Agro é política: candidatos fazem cabo de guerra por apoio do setor
28 agosto 2022 às 00h00
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O agronegócio está no meio do cabo de guerra político, que tem em seus extremos os candidatos à presidência Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O presidente que busca a reeleição possui grande aceitação dos empresários do ramo, já o petista, que quer voltar ao poder, tenta uma aproximação. A razão para disputa por esse apoio é que o setor impulsiona a economia nacional e com isso ganhou muito peso nas decisões políticas.
A pergunta que o eleitor tem se feito é: a importância que o agronegócio ganhou no debate político é do mesmo tamanho da sua importância na economia? Se analisar os números oficiais, o setor tem um papel de destaque, sendo responsável por uma fatia substancial do PIB brasileiro. A participação da agropecuária no Produto Interno Bruto (PIB) calculado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA ), alcançou recordes sucessivos em 2020 e em 2021, com esse biênio se caracterizando como um dos melhores da história do agronegócio nacional.
O PIB agregado do agronegócio em 2021 aponta que o setor alcançou participação de 27,4% – a maior desde 2004 (quando foi de 27,53%). Segundo pesquisadores do Cepea, os segmentos primário e de insumos se destacaram em 2021, com aumentos de 17,52% e 52,63%, respectivamente. O PIB também cresceu para os outros dois segmentos, 1,63% para a agroindústria e 2,56% para os agrosserviços. Dentre os ramos, enquanto o PIB do agrícola avançou 15,88% de 2020 para 2021, o PIB do pecuário recuou 8,95%.
A participação do agro no PIB nacional passa pela consolidação do setor e a conquista de novos mercados, principalmente na produção de grãos e proteína animal. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil saltou de uma produção de 242,1 milhões de toneladas de grãos na safra 2018/2019 para uma estimativa de 271,3 milhões de toneladas para o ciclo 2021/2022 – recorde histórico para o agronegócio brasileiro.
Esse salto que é esperado para produção de grãos faz com que o Brasil assumisse o quarto lugar global na produção de arroz, cevada, soja, milho e trigo, atrás apenas de China, Estados Unidos e Índia, sendo responsável por 7,8% de todo cultivo desses grãos no mundo. Nas exportações graneleiras, o país é o segundo maior player mundial – EUA é o líder, com 19% de todos os embarques dessas commodities.
Sobre a proteína animal, somente em 2022, o Brasil abriu o mercado para a carne suína ao Canadá e liberou sem tarifas a exportação de suínos à Coreia do Sul e frango para o México. Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), ainda há expectativa positiva do setor para o aumento das exportações de carne suína do Brasil para países como Japão, Coreia do Sul, Canadá e China com o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) para novas áreas no país como Livre de Aftosa sem Vacinação.
Os números são volumosos e seguem uma crescente. Esse fator cria um ambiente favorável ao o setor junto a classe política, pois cria-s e uma retroalimentação: a agropecuária ajuda a economia e o governo tende a investir mais no setor, criando um ciclo.
Candidatos e o agro
Representantes do agronegócio apontam que a abertura para novos mercados, ampliação de políticas voltadas ao produtor e desburocratização de aplicação de defensivos agrícolas foram algumas das iniciativas do governo de Jair Bolsonaro que dão-lhe a avaliação positiva do setor.
Em seus discursos como candidato, Bolsonaro tem lembrado do Plano Safra, que e seu governo Federal R$ 252,46 bilhões na atual safra, número 18% superior repassado aos produtores no ciclo 2020/2021. Para a próxima, o montante está orçado em R$ 340 bilhões, novo recorde para o agronegócio brasileiro. Além desses valores, o Congresso aprovou em julho a disponibilização de R$ 1,2 bilhão em crédito suplementar ao Plano Safra 2022/2023, com taxas de juros equalizadas pelo Tesouro. O projeto foi sancionado por Bolsonaro em julho. O pequeno e médio produtor também contou com novas linhas de crédito dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp).
Já Lula, está longe de ser uma figura querida entre produtores rurais. Mas foi no governo petista que o crédito ao agronegócio registrou seu maior salto. A diferença entre o valor liberado para o financiamento da safra no final de 2002 e o valor previsto no plano agrícola e pecuário 2010/2011 é de 361%. Isso significa que enquanto o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deixou R$ 21,7 bilhões para custeio, comercialização e investimentos, Lula reservou R$ 100 bilhões, quase cinco vezes mais.
O aumento do crédito oficial foi acompanhado por um crescimento de 21,1% na produção de grãos no período e um forte avanço na venda de alimentos e matérias-primas no mercado internacional. Em 2003, as exportações do agronegócio somaram US$ 30,6 bilhões. Em 2010, até novembro, esse valor era de US$ 70,3 bilhões, mais que o dobro.
“Em 2008 era outra realidade na economia e no setor do agronegócio. De lá para cá houve remodelamento dos negócios, ou seja, evoluímos e o setor hoje tem outra importância para o abastecimento mundial”, avalia do deputado federal e vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schneider.
