“Produzir cultura em Goiânia não é fácil”, é o que diz o produtor cultural Pompílio Machado. Artistas reclamam da fiscalização, burocracia, desvalorização e ineficiência da legislação. Do outro lado, prefeitura concorda com atualização da lei e diz que irá liberar 12.6 milhões nos próximos dias para a cultura na capital. A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública, na última quarta-feira, 23, para discutir a necessidade de atualizações na Lei de Direito Autoral. Quem levou o debate ao Congresso foi a deputada Lídice da Mata (PSB-BA).

A parlamentar é relatora do Projeto de Lei 5542/20, que garante pagamento de direitos autorais a músicos acompanhantes e arranjadores. “A legislação de 1998 é incipiente desde o princípio. Ela não determina o registro dos músicos e arranjadores de uma determinada gravação musical nos cadastros internacionais, impossibilitando o pagamento dos direitos a esses artistas”, explicou o produtor, diretor e compositor, Fred Le Blue.

A legislação, criada em 1988, regula os direitos autorais de obras culturais, sejam elas  literárias, artísticas ou científicas. Os meios de reprodução de som, imagem e texto em geral e o avanço da internet banalizaram o acesso aos bens culturais e artísticos. Com o avanço cada vez mais crescente da tecnologia, os sites de troca de áudio e vídeo pulverizaram a propriedade de discos e filmes e tornaram obsoletos as formas de controle convencionais de direitos autorais.

Para o secretário Muncipal de Cultura, Zander Fábio Alves da Costa, a Comissão de Cultura da Câmara de Goiânia ainda é “tímida” e deveria ser um comitê permanente. Atualmente, os assuntos são discutidos na Comissão de Educação e Cultura, Ciência e Tecnologia (CECCT), presidida por Aava Santiago (PSDB). Zander explica que é necessário um desmembramento da cultura da educação para que temas culturais avancem no município.

Questionado pelo Jornal Opção sobre a necessidade de atualização, concordou. “Eu acho que as leis sempre precisam estar evoluindo, porque os canais que as pessoas passam a ter acesso ao que gera os direitos autorais, eles vão só se ampliando. Eu acho que a lei precisa sim melhorar, e precisa de novos adendos, porque após ser feita, o mundo se modernizou, globalizou. Hoje nós temos ferramentas que naquela época a gente não tinha”.

O Projeto de Lei 5542/20 torna obrigatório o cadastramento de músicos acompanhantes e de arranjadores no Código Internacional Padrão para Gravações (ISRC, na sigla em inglês). O ISRC é usado pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) para identificar os profissionais que têm direito a receber rendimentos em caso de execução da obra. O projeto altera a Lei de Direitos Autorais e tramita na Câmara dos Deputados.

Fred Le Blue é goiano, nascido na capital, e começou a compor com 13 anos, quando iniciou as aulas de bateria. O músico, produtor e compositor tocou em bandas como Acid Jam, 062, Nascoxa e Pai do Mato, saindo para atuar na produção cultural. Em  2021, lançou o filme de ópera-rock “LUA & ANA:

Além de compositor, Fred Le Blue também atua na produção cultural de documentários independentes com temática urbana e política. | Foto: Arquivo pessoal

Ele conta que os valores recebidos com direitos autorais no Brasil representam uma média pouco fundamentada, por amostragem, dos fonogramas (gravação da obra) e músicas reproduzidos em escala nacional, tanto nos meios físicos quanto digitais. Para muitos representantes da classe artística, os critérios para o repasse do dinheiro arrecadado com o Ecad não é tão transparente, considerando que o órgão não divulga a lista dos artistas que mais receberam repasses, por exemplo.

“Os sete gigantões (Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socimpro e UBC) que comandam o Ecad, por escolherem seu presidente, deveriam se restringir a sua atuação como associação consultiva e reivindicatória, deixando os compositores e músicas votarem diretamente também, o que iria permitir maior sintonia entre as demandas da classe com a gestão, que acaba atuando com corporativismo, em defesa mais das suas associações, que estão cada vez mais ricas”, pontuou Fred.

