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Nesta semana, entrevista concedida pelo ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles (UB) à Rádio CBN abalou a confiança de economistas para a economia brasileira em 2023. Meirelles afirmou que o rombo fiscal deixado pelo governo Bolsonaro (PL) será três vezes maior do que o anunciado pelo relator-geral do Orçamento de 2023 da União, senador Marcelo Castro (MDB/PI), se aproximando da cifra de R$ 400 bilhões.

O déficit vem de benefícios sociais concedidos de forma ilegal durante a campanha eleitoral, do gasto irresponsável do Congresso nacional via “orçamento secreto” (emendas do relator, RP9) e da violação do teto de gastos. “Na minha avaliação, o tamanho do buraco deixado é mais próximo de R$ 400 bilhões, estimado por entidades independentes, do que dos R$ 150 bi que o governo está falando”, falou Meirelles.

O ex-ministro de Michel Temer defendeu medidas excepcionais para possibilitar o pagamento de promessas de campanha, como a manutenção do Auxílio Brasil no valor de R$ 600. O caráter excepcional e provisório não representaria uma nova desmoralização do teto de gastos. “O que está desmoralizado é a presente política fiscal que não seguiu o teto de gastos, por isso nós temos um risco Brasil elevado”, completou. 

A notícia, entretanto, vem acompanhada de sinais mais promissores. O início dos trabalhos de transição para o governo eleito e o otimismo na economia chinesa fizeram o mercado financeiro ter mais um dia de alívio. O dólar caiu para o menor valor em mais de dois meses. A bolsa de valores subiu pela terceira vez desde segunda-feira, 31, e fechou a semana com alta de mais de 3%. Economistas ainda ressaltaram que a saúde e lucratividade das estatais brasileiras estão melhores do que nunca, o que pode oferecer margem para investimentos para o Governo Federal.

Rombo

O fator “imprevisto” da dívida vem do fato de que os gastos se deram por emendas constitucionais desenhadas para que as transferências de recursos federais não fossem contabilizadas como investimentos diretos. O exemplo mais claro é o da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 123/22, chamada de “PEC Kamikaze” ou “PEC das Bondades”. Aprovada de forma a contornar o teto de gastos, esta lei permitiu o investimento de R$ 46 bilhões em benefícios sociais em 2022 associados à repartição da cessão onerosa do pré-sal. 

“Na minha avaliação, o tamanho do buraco deixado é mais próximo de R$ 400 bilhões, estimado por entidades independentes, do que dos R$ 150 bi que o governo está falando”, afirmou Meirelles | Foto: Reprodução

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assume em 1º de janeiro com promessas de valorização dos salários, geração de empregos, renegociação de dívidas e suporte a políticas sociais. Seu desafio será estruturar os programas em uma economia com pouco espaço para gastos não obrigatórios – levantamento do G1 calculou custo de 175 bilhões para pôr as promessas de campanha em prática. 

Outro obstáculo são as emendas do relator. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) O governo federal prevê reservar um montante de R$ 19,3 bilhões para 2023. O relator-geral do Orçamento se reuniu com a equipe de transição do novo governo para tratar do tema e afirmou que outros pontos prioritários ainda precisam ser incluídos no orçamento, como recursos para a Farmácia Popular, para o Auxílio Brasil, reajuste para os servidores públicos, o reajuste para a merenda escolar, que permanece o mesmo valor desde 2017, e a correção da tabela do Imposto de Renda (IR) para ampliar a faixa de isenção a R$ 5 mil mensais.

Velha saída fechada

A porção do orçamento reservado para investimentos do governo Federal passou de  R$178 bilhões em 2014 para apenas R$23 bilhões em 2023; enquanto as emendas do relator passaram de R$0,3 bilhão para R$19 bilhões no mesmo período. Desta forma, é natural esperar investimentos venham do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e de bancos públicos, como já ocorreu nas gestões dos governos de Lula e Dilma de 2002 a 2014.

Entretanto, este movimento não é mais possível sem que se altere regras instituídas principalmente no governo de Michel Temer (MDB). Na gestão petista, o chamado “crédito direcionado” cresceu rapidamente, capitaneado pelo BNDES, que recebeu 14% do PIB entre 2008 e 2014. Mas política de empréstimos do Tesouro ao banco a juros baixos foi alterada por Michel Temer (MDB). Como resultado, o Banco foi estimulado a cortar ativos para quitar as dívidas com o Tesouro – o BNDES já devolveu ao Tesouro R$375 bilhões do total de R$440 bilhões emprestados. 

Incentivado a funcionar menos como financiador de desenvolvimento e mais como um banco de mercado, o lucro do BNDES, que era de R$6,2 bilhões em 2015, foi de R$34 bilhões em 2021. O mesmo ocorreu com a Caixa Econômica Federal, que deixou de receber Híbridos de Capital e Dívida (IHCD) do Tesouro para aumentar o potencial de crédito e passou a buscar rentabilidade.

Foto: Reprodução

Segundo economista e funcionário do próprio BNDES ouvido em entrevista, o volume de crédito reduziu e o banco se desassociou de grandes empresas como Vale, JBS e outras. Como resultado, o mercado foi ocupado por crédito privado. O cenário pode mudar, mas na opinião do economista, é improvável que o governo aumente o crédito dos bancos públicos por meio de endividamento em um cenário de déficit econômico. 

Outro complicador é o fato de que o Fundo Monetário Internacional (FMI) espera que o Brasil cresça menos do que a média global no próximo ano. A atualização do relatório de monitoramento da economia elevou a expectativa de crescimento para o PIB em 1,1 ponto percentual em relação à edição de julho do World Economic Outlook (WEO). Para 2023, a projeção é de crescimento de 1%, uma diminuição de 0,1 ponto contra sua projeção anterior. Mesmo com resultados melhores, a economia do Brasil fica atrás da média global e regional de crescimento.

Sergio Duarte de Castro é pós-doutor em Ciência Econômica pela Università Degli Studi de Roma Tre e professor titular da Pontificia Universidade Católica de Goiás (PUC-Go). O economista afirma: “Pelo lado mais otimista, há o fato de que a China, que até hoje mantinha rígido controle da pandemia, começa a funcionar a pleno vapor novamente. Como este país é o maior demandante das commodities brasileiras, a expectativa de mais de 5% de crescimento Chinês pode aumentar o valor da nossa produção agrícola e mineral.”

O índice Ibovespa, da B3, fechou aos 118.145 pontos, com alta de 1,08% na última segunda-feira, 31. O indicador foi puxado por ações de mineradoras e siderúrgicas, que subiram fortemente após a publicação de uma notícia de que a China pretende reverter suspensões de voos no início de 2023 e flexibilizar as restrições contra a covid-19. O Ibovespa subiu 3,16% na semana pós-eleição.

“Obviamente não será um ano excelente, mas com políticas adequadas, pode ser melhor do que o que está se prevendo agora e pode ser um ano que nos prepare para plena recuperação a partir de 2024”, diz Sérgio Duarte. “A estabilização do clima político em si é uma oportunidade. A instabilidade política afasta investimentos desde 2014. Espero que, com as eleições, a legitimação de um presidente acabe com esse clima de radicalidade que vem se refletindo na economia.”

O mercado espera arrefecimento advindo do fim dos estímulos temporários adotados pelo governo Bolsonaro para bombar a economia antes das eleições – e que não foram suficientes para evitar a derrota do presidente contra Lula nas urnas. A expectativa é de que o ano seja de “arrumar a casa” com reformas estruturais como a tributária.