O ruralista defende a atual gestão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mostrando sua preferência por Jair Bolsonaro como presidente e sua política para o setor. “Qualquer governo que tenha o mínimo de juízo vai olhar para o setor agropecuário com carinho. Neste momento o mundo todo discute a segurança alimentar e o governo tem responsabilidade de proteger o setor agropecuário. Isso tem sido feito com muita força com o governo Bolsonaro”, aponta.
Ambientalismo
Mesmo com os avanços econômicos conquistados pelo agronegócio nos últimos quatro anos, a opinião pública internacional sobre a preservação do meio ambiente no Brasil piorou. Os apontamentos são que o presidente Jair Bolsonaro não atua para preservação ambiental, pelo contrário, ele incentiva a ocupação de reservas para exploração agropecuária e mineral.
Essa questão é um dos principais entraves para a concretização do acordo bilateral entre o Merscosul e a União Europeia. Estimativa do Ministério da Economia avalia que o Brasil possa registrar um incremento no PIB de US$ 87,5 bilhões em 15 anos com a implementação desse tratado. Mas há uma dificuldade do Brasil em fechar acordos bilaterais, e isso pode se acentuar em caso de manutenção dos indicadores de desmatamento no país.
Dados do Sistema de Desmatamento em Tempo Real (Deter), operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que a grilagem de terras – prática que consiste na invasão de terras –públicas para apropriação particular, é responsável por cerca de 700 mil hectares de desmatamento por ano na Floresta Amazônica. “O avanço do agronegócio no território brasileiro tem sido acompanhado do aumento do desmatamento (…) O desmatamento e o avanço das atividades agropecuárias no Cerrado e na Amazônia coincidem”, alerta o estudo “Dossiê Agro é Fogo: grilagem, desmatamento e incêndios na Amazônia, Cerrado e Pantanal”.
E esse foi um dos temas na entrevista de Lula ao Jornal Nacional, na noite da última quinta-feira, 25. Em resposta a William Bonner e Renata Vasconcellos, o ex-presidente reconheceu que o agronegócio apoia em peso Jair Bolsonaro. Ele disse que setores do agro se opõem à sua candidatura por causa da “luta contra o desmatamento”. O petista afirmou ser contra o plantio de soja e milho e a produção de gado na Amazônia e disse que a região precisa ser explorada cientificamente por conta de sua biodiversidade. Segundo o ex-presidente, é o segmento mais reacionário do agro que estaria avançando sobre áreas protegidas e que empresários sérios do setor, que exportam parte da sua produção, não querem desmatar.
Para José Mário Schneider a fala é apenas retorica. “Essa fala não representa a realidade. O maior patrimonio que o produtor tem hoje é a preservação ambiental, essa é uma questão primordial. Defendemos o Código Florestal. Se há alguém descumprindo a lei, tem que ser punido. Nós queremos que tudo esteja dentro que diz a constituição”, alega.
Antipetismo no campo e a reforma agrária
O agronegócio tem na sua história a ligação com a política de centro-direita, até pelo perfil mais conservador inerente ao setor. Basta observar que partir de 2006, o Centro-Oeste e o Sul, regiões em que o agronegócio é muito forte, houve inclinação para centro-direita, com o PSDB, e depois mais fortemente para a direita, com Bolsonaro. Esse cenário sempre fez com que o setor estivesse contra ou desconfiado do PT.
Esse antipetismo percebido no agronegócio tem como principal razão o fato da esquerda se relacionar de forma mais “intima” com a reforma agrária e amparar movimentos como o MST. Ou seja, tem uma questão ideológica.
O motivo dessa desconfiança do governo Lula com a questão da reforma agrária dá para se compreender em números. Segundo dados do Incra, nos dois governos do ex-presidente Lula foram incorporados 47,6 milhões de hectares ao Programa Nacional de Reforma Agrária, mais que o dobro do executado nos oito anos em que o antecessor Fernando Henrique Cardoso esteve na Presidência (20,8 milhões).
No governo de Dilma Rousseff foram encorporados 3,1 milhões de hectares no primeiro mandato e o sucessor Temer agregou 664 mil hectares. Nos três anos e meio de governo Bolsonaro, foram só 2,8 mil hectares.
Por outro lado, o Incra sob a gestão de Bolsonaro (de 2019 a 2021), informa que foram expedidos 277.915 títulos para famílias em assentamentos e glebas públicas federais. Já o MST diz que o órgão ficou sem orçamento para as políticas de reforma agrária desde 2019 e, por isso, não houve novos assentamentos. Apesar dos números, no mesmo ano se acirrou a disputa pelo fim da demarcação de terras indígenas e houve conflitos fundiários.
O Brasil sustenta o agro ou o agro sustenta o Brasil?
A principal crítica que agronegócio enfrenta é o financiamento público – seja com créditos com taxas abaixo de outras linhas de financiamento ou com benefícios fiscais.
