Aliados aguardam filiação de Bolsonaro para articular suas posições em Goiás
05 junho 2021 às 10h02
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Indefinição do presidente deixa travada articulações locais de parlamentares que prometem seguir Bolsonaro em sua filiação
Pouco mais de um ano para as eleições de 2022. Gradualmente, o cenário que define quem serão os próximos deputados estaduais, governadores, senadores e quem ocupará o cargo de chefe de Estado brasileiro, se delineia. Com pequenas atitudes e grandes decisões, alianças políticas e conversas de bastidores, pouco a pouco as peças se encaixam e o jogo muda.
Ao assumir a Presidência do país em 2019, depois de uma polarizada eleição que estremeceu o país, Jair Bolsonaro (sem partido), ainda que diga estar incerto, demonstra desejar concorrer novamente ao pleito contra seu mais forte rival político: Lula (PT).
Peça-chave no cenário político brasileiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu que a sentença pela qual foi processado e condenado em 2017 fosse anulada, de modo a se tornar elegível à Presidência em 2022. Desde o momento em que foi declarado inocente das acusações, a primeira vez em que Lula admitiu sua pretensão à disputa presidencial, foi em maio deste ano, momento em que afirmou claramente ter a intenção de “ser candidato contra Bolsonaro”.
Diferente de Lula, no entanto, Bolsonaro ainda tem certos passos a dar para que possa aceitar o desafio. Uma vez que o inciso V, do Parágrafo 3º do Artigo 14 da Constituição Federal de 1988 coloca como condição de “elegibilidade, na forma da lei, a filiação partidária”, o atual presidente da República, que deixou o partido pelo qual se elegeu ao cargo (PSL) em 2019, precisa se unir a um novo grupo para que legalmente esteja apto à disputa.
É interessante lembrar que, desde o início da carreira política de Bolsonaro, o atual presidente já passou por nove partidos políticos – não permanecendo em nenhum, ao fim das contas. O primeiro ao qual se filiou foi o Partido Democrata Cristão (PCD), por onde se elegeu vereador da cidade do Rio de Janeiro em 1988. Desde então, perpassou pelo Partido Progressista Reformador (PPR), entre os anos de 1993 e 1995, pelo Partido Patriota Brasileiro (PTB), entre 2003 e 2005, pelo PFL em 2005, pelo Partido Progressista (PP) entre 2005 e 2016, pelo PSC entre 2016 e 2017 e, finalmente, pelo PSL, por onde chegou à Presidência, entre 2018 e 2018.
Ainda em 2017, o atual presidente declarou ter cogitado adentrar ao Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), e ao PEN, atual Patriota, mas nada chegou a se concretizar. Após dois anos e meio sem partido, período de conjecturas e debates sobre qual seria o novo escolhido pelo atual presidente, em junho de 2021 Jair Bolsonaro acena nova perspectiva de adentrar ao Patriota, partido fundado em 2011 e ligado à Assembleia de Deus. Seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (RJ), chegou a confirmar a entrada do pai na sigla e afirmou que cuidará da negociação da filiação de Bolsonaro pai – articulação esta que é trabalhada pelo atual presidente nacional do partido, Adilson Ribeiro.
A intenção até o momento é clara: independente do partido que Bolsonaro adentrar, entrará para disputar o cargo presidencial mais uma vez em 2022. Para seus aliados, seguidores declarados do bolsonarismo, essa decisão de adentrar ao Patriota – que ainda não é oficial – pode ser considerada tardia. O atual deputado estadual de Goiás, Paulo Trabalho (PSL), por exemplo, aguarda a filiação do presidente para que possa segui-lo e, assim, buscar o almejado posto no Senado ou, quem sabe, uma reeleição, para que consiga “dar andamento aos projetos que não pôde finalizar em apenas quatro anos”.
Para o mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás, Guilherme Carvalho, no entanto, apesar de políticos da base bolsonarista aguardarem sua decisão para que consigam automaticamente segui-lo, o cenário nacional pouco influencia nas conjunturas políticas regionais, mesmo que as eleições ocorram de forma simultânea.
“Nas eleições federais, pensa-se muito em pautas ideológicas, mas a nível regional, segue-se a lógica das políticas públicas, então tanto os eleitores, quanto os candidatos olham muito aos problemas internos que não necessariamente tem a ver com a lógica nacional”, contextualiza. Este cenário, portanto, faz com que se entenda os movimentos políticos, vezes pensados estrategicamente como em um jogo de xadrez, ora executados por mera necessidade.
Para cumprir com o objetivo de se reeleger em 2022, o atual governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM) também não é isento de atitudes estratégicas, uma vez que define alianças, aposta em uma agenda positiva de defesa pela Saúde e Segurança Pública e deixa claro seu posicionamento.
Como personagens a serem escalados às Eleições de 2022, que tem seu roteiro gradualmente escrito, Caiado e Bolsonaro também protagonizaram o cenário que definiu as relações entre Goiás e o Governo Federal durante a pandemia da Covid-19 – momento de crise que, desde março de 2020, dificultou a realidade da população brasileira como um todo.
Como médico, murmúrios acerca de um rompimento entre os dois, que se mostraram tão aliados em um contexto pré-eleitoral em 2018, quando Ronaldo Caiado (DEM) se posicionou de forma favorável ao distanciamento social e ao isolamento, como medida principal ao combate ao coronavírus, não deixaram de ocorrer. O estremecer dessa relação, no entanto, apesar de as opiniões divergentes ainda existirem, não durou muito tempo. Cinco meses depois, durante a inauguração do primeiro hospital de campanha anunciado pela União, em Águas Lindas (GO), Bolsonaro chegou a declarar sempre ter sido amigo de Caiado e que essa relação duraria até a morte.
