Mario Louzã, psiquiatra e doutor em Medicina: “O CVV tem um trabalho muito importe e sério. É um canal aberto para alguém com tipo de sofrimento e pensamento de se matar”

*Matéria originalmente publicada em 2018

O psiquiatra Mario Louzã, doutor em Medicina pela Universidade de Würzburg na Alemanha e membro do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, falou com exclusivamente ao Jornal Opção sobre as expectativas da campanha Setembro Amarelo no Brasil em termos de redução dos índices de suicídio, as causas de morte voluntária frequente entre jovens e a polêmica ética em cima do suicídio assistido a pacientes em estágio terminal de vida.

O que desencadeou esse índice tão alto de suicídio?
Os índices vêm aumentando, mas é muito difícil dizer qual é o fator que está causando este aumento. O suicídio é um fenômeno final, o último passo de uma sequência de fenômenos que começam na ideia de morrer e depois no planejamento para consumar o suicídio. Ele decorre sempre de múltiplos fatores biológicos, psicológicos, emocionais e culturais. Todos eles estão entrelaçados e tem pesos diferentes para diferentes pessoas.

O tema ainda é tabu na sociedade?
O tema ainda é alvo de preconceito e estigma. As pessoas não se sentem confortáveis para falar, talvez por falta de conhecimento e a falsa ideia de que suicídio ocorre muito pouco. As pessoas têm dificuldade de lidar com a situação quando se deparam com outras pessoas em caminho de suicídio. A situação, para a maioria das pessoas, leva ao retraimento — ao invés de se conversar com alguém que está em risco. Justamente com o diálogo pode-se conseguir evitar um suicídio.

A campanha Setembro Amarelo tem obtido sucesso de 2015 até hoje no debate?
O Setembro Amarelo é uma chance de se falar mais abertamente sobre o assunto e aos poucos tem se dado es­paço para conversar com a sociedade. Ainda temos que estudar para fa­zer uma análise, ao longo de mais anos, para verificar redução na taxa de sui­cídio. Mas é um primeiro passo para fazer um alerta para a população em geral.

Como avalia o trabalho do Centro de Valorização da Vida?
O CVV tem um trabalho muito importe e sério. É um canal aberto para alguém com tipo de sofrimento e pensamento de se matar. É uma oportunidade de encontrar alguém no outro lado da linha telefônica que ajudar a outra pessoa a não tirar a própria vida.

Como convencer pessoas que querem tirar a vida devido a alguma doença em estágio terminal; como câncer, por exemplo? Em alguns países europeus existe a morte assistida por uma equipe médica.
Se a pessoa está num estado terminal e não tem mais esperança de vida, se pode ou não praticar suicídio assistido — é uma questão polêmica e envolve uma série de questões éticas. Isto vem se modificando ao longo do tempo e hoje o paciente nesta situação dialoga com o médico se pode ou não vir a praticar algo neste sentido. No Brasil é proibido. A única coisa que existe é uma pessoa deixar um testamento no qual avisa que não quer ser mantida artificialmente por entubação e respirador artificial em estágio final de vida e permitir que aconteça a prática sem que haja problemas para o médico.

Por que o índice de suicídio é tão alto entre pré-adolescentes (10 a 14 anos) e jovens (15 a 29 anos)? Eles estão começando a vida e, teoricamente, não têm tantos problemas e obrigações financeiras como os adultos.
A adolescência é uma faixa de idade na qual a pessoa sofre uma série de transformações físicas e biológicas que fazem com que seja, por si só, turbulenta. Nos últimos tempos, os adolescentes são muito cobrados e pressionados para enfrentar as escolas e o vestibular. Em algumas escolas, passar de ano é muito puxado. Há também as pressões das redes sociais, nas quais se cobra que tudo tem de estar sempre ótimo. Há uma exigência e a pressão é grande demais para aquilo que um adolescente e um adulto jovem possam suportar.

