Rompida com o polêmico filósofo e guru do presidente Bolsonaro, Heloísa de Carvalho, em parceria com Henry Bugalho, acaba de publicar um livro sobre a trajetória com seu pai que promete abalar estruturas

Heloisa de Carvalho e o pai, nos anos 1990, quando o filósofo ainda estava longe dos holofotes que tem hoje | Foto: Reprodução

Moradora do município de Atibaia, São Paulo, a bacharel em Direito e professora de artesanato Heloísa de Carvalho, de 50 anos, divide seu tempo entre o estágio com uma advogada da região e suas aulas. Nas horas vagas, Helô, como é conhecida pelos amigos, liga seu computador e transmite, pelas redes sociais, uma live. Na pauta, alguma polêmica da semana envolvendo o nome do seu pai: o filósofo Olavo de Carvalho, considerado o guru do presidente da República.

Apesar da enorme visibilidade obtida por Olavo no Brasil, principalmente nos últimos anos e no atual governo, Heloísa parece não ter nenhum orgulho de ser sua filha, pelo contrário. A primogênita do ex-astrólogo tem um passado de profundos traumas adquiridos durante a infância com o pai.

O ano de 2017 foi o de ruptura. Após um desentendimento com Olavo devido a imbróglios gerados pelo documentário O Jardim das Aflições, dirigido por Josias Teófilo, em que um dos membros da equipe da produção contou com a defesa de Heloísa após relatar, na época, ter sido prejudicado, ela decidiu finalmente tornar público, por meio de uma carta aberta na internet, uma infância de negligência e humilhações por parte de seu pai.

Em entrevista ao Jornal Opção, Heloísa revela que a publicação do texto em 2017 foi uma “carta de alforria”, quando ela pôde finalmente expor ao mundo tudo aquilo que o pai a fez passar e que lhe causava profundo constrangimento. Depois disso, segundo ela, diversos escritores a procuraram na tentativa de colher seus relatos e transformá-los num livro. Porém, Heloísa só topou em janeiro de 2019, quando um homem a procurou manifestando o desejo de publicar uma obra baseada em sua trajetória com o filósofo.

Olavo de Carvalho é considerado o conselheiro do governo Bolsonaro | Foto: Reprodução

O contrato com uma editora foi fechado, mas depois de tentativas insatisfatórias com um ghost-writer a filha de Olavo de Carvalho resolveu procurar seu amigo pessoal, o escritor, tradutor e filósofo Henry Bugalho, e o convidou a assumir o projeto. O ‘sim’ foi instantâneo. Um com o conteúdo e o outro com a forma, a dupla trabalhou por oito meses no que viria a ser o livro batizado de “Meu pai, o guru do presidente – A face ainda oculta de Olavo de Carvalho”, já disponível na pré-venda.

Foram 12 horas de gravações convertidas em um pesado desabafo. Para ela, a intenção do livro é trazer à tona sua traumática trajetória ao lado do pai e mostrar a verdadeira face do filósofo. “Ele tem um lado que exerce uma influência negativa no governo. O modus operandi é o mesmo desde a década de 1980. Meu pai adquire seguidores e, quando um deles sai um pouquinho da linha de pensamento dele, ele vira inimigo e passa a instigar os outros a massacrar a pessoa. Ele gosta de posar de católico conservador, de defensor dos bons costumes, mas quem convive com ele sabe da verdade”, afirma.

O livro, segundo Heloísa, não traz a história da vida de Olavo de Carvalho, mas sim da sua própria, que sempre foi influenciada por ele. São páginas que contam desde casos já expostos ao grande público na carta aberta, como os relatos de negligência parental e intelectual em que Heloísa recorda como era obrigada a se virar sozinha aos 11 anos de idade, uma vez que, segundo ela, não tinha qualquer suporte do pai para estudar e se desenvolver (Heloísa foi alfabetizada na adolescência, quando foi morar com a tia), de envolvimento do pai com seitas esotéricas e explosões de raiva com a família, até histórias inéditas, rebuscadas em parceria com Henry Bugalho, que provocaram traumas e sequelas emocionais na filha do filósofo até os dias de hoje.

A obra também vem como um alerta para a nocividade que, de acordo com Heloísa, seu pai pode exercer nas pessoas. Ela alega que Olavo de Carvalho, que abandonou os estudos ainda na pré-escola, tem como objetivo fazer da educação um privilégio para poucos. “Ele quer que a educação seja pra poucos, e ele é quem quer escolher esses poucos”, diz.

Heloísa, 50, é a primogênita do guru da nova direita brasileira | Foto: Arquivo Pessoal

Apesar de rompida com o pai, Heloísa afirma não nutrir ódio por ele. Entretanto, a postura adotada por Olavo seria como uma parede entre eles. “Eu não tenho ódio do meu pai. Eu amo meu pai, mas não posso aceitar o que ele faz. Diante do que ele se tornou para o Brasil, a influência que ele tem no governo, e tudo o que ele faz de ruim com as pessoas… Não posso aceitar. Não é nem comigo, é com as pessoas”, revela.

Questionada sobre uma possível e futura reconciliação, Heloísa é direta e faz uma revelação. “Eu acho complicado. Meu pai já tentou me colocar na cadeia três vezes, já tentou me internar compulsoriamente. Ele convenceu um amigo dele psiquiatra a ligar para um outro com o qual eu me consultei uma vez, por causa de situações de estresse, para que ele emitisse um laudo para pedir minha interdição. É claro que não deu certo”, conta.

Heloísa diz que não fica satisfeita com a atual situação com o pai, e que a realidade poderia ser diferente. Ela conta que, após a publicação da carta aberta, seus irmãos, a pedido do pai, tentaram uma reaproximação dela com ele, tentativas que não vingaram. “Se ele não fosse a pessoa que ele se tornou hoje, pode ter certeza que eu estaria calada, como eu estive por muitos anos”, finaliza.

O livro “Meu pai, o guru do presidente – A face ainda oculta de Olavo de Carvalho” está em pré-venda pela Editora Kotter em parceria com o site Brasil 247. Henry Bugalho adianta que a obra não segue uma ordem cronológica e traz histórias que constroem traços de personalidade de Olavo de Carvalho revelando “o modo como ele lida com a família, os amigos, com a sociedade como um todo”. “Em alguns capítulos, mais para o final, a gente parte pra uma noção mais teórica, mais política de como ele atua no Brasil hoje. É uma mescla disso com as experiência individuais, pessoais da Heloísa”, explica. Segundo Bugalho, o livro tem lançamento oficial previsto para o dia 15 de janeiro de 2020.

O filósofo Henry Bugalho aceitou o desafio de contribuir com o livro | Foto: Arquivo Pessoal