Análise dos primeiros exemplares comprovam: Jornal Opção é um veículo à frente de seu tempo
07 novembro 2015 às 14h09
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Questões atuais como metrô, sustentabilidade, gestão pública e urbanismo foram discutidas pelo semanário ainda em 1975
Frederico Vitor
Domingo, 21 de dezembro de 1975. Este dia entrou para a história da comunicação em Goiás como a data em que foi publicada a primeira edição do Jornal Opção, um veículo “para quem decide”, sugeria seu lema. Como manchete, um assunto que, se fosse abordado em 2015, sem sombras de dúvidas estaria tão atual que renderia um acalorado debate junto à sociedade goianiense: os gargalos do transporte coletivo da capital e a solução encontrada na época de implantação da Avenida Anhanguera, um eixo de transporte de massa, referido pela publicação como um “pré-metrô.”
No editorial da edição de número 1, o leitor que se deparava com aquela agradabilíssima novidade logo de cara, tomaria consciência do que propunha o jornal, isto é, um tipo de imprensa que reportaria não apenas a notícia, mas a análise dela — não o problema simplesmente, mas o debate das possibilidades e as formas de solução. Um jornal guiado pelo estímulo da reflexão e do debate, com objetivo de abrir novas perspectivas para o fluxo das ideias e o encontro de saídas. Assim nascia o Jornal Opção, tendo como diretor o jornalista Herbert Morais Ribeiro.
Como matéria de capa daquela edição histórica uma reportagem analítica do que viria a ser o Eixo Anhanguera. Naquele ano, em pleno regime militar, o Estado era governado pelo ex-prefeito de Anápolis Irapuan Costa Júnior (então no Arena), que substituiu Leonino Caiado no Palácio das Esmeraldas. Tanto o governo estadual quanto a Prefeitura de Goiânia haviam escalado o urbanista Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, para elaborar o projeto de transporte de massa ao longo da Avenida Anhanguera. No final de 1975, a capital abrigava cerca de 560 mil habitantes e já enfrentava problemas na área de mobilidade urbana, um imbróglio que perdura até os dias atuais.
Batizado de Sistema Integrado de Transporte de Goiânia, a implantação do Eixo Anhanguera teve tanta importância para a época que a cerimônia de lançamento do projeto contou com a presença do presidente da República, à época o general Ernesto Geisel — amigo de Irapuan e Lerner. Um mês depois da inauguração, o novo modal de transporte coletivo logo levantou dúvidas e foi alvo de críticas de especialistas quanto à sua funcionalidade. Propondo-se a ser porta-voz das discussões, o Jornal Opção se incumbiu de servir de veículo para o debate de grande interesse da sociedade.
Os críticos da ideia da implantação de um corredor de transporte coletivo sobre a Avenida Anhanguera, o que formaria um eixo Leste-Oeste, defendiam que aquele modelo não contemplaria os moradores residentes das áreas Norte e Sul da capital, ou seja, locais de grande demanda de transporte de massa. Mais: o eixo suscitaria uma forte especulação imobiliária ao longo da mais extensa Avenida de Goiânia, fato este que se tornou realidade, dado o grande número de edifícios erguidos ao longo do trecho central da via.
Jaime Lerner tinha esta intenção. O arquiteto que, naquela época tinha sido prefeito de Curitiba e, anos mais tarde governaria o Paraná por dois mandatos, pretendia para Goiânia o mesmo que ele realizou na capital paranaense. Na edição de número 6 do Jornal Opção, publicado em 18 de janeiro de 1976, o veículo suscitava este debate, cuja a manchete “Jaime Lerner. A cidade pode confiar?”, com o rosto do urbanista estampado na capa.