O presidente da Associação Brasileira de Direito Autoral estima que existam no Brasil mais de 400 mil titulares de direitos autorais e cerca de 600 mil usuários de música. Por displicência ou desinformação, milhares de músicos não recebem pelos direitos autorais e nem constam no IRSC. A legislação atual não determina o registro dos músicos e arranjadores de uma determinada gravação musical nos cadastros internacionais, impossibilitando o pagamento dos direitos a esses artistas.

O secretário Zander Fábio, que também é músico e cantor sertanejo, concorda. Para ele, o Ecad é uma ferramenta que também precisa se aperfeiçoar e, assim como a lei de direito autoral, é uma legislação antiga.”É uma instituição que tem que ter também uma transparência, como os outros órgãos têm. O mais importante seria fazer com que aquilo que se é arrecadado fosse revestido para quem é de direito”, completou.

Zander assumiu a Secretaria Municipal de Cultura (Secult), no ano de 2021, em meio à crise do setor artístico. A cultura lidava com equipamentos públicos fechados há mais de anos, como no Museu de Arte de Goiânia (MAG) e na antiga Estação Ferroviária, e projetos paralisados, como o Chorinho e o Sons de Mercado. Cerca de dois anos depois, a reinauguração do Centro Cultural Martim Cererê marcou a retomada da cena cultural goianiense.

Reinauguração do Centro Cultural Martim Cererê, em Goiânia. | Foto: Secult Goiás

Por que produzir cultura em Goiânia não é fácil

Pompilio Machado, natural de Ilhéus (BA), teve suas primeiras experiências musicais por volta dos 10 anos, tocando guitarra no meio evangélico. Em 2014, já morando em Goiânia, decidiu viver completamente de música. Tocou nos grupos Angoleiros do Samba, Voz de Mucambo e FICA no Samba e depois foi convidado a compor o Conjunto Samba Matuto.

Para ele, há uma dificuldade muito grande em conseguir recursos das leis de incentivo e chegar, de fato, a executar uma proposta. “É um caminho difícil, mas a questão é que no começo nem sempre temos o privilégio de conhecer algum profissional da área que vá se interesse por seus projetos e tope fazer parcerias. Então, no começo é “nós por nós” pra maioria dos manos e manas colegas da música, inclusive eu toco em 90% dos projetos que eu encabeço ou colaboro”.

A lei Aldir Blanc desempenhou um papel importante de ajuda emergencial para artistas, coletivos e empresas que atuam no setor cultural e atravessam dificuldades financeiras durante a pandemia. Durante esse período, a prefeitura lançou editais de chamamento público aos artistas. Por meio da Lei de Incentivo à Cultura, profissionais e grupos de diversas áreas da arte têm conseguido capital para se desenvolver e realizar filmes, projetos musicais, peças teatrais e todos os tipos de manifestações culturais. No último chamamento público, com resultado em junho, 146 projetos foram aprovados.

Para a maioria dos artistas, que tem na música sua única fonte de renda, o pagamento dos direitos autorais é fundamental. Leis de incentivo, e principalmente, a atualização destas leis se mostra como um caminho de avanço a ser percorrido no país. Além da escassez de recursos e obsolescência da legislação, alguns artistas goianos ainda têm de lidar com uma fiscalização exacerbada. Pompilio, que é produtor e compositor, costuma tocar na Roda de Samba do Breguellas, Samba do Tô Bar, Bar Guetto, entre outros bares da capital.

“O nome do maior problema q produtores culturais vem enfrentando hoje em Goiânia chama-se AMMA (Agência Municipal do Meio Ambiente). Esse órgão está há anos atuando como inimigo da cultura popular na cidade. A AMMA aplica multa de forma seletiva nos eventos. Enquanto a pecuária e os shows do Oscar Niemeyer ultrapassam o limite de horário e decibéis, a Roda de Samba do Breguellas já sofreu com várias multas, mesmo estando num sábado às 20:30 da noite”.

O compositor baiano considera essa uma questão urgente para que muitos espaços de cultura popular e de extrema importância para a diversidade cultural da cidade continuem vivendo.