Desde então, Caiado evita embates diretos a Bolsonaro e diz não querer politizar a pandemia, mesmo que se mantenha contra o tratamento precoce à Covid-19 – pauta veementemente defendida pelo presidente e seus apoiadores – e outras estratégias de combate à Covid-19 não cientificamente comprovadas. Mesmo que Caiado e Bolsonaro, portanto, tenham passado a evitar confrontos, parlamentares bolsonaristas goianos se posicionaram em oposição ao governador, ainda que ambos os políticos defendam pautas parecidas.
Ao analisar a relação entre eles, perpassando por como funcionam a lógica das eleições federais e regionais, o cientista político Guilherme Carvalho explica, inicialmente, a diferença crucial entre Caiado e Bolsonaro, que começa o caráter de suas filiações. Apesar de Caiado também ter passado por alguns partidos (PSD, PFL, PPR, PFL e DEM) que, inclusive, o próprio Bolsonaro já foi filiado, a relação de cada um é oposta, uma vez que, ao não obedecer a uma lógica ideológica e nem almejar grandes disputas partidárias internas, o agrupamento do presidente da República a um partido específico não passa de mera obrigatoriedade da legislação para que possa concorrer à Presidência.
Para decifrar esse contexto, Guilherme apesenta o conceito de partidos ideológicos, que são os que possuem bandeiras programáticas rígidas (como o PT e o PSOL) e fisiológicos, que defendem causas que lhe são convenientes do ponto de vista momentâneo e eleitoral. Para Guilherme, a maior parte dos partidos políticos brasileiros são fisiológicos e possuem como principal característica, seu pragmatismo. Desse modo, ele explica que é exatamente por esses atributos (que foram alterados nas eleições presidenciais de 2018, mas recompostos na disputa municipal de 2020), que o alinhamento entre as candidaturas a nível estadual e nacional não acontece por uma lógica ideológica (salvo exceções), o que explica a lógica dos políticos bolsonaristas que se posicionam de forma tão crítica ao governo de Caiado.
“Se fossemos pensar racionalmente e se essa discussão fosse apenas ideológica, e não pragmática como de fato é, a tendencia é que todos eles fossem aliados. Afinal de contas, eles defendem pautas parecidas. No entanto, a verdade é assim. Isso quer dizer que você pode ter um eleitor que vai votar no governador Ronaldo Caiado para governador e no Lula para presidente [o que ocorre, do mesmo modo, com Bolsonaro]. Isso, porque há políticas públicas especificas a nível regional que derivam dessa confusão, desse amontoado de microcosmos que é o Brasil. No município, a realidade é uma, no estado a realidade é outra e a nível nacional é outra. Portanto, isso faz com que não exista o voto especificamente partidário e, às vezes, sequer por alinhamento ideológico”, esclarece Guilherme.
Como exceção, Guilherme ainda pontua que o eleitor brasileiro, segundo pesquisas no campo da Ciência Política, só costuma votar a partir de uma lógica de partidos quando é pela rejeição: o deixar de votar em alguém. “O voto negativo, atualmente, aparece, em três legendas: PSDB, MDB e PT. Recentemente, o PSL entrou na rota pelo fenômeno bolsonarista, mas isso tende a ser dinamitado”, diz.
Esse movimento, portanto, acredita Guilherme, não tende a influir na opinião do eleitor nem a nível regional, nem nacional. “A filiação de Bolsonaro a qualquer partido não tende a acrescentar ou tirar votos. Não tende a tirar votos nem dele, nem de caiado. A tendencia é que eles caminhem juntos, porque construíram um mandato bastante alinhados. Isso passa ao largo da logica partidária”, afirma.
O deputado estadual Paulo Trabalho (PSL), que se opôs ao posicionamento do governador em relação ao presidente durante a pandemia da Covid-19, apesar de admitir que pela fluidez que caracteriza a política, não descartar a possibilidade de uma atuação menos crítica ao governo estadual, não garante apoiar Caiado como governador – ainda que Bolsonaro acabe por se filiar a um partido da base do goiano.
“Se o Bolsonaro vier a apoiá-lo, quem sou eu para me opor a isso? No entanto, independente desse posicionamento, vou procurar meu espaço. Não significa que por o partido estar na mesma base, que eu vá apoiá-lo como governador. O partido pode estar na base, junto, mas não necessariamente eu particularmente apoiá-lo como candidato à reeleição, a governo. Posso ter outro candidato, mesmo estando num partido de base, pode ser uma opção minha e eu acho que ninguém [do partido] iria se opor a isso”, declara.
O deputado federal por Goiás, Fábio Sousa (PSDB), também obedece a essa lógica traçada por Guilherme, mesmo que demonstre um posicionamento mais neutro, não se mostrando “atrelado, nem oposição” ao governo estadual. “Faço as críticas que considero justas e também os elogios quando forem merecidos”, afirma. Ao aguardar o desfecho da filiação de Bolsonaro para se movimentar, não tem apoio definido para disputa à Governadoria goiana.
Pela amizade, chega a mencionar Gustavo Gayer (que pleiteou a prefeitura pelo partido Democracia Cristã, em 2020) como opção, caso este busque a disputa. Gayer, no entanto, ao ser procurado pelo Jornal Opção, afirmou estar focado em seus projetos pessoais em 2022. Contudo, Sousa é claro: “no estado, como só temos conhecimento de uma candidatura, não há como tomar partido [ainda]. [É preciso] Esperar saber quais serão os demais”, opina.