Debate sobre melhor modelo de transporte de massa foi pautado pelo Jornal Opção
A reportagem lançou ao público todos os detalhes do projeto do arquiteto paranaense para Goiânia, incluindo tanto as implicações técnicas quanta as políticas. Os planos de Lerner foram idênticos aos de Curitiba, ou seja, o estabelecimento de um eixo ao longo de uma ampla via de duas pistas que, no caso da capital goiana, estaria implantada na Avenida Anhanguera. O plano consistia no incentivo ao crescimento linear da cidade transformando a zona central em um núcleo de grande adensamento. O setor Central, nas imediações da Avenidas Anhanguera, Araguaia e Praça Cívica, se tornaria um espaço de convívio da população e de prestação de serviços, como comércios, hotéis, clínicas, escritórios e repartições públicas.
Por ter bancado Lerner como assessor do governo estadual e da Prefeitura de Goiânia na busca de uma solução para o transporte público da capital, o governador Irapuan Costa Júnior recebeu várias críticas, inclusive de engenheiros e arquitetos locais. Trazer um “estrangeiro” para solucionar um problema caseiro provocou ciúmes em técnicos goianos. Mas logo o chefe do Executivo estadual tratou de explicar que os problemas urbanos de Goiânia, especialmente o transporte coletivo, foram colocados como matérias prioritárias de sua administração. Portanto, foi necessário buscar um técnico de renome para guiar o planejamento da área.
A reportagem também ouviu o outro ponto de vista, ou seja, deu voz aos críticos do celebrado urbanista paranaense. Num primeiro momento, o modelo de transporte de massa sobre eixos implantados por Lerner em Curitiba foi um sucesso. Porém, com o passar dos anos, começou a apresentar falhas. Ainda segundo a reportagem, Lerner teria se tornado uma celebridade nacional graças à grande publicidade concedida a ele pelos irmãos Bloch, donos da extinta Revista Manchete.
Por serem todos judeus e, próximos do presidente Geisel, não faltaria publicidade e propaganda às ideias e realizações do técnico curitibano. De acordo com os críticos de Lerner, apesar de comprovadas em Curitiba, suas fórmulas urbanísticas ainda eram objeto de dúvida quanto à sua eficácia.
Independente dos resultados alcançados pelas intervenções do poder público daquela época na área de mobilidade urbana, o Eixo Anhanguera é uma realidade. Aliás, a cidade em breve terá um novo corredor exclusivo para ônibus, porém aos moldes do que desejava alguns técnicos e urbanistas ouvidos pelo Jornal Opção há quatro décadas. Isto é, um sistema de transporte de massa sobre um eixo Norte-Sul da cidade. Atualmente, a Prefeitura de Goiânia constrói um sistema de Bus Rapid Transit (BRT) que integrará 140 bairros beneficiando cerca de 500 mil pessoas, nos extremos Norte e Sul da capital.
Pré-metrô
Já o Eixo Anhanguera que, em seus 14 quilômetros de extensão, transporta cerca de 250 mil passageiros por dia, faz a ligação entre os polos Leste-Oeste da região metropolitana, contemplando usuários dos municípios de Trindade, Senador Canedo e Goianira em sua recente extensão intermunicipal. Não obstante, este importante modal em breve vai se transformar em um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ou seja, um pré-metrô, como previu o Jornal Opção em sua primeira edição em dezembro de 1975.
A obra, que ainda não foi iniciada, foi orçada em R$ 1,3 bilhão e terá 13,6 quilômetros de extensão. Serão 12 estações e cinco terminais de integração, que serão operados por 30 trens (movidos à energia elétrica) e que irão transitar numa velocidade média de 23 km/h, transportando 600 passageiros por viagem — cerca de 240 mil por dia. No projeto está prevista a revitalização da Avenida Anhanguera, que será revigorada de fachada a fachada, com novas calçadas, sinalização vertical e horizontal, acessibilidade, iluminação, paisagismo e novo sistema de drenagem para evitar alagamentos. Todos os terminais de integração e as estações deverão ser reconstruídos.
Passam os anos, mas os problemas ainda persistem
O Jornal Opção teve o cuidado de buscar alternativas e opiniões diversas acerca dos rumos do planejamento da cidade. Por isso, o veículo entrevistou um importante urbanista da cidade que estava mais familiarizado da realidade local, portanto falaria com maior propriedade. Trata-se do engenheiro civil Homar Rassi, um goiano de Pires do Rio empresário e sócio de uma firma de engenharia.