Os analistas apontam que o setor cresce vertiginosamente por contar com um fator muito importante: a desoneração do ICMS nas exportações de seus produtos. Esse benefício é avaliado pelo setor com uma conquista, que teve origem no ano de 1996 com a publicação da Lei Kandir (LC 87/96). O primeiro efeito da foi aumento da competitividade dos produtos agrícolas nacionais no mercado internacional, o que resultou em aumento das exportações e consequentemente um equilíbrio na balança comercial e fortalecimento de nossa moeda.
Para se ter uma ideia de como a Lei Kandir propiciou um ambiente de negócios mais propício ao setor, as exportações do agronegócio cresceram 481% entre 1996 (aprovação da LC) e 2018, segundo estudos promovidos pela CNA.
O coordenador institucional do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (IFAG), Leonardo Machado, aponta que o setor conta com esses benefícios para aumentar a sua competitividade. Segundo ele, as condições fiscais favorecem também o mercado interno. “Quando uma produção cresce, cresce todo o agronegócios, gerando emprego, renda e qualidade. Um exemplo claro quando comparamos o IDH (índice de desenvolvimento humano) dos 10 maiores municípios relacionados ao PIB agropecuário. Em 1991, 100% destes municípios tinha o IDH classificados como muito baixo, a média deles era de 0,465. Em 2010, 80% deste município tinha seu IDH classificados como alto e outra 20 como médio. Sendo assim é inegável que o crescimento da agropecuária nestes municípios proporcionou desenvolvimento na qualidade de vida”, defende.
José Mario Schneider também defende que o setor deve ser beneficiado com a Lei Kandir. “Nenhum pais exporta impostos, exporta produtos. Esses produtos são desonerados. Essa é uma regra mundial e por isso a Lei Kandir foi um grande marco para o crescimento da produção agrícola brasileira”, diz o parlamentar ruralista.
Mas na opinião do economista Aurélio Troncoso, a exportação de produtos in natura é interessante até certo ponto, pois representa a entrada de capital estrangeiro no país e tem grande peso na balança comercial, entretanto, ela não é sempre benéfica para a economia. Ele aponta que, por exemplo, os grãos são maioria na exportação, mas tem o menor valor agregado. “Para se ter uma ideia, a composição do PIB de Goiás tem mais de 60% no setor de serviços, depois vem a indústria, e aí o agronegócio”, diz. “ Aqui só produzimos três produtos com a soja: óleo, lecitina e farelo. O restante, em sua maioria, vai para China e volta em forma de mais de 100 subprodutos. O complexo soja vai sorvete, medicamento e perfume. E a gente compra isso de fora”, exemplifica.
Segundo o economista, a Lei Kandir criou uma situação em que o produtor prefere exportar do que industrializar para o mercado interno. “O empresário pensa: se eu ficar com o produto aqui e industrializar, terei que pagar imposto, agora se eu mandar para fora não vou pagar”, aponta.
Prejuízos aos estados
O ICMS é um imposto estadual, e ao se enquadrarem na Lei Kandir, os produtores rurais afetaram negativamente o caixa dos estados. Como a perda de receita foi significativa, o Governo Federal se comprometeu a compensar essa perda, o que foi feito por meio da criação de um “seguro garantia”, que consistia no repasse mensal de valores fixados pela própria Lei Kandir aos Estados.
No decorrer do tempo, as contas públicas estaduais entraram em colapso, o que fez com que os Governadores iniciassem uma briga com o Governo Federal para que este cumprisse com a sua obrigação de compensar as perdas resultantes da desoneração fiscal, sendo que este conflito dura até hoje.
Os Governadores alegam que o Governo Federal não cumpre o repasse financeiro e que o mesmo não editou a Lei Complementar regulamentando e fixando os valores dessa compensação. Assim, os Estados passaram a exigir o fim da desoneração do ICMS nas exportações.
Emprego e renda
Brasil gerou 2,7 milhões de empregos formais em 2021. Em primeiro lugar veio o setor de serviços com1.2 milhões de vagas criadas. O setor de comércio agregou outras 643 mil postos e a indústria gerou 475 novas vagas, a construção ofertou 244, e só então, em quinto lugar no ranking, aparece o agronegócio, 140 mil vagas com carteira assinada. Analistas de mercado consideram pouco frente a representatividade do setor para economia nacional.
“A empregabilidade na agricultura é pequena porque a atividade é quase toda mecanizada. A plantação, aplicação de defensivos e colheita é toda feita com tecnologia e mecânica”, explica Aurélio Troncoso.
Já o coordenador do Ifag aponta que a geração de emprego do agro está na cadeia. Segundo ele, o setor não limita a abertura de postos de trabalho dentro propriedade rural. “Devemos levar em consideração os empregos diretos relacionados aos insumos, máquinas e serviços gerados para dar suporte a produção agropecuária, mais do que isso deve considerar as atividades relacionadas, também, ao processamento, transporte e armazenamento dos produtores agrícolas, que geram empregos e renda”, analisa.