE, ministro Luiz Fux publica resolução polêmica sobre autofinanciamento de campanha. STF, da ministra Cármen Lúcia, deverá entrar na decisão
Augusto Diniz
Desde 2015, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com a possibilidade de que empresas e pessoas jurídicas fizessem doações a candidatos, partidos e coligações durante as eleições, a Justiça Eleitoral e o Congresso Nacional passaram a buscar um novo financiamento das campanhas. O objetivo dos diversos agentes públicos é que ao menos tente se encontrar um caminho para tornar a disputa mais igual entre os postulantes a cargos eletivos a cada dois anos. O primeiro grande teste será o pleito nacional e estadual em outubro deste ano.
As eleições de 2016, nas quais concorreram candidatos aos cargos de vereador, vice-prefeito e prefeito, foram a primeira amostra da dificuldade de captar recursos com o fim da doação privada às campanhas. Por isso, deputados federais e senadores acenderam o sinal de alerta e buscaram um novo modelo para contornar a queda na arrecadação para divulgar suas propostas e nomes durante o período eleitoral já de olho em 2018.
Foi então que surgiu o modelo de financiamento público, que deu origem a um fundo especial de campanha. Caixa esse que pode gerar cerca de R$ 1,7 bilhão disponibilizado aos partidos, mas sem determinar a regra de distribuição dos valores que devem ser repassados dos diretórios nacionais às siglas nos estados e municípios. Tudo ficou a cargo das legendas definirem, cada uma à sua necessidade e vontade, como se dará essa partilha do bolo da verba federal inédita destinada às candidaturas.
No meio da reforma eleitoral aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB), uma norma foi vetada pelo chefe do Executivo nacional sem qualquer contestação dos parlamentares na Câmara dos Deputados e no Senado: o limite do autofinanciamento da campanha pelo candidato em 10% dos rendimentos referentes ao ano anterior às eleições. A regra, que seguiria o que já é adotado para as doações de pessoas físicas, que é de 10% do que foi declarado no imposto de renda, ficou nas mãos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E, depois de algumas audiências, o TSE definiu que os candidatos podem bancar integralmente seus gastos de campanha desde que obedeçam aos limites estabelecidos para o teto de despesas para cada cargo em disputa.
Se for um candidato a presidente da República, sua campanha pode gastar até R$ 70 milhões, que podem ser bancados integralmente por ele. No caso de haver segundo turno, esse postulante ao cargo poderá colocar até R$ 35 milhões na disputa. Caso o concorrente seja um governadoriável, a conta pode bater na casa dos R$ 2,8 milhões a até R$ 21 milhões, de acordo com regras de quantidade de eleitores por estado definidas pelo TSE na resolução publicada em fevereiro. Os limites para senador vão de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões pela mesma norma, teto de R$ 2,5 milhões para deputado federal e R$ 1 milhão no caso de candidatos a deputados estaduais ou distritais.
O assunto é tão controverso que o relator da regra do autofinanciamento no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, deve apresentar parecer contrário ao entendimento do TSE. Com isso, o STF terá até 15 de agosto para analisar o caso e a Corte, que é favorável da limitação em 10% dos rendimentos, dar um parecer definitivo para esse ponto. Ao menos para as eleições de 2018. Mas, antes disso, há a possibilidade de o TSE voltar atrás, já que tem até 5 de março para publicar as regras que valerão para o pleito deste ano.
Regra dos 10%
Presidente do PSD em Goiás, o ex-deputado federal Vilmar Rocha, que pretende disputar uma das vagas de senador, diz acreditar que o correto seria adotar a mesma regra dos 10% limitadores das doações de pessoas físicas. “Se uma pessoa com rendimento anual de R$ 50 milhões puder colocar 10% em sua própria campanha, ela já terá R$ 5 milhões para gastar com a sua candidatura, o que é muito dinheiro”, observa.
O pessedista afirma que, como a resolução do TSE ainda não é definitiva, há a possibilidade de ela ser modificada. “O correto seria que o candidato pudesse contribuir para sua campanha na mesma proporção que o cidadão é autorizado a doar para qualquer candidato”, declara Vilmar Rocha.
Do lado da oposição ao governo estadual, o entendimento da presidente estadual do PT é bem parecido com o do chefe do diretório goiano do PSD. A professora Kátia Maria dos Santos diz que a reforma aprovada pelo Congresso não é bem aquela defendida pelo Partido dos Trabalhadores, mas que ela traz avanços à legislação eleitoral. “A eleição precisa ser pautada em propostas, não em poder econômico”, critica a presidente petista a liberação do autofinanciamento até o limite de gastos de toda a campanha.
Kátia destaca que a instituição do financiamento público é um passo para aperfeiçoar aos poucos a busca pela igualdade na disputa e garantir que candidatos e partidos tenham as mesmas condições de participarem das eleições. Para a presidente estadual do PT, há pontos que ainda precisam ser aprimorados. E um deles é definir um teto das campanhas que seja mais justo e que dê condições que todos os concorrentes possam buscar recursos da mesma forma.
“A nova regra do TSE abre uma brecha para que surja um oligopólio na política brasileira por parte dos grandes partidos, empresários, igrejas, tráfico de drogas e jogo do bicho.” A análise preocupada do cientista político Malco Camargos, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-GO), continua com a hipótese de que candidatos ligados a movimentos sociais, minorias representativas e com menor poder financeiro sejam excluídos da possibilidade de se eleger.
A permissão para que candidatos que tenham melhores condições financeiras possam bancar a totalidade de suas campanhas tende a tornar a eleição mais desigual e injusta ao colocar o destino político das esferas públicas a mercê de quem controla o poder econômico, segundo Camargos. “E o financiamento público não é feito de forma equânime. As regras de distribuição ficam a cargo dos partidos.” O cientísta político afirma que a solução passaria por criar um teto nominal. “O ideal seria que todos pudessem doar o mesmo tanto durante as eleições”, explica.
Modelo justo
Na contramão das críticas, o advogado eleitoral Dyogo Crosara afirma que o financiamento virá de algum lugar. E que por isso mesmo defende que saia do bolso de quem que quiser – se tiver condições para assim fazer – bancar a própria campanha. “O autofinanciamento não vai criar uma categoria privilegiada na política. Já há os evangélicos, como também existem os que têm exposição na mídia, e que se beneficiam disso de alguma forma.”
Crosara é contrário à ideia de limitar em 10% do rendimento os gastos do candidato com sua própria campanha. Para o advogado eleitoral, o financiamento público pode garantir que o autofinanciamento não se torne um fator determinante no sucesso eleitoral de determinados candidatos. “Já vi muita campanha milionária autofinanciada fracassar e não trazer o resultado eleitoral que se esperava”, observa. Ele lembra que a resolução do TSE sobre o assunto já é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e não está definida da forma como foi apresentada até o momento.
“Se a pessoa tem dinheiro e é bem sucedida, por que ela não irá autofinanciar sua campanha? Ela não vai querer enriquecer em um cargo público. Essa matemática não é correta nem necessariamente exata.” De acordo com Crosara, não é possível definir que só os que têm dinheiro serão eleitos. E afirma que é positivo que grandes empresários sejam candidatos. “Isso pode acontecer de haver um incentivo para que essas pessoas disputem as eleições. E é salutar que o interesse corporativo tenha seus representantes assim como todas as outras categorias.”
Crosara cita que por muito tempo acreditou-se que determinados políticos pareciam não levavam vantagem com o financiamento privado de campanha, mas acabou por se comprovar que eles estavam se beneficiando ilegalmente do dinheiro público.
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