A saúde financeira é um motivador para o suicídio?
Em geral, a saúde financeira não chega a ser um fator motivador ao suicídio. A pessoa se vê depressiva por estar desempregada ou não conseguir manter as pessoas que estão sob os cuidados dela, uma família, no caso. Tem certo peso, mas não é o principal.

Qual o papel da depressão no caminho ao suicídio? Como evitar que a depressão resulte em suicídio?
Os quadros depressivos são, provavelmente, o maior risco de suicídio. Existem outras doenças mentais que levam à morte voluntária, mas a depressão é a mais comum. Quando um quadro depressivo é muito grave, com uma intensidade muito grande e há tristeza intensa — falta de prazer na vida e desesperança —, tudo isso leva a ideia de a pessoa querer morrer. O que fazer neste quadro é tratar antes que a situação se agrave — antes de chegar a um risco de suicídio elevado. O ideal é procurar um psiquiatra para prescrever a medicação necessária para tratar a depressão.

Há quem fale numa “ditadura da felicidade” como motor do suicídio. Como avalia essa ditadura? Como surgiu, alguma corrente filosófica a impôs na sociedade? Do tipo “tem que ser magro” para ser feliz, “tem de ser rico para ser feliz”.
Não sei se chegaria ao extremo de chamar de “ditadura da felicidade” e também não seria um motor sozinho para levar ao suicídio. É muito mais um conjunto de fatores. Talvez essa questão de estar sempre feliz na rede social e postar sempre fotos bonitas levem uma pessoa já num quadro depressivo a se sentir mais culpada por não conseguir satisfazer essa demanda social. Tem que lembrar que existem outros fatores biológicos e psicológicos que levam a morte voluntária em si.

Cerca de 800 mil pessoas se matam todo ano no mundo

Em todo o mundo, estima-se que 800 mil pessoas se suicidam anualmente, uma a cada 40 segundos, o que equivale a 1,4% dos óbitos totais. Cerca de 80% ocorrem em países de renda média e baixa. Segundo a Organização Mundial da Saúde, apenas 28 países possuem estratégia nacional de combate à morte voluntária. A média global é de 10,7 por 100 mil habitantes, sendo 15/100 mil entre homens e oito entre as mulheres.

A região que apresenta os índices mais altos é a Europa (14,1), seguida pelo Sudeste Asiático, com 12,9 suicídios por 100 mil. Quando se avalia a taxa dos países africanos, que é de 8,8 a cada 100 mil, ou das Américas, 9,5 por 100 mil, fica evidente que há distorções associadas à subnotificação.

Outro aspecto observado é a relação entre a morte voluntária e gênero. À primeira vista, os homens são os mais afetados pelo suicídio. Embora o índice masculino global seja em torno de duas vezes maior, chegando ao triplo em países desenvolvidos, as mulheres tentam em maior quantidade, mas os métodos utilizados pelos homens são mais letais (armas de fogo e enforcamento), o que impacta diretamente os números. Estima-se que pessoas do sexo feminino tentem se matar duas vezes mais que os homens. Portanto, é preciso cautela ao tratar desse tipo de informação.

Os dados mundiais da OMS mostram que 47,9% dos países possuem taxa de suicídio masculino igual ou acima de 15/100 mil, estando 19,5% entre 10 e 14,9/100 mil. Já em relação às mulheres, 46,9% dos países registram índices abaixo de 5/100 mil e 40,7% entre 5 e 9,9/100 mil.

A diretora do grupo Saúde (Mulheres do Brasil) Sônia Braga diz que “a depressão pode chegar a um nível de inércia na pessoa ao ponto de não se aguentar e a porta de saída é a morte. A depressão é uma doença mundial, que independe de classe social. Segundo a OMS, dá pra prevenir a maioria das mortes se tiver oferta de ajuda”.

https://www.jornalopcao.com.br/reportagens/agir-contra-a-ditadura-da-felicidade-pode-reduzir-numero-de-suicidios-138623/