Crítico do crescimento linear da capital, ele culpou publicamente os interesses da especulação imobiliária como principal agente agravador das contradições urbanas de Goiânia. Homar Rassi considerava os planos de Jaime Lerner para a capital contrastantes em relação à concepção preconizada pelo arquiteto e urbanista Attilio Corrêa Lima, projetista da capital.
As palavras de Homar Rassi, publicadas no dia 25 de janeiro de 1976 em forma de entrevista na edição de número 6 do Jornal Opção, estão mais atuais que nunca. Questionado acerca das principais fontes de problema que comprometiam o desenvolvimento urbano da cidade, sua resposta foi surpreendente: “pressões migratórias, espaços geográficos ocupados por loteamentos desordenados e de incorreta centralização de áreas de prestação de serviços. Goiânia acabou cedendo à alternativa de permitir que as empresas imobiliárias especulassem de acordo com seus interesses e, em consequência, forçassem planejamentos urbanísticos isolados, falhos e danosos”, disse. Qualquer semelhança com os dias atuais seriam meras coincidências?
Apesar de crítico, Homar Rassi também apontava soluções, sendo a principal delas o polinucleamento de Goiânia. Em outras palavras, o que ele sugeria era a organização da cidade em vários grupamentos de núcleos planejados para no máximo 200 mil habitantes, ligados entre si a um polo administrativo. Tal ideia era o contrário da defendida por Lerner, isto é, a cidade baseada em um único núcleo representado pela Avenida Anhanguera e voltada para uma expansão linear. No entender do urbanista goiano, a organização da capital por meio de núcleos, evitaria o caos do transporte coletivo, que à época, em 1976, já começava a se mostrar problemático.
Um olhar da sociedade que, passados quase 40 anos, continua atual
Uma reportagem que, em um primeiro olhar pode parecer despretensiosa, porém de relevância, revelou aos leitores os bastidores do automobilismo goiano, mais especificamente o debate acerca de como seria aproveitado o autódromo de Goiânia. Inaugurado em outubro de 1974 na gestão do governador Leonino Caiado, a pista de corrida fazia parte das grandes obras que marcou aquela administração, juntamente com o estádio Serra Dourada e o novo Centro Administrativo do governo estadual.
A década de 1970 ficou caracterizada pela efervescência do automobilismo brasileiro, embalada pelas vitórias de Emerson Fittipaldi que havia ganhado dois campeonatos mundiais de Fórmula-1. Portanto, como esporte do momento, Goiânia fazia parte do calendário das principais categorias nacionais. Completamente reformado 40 anos depois pelo governador Marconi Perillo (PSDB), após uma década de abandono e subutilização, o Autódromo Internacional de Goiânia é, atualmente, uma das mais modernas praças esportivas do País voltado ao esporte a motor.
Outro fato envolvendo um importante espaço de convivência e lazer dos goianienses também mereceu destaque naquela edição inaugural do Jornal Opção. A reportagem de título “Dívida do Jóquei, um problema do governo?” abordou de forma ampla e concisa, o gargalo relacionado ao débito de caixa do Jóquei Clube de Goiânia. Por incrível que pareça, em 2015, ainda não se encontrou uma resolução para o problema. O mais tradicional clube da capital se encontra imerso as dívidas e as disputas políticas envolvendo sócios-proprietários. Enquanto isso, o Hipódromo da Lagoinha está tomado pelo mato alto e o Jóquei, localizado no Setor Oeste, está sem energia elétrica, sem água sem o principal: vida.
Um detalhe que chamou atenção dos primeiros exemplares do Jornal Opção são as charges que ilustram as matérias assinadas pelo cartunista Jorge Braga. O bom humor característico das caricaturas traz equilíbrio aos densos textos analíticos. Destaque também para o registro do fotógrafo José Alfredo da então primeira dama de Goiás, Lúcia Vânia. Parece que o tempo não retirou o brilho e o charme da senadora pelo PSB e mãe da atual secretária estadual da Fazenda, Ana Carla Abrão.