Adensamento urbano: o fenômeno pode deixar Goiânia (mais) caótica
17 setembro 2023 às 00h01
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Alguns dos maiores desafios das grandes metrópoles do Brasil e do mundo, incluindo Goiânia, são o adensamento urbano e a verticalização. Com o ápice da qualidade de vida dentro das cidades, cada vez mais pessoas desejam morar dentro ou próximo dos grandes centros urbanos em busca de trabalho e boas condições de vivência. Um movimento que começou em meados do século XX no território, conhecido como “êxodo rural”.
Caracterizado pela saída de milhões de habitantes das zonas agrárias para os centros urbanos, o êxodo rural brasileiro inverteu o cenário populacional no país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1940, 69% da população vivia no campo e apenas 31% dentro das cidades. Agora, 84% das pessoas moram nos centros urbanos.
Para o professor titular do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Tadeu Alencar Arrais, as cidades são um ambiente de concentração de excedentes. Ele pontua que essa aglomeração pode envolver produção, comércio, pessoas ou até mesmo política. Por isso, existem diversas movimentações ocorrendo dentro de qualquer centro urbano no Brasil ou no mundo.
“A partir da concentração e dispersão de excedentes, o valor do solo urbano muda”, afirma o doutor. “Ou seja, o valor das áreas que as pessoas vivem altera e isso ocorre a partir do surgimento do capitalismo. Com as pessoas migrando para as cidades, elas começam a ver que locais habitados possuem valores diferentes e isso mexe na organização do município”, acrescenta.
Segundo Arrais, a situação é o ponto de partida para o processo conhecido como adensamento urbano. “Morar em uma cidade pode variar muito de um local para o outro por questões de estrutura ou tempo de deslocamento. Por exemplo, os lugares centrais são privilegiados, em relação às zonas periféricas, por conta do tempo de deslocamento para o trabalho.”
Segundo um estudo recente da UFG, o goianiense leva em média no máximo 45 minutos para realizar trajetos com distância consideradas curtas em veículos particulares. Já no transporte coletivo, essa variação de tempo pode atingir até duas horas. Uma discrepância de tempo que também expõe as mazelas da desigualdade social de Goiânia, uma das capitais com maiores índices de desigualdade, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Essa é uma situação que mostra que as cidades não são democráticas”, segundo o docente do Iesa. Tadeu Arrais afirma que o tempo médio gasto dentro do transporte coletivo afeta mais do que o dia a dia das pessoas que utilizam a modalidade, e alcança questões sociais. “Uma pessoa que mora na periferia chega na faculdade ou no trabalho já cansada por conta do tempo que gasta no deslocamento.”
O problema social pode ser observado em outras cidades brasileiras de médio e grande porte. Por exemplo, no Rio de Janeiro, segundo o professor, o tempo no transporte coletivo bate a casa de três horas. Em média, conforme pesquisa feita pelo aplicativo Moovit, os cariocas levam 67 minutos em média para se deslocarem pela conhecida “Cidade Maravilhosa”.
O adensamento não é algo necessariamente ruim, na análise do doutor em geografia. Ele pondera, entretanto, que o fenômeno pode gerar problemas quando desordenado. Além do trânsito, o adensamento populacional também afasta as pessoas do centro das metrópoles, por conta do aumento de preços de aluguéis e imóveis.
Especulação imobiliária
Durante o último ano, entre julho de 2022 e 2023, o valor do aluguel residencial médio aumentou em 37,4% em Goiânia. Para efeito de comparação, a média nacional entre 25 cidades analisadas pelo índice FipeZap+, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), não passou de 16,3%. Ou seja, o total acumulado do aumento goianiense foi maior que o dobro da média nacional.
De acordo com a professora do curso de arquitetura da Professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Maria Ester de Souza, o problema é complexo. Maria Ester de Souza afirma que o processo de verticalização das cidades, ou seja, o aumento de construções de grandes prédios nos centros urbanos, envolve a conjuntura política e econômica.
“Temos um abismo entre a proposta de planejamento estudada pelas universidades e aquelas executadas pelo poder público”, pontua a doutora em geografia urbana pela UFG. “Nesse abismo, a teoria sempre perde o debate para quem possui a articulação política e poder econômico”. Ela exemplifica: Esse abismo entre pensadores e políticos pode ficar visível com a possibilidade da instalação de indústrias dentro da cidade, no qual o chefe do poder Executivo local provavelmente buscará implementar a edificação, independente da análise de especialista, seguindo a força do poder econômico.
“É uma espécie de cultura, sabe?”, diz a docente. “Praticamente todas as capitais do Brasil sofrem com esses problemas e as suas consequências da falta de planejamento urbano pensado por especialistas. Por exemplo, problemas de mobilidade, alagamentos por conta da ausência de impermeabilidade, além de superaquecimento”, destaca.
Por isso, apesar de cética, Maria Ester defende que o planejamento urbano deixe a mão dos políticos e fique apenas nas dos especialistas em urbanismo e outras áreas relacionadas. A ideia pode permitir o estabelecimento de um adensamento urbano mais organizado, sem causar grandes mazelas e prejuízos para a população dos municípios.
Para a especialista, o processo de verticalização não pode ser realizado em locais capacidade para receber novos prédios e arranha-céus. Elencando necessidades, ela cita que é preciso uma rede de infraestrutura, incluindo saneamento básico, coleta de lixo e vias de tráfego com asfaltamento e tamanho adequado. É ainda importante vetar projetos em áreas de preservação ambiental e terrenos alagadiços. “Ninguém é contra a verticalização, mas é necessário manter um equilíbrio com o ambiente natural, local onde colocamos as nossas estruturas que compõem uma grande metrópoles”, explica.
Na teoria, conforme elencou diversas vezes os dois especialistas, a cidades possuem regras de planejamento urbano, apesar de preferirem seguir os instintos políticos. Esse mecanismo que orienta a ocupação de espaços dentro dos centros urbanos é chamado de Plano Diretor Municipal. Nele estão contidas as regras necessárias para permitir o desenvolvimento urbano do município.
Novo plano diretor
Aprovado em 2022, o novo Plano Diretor de Goiânia já está em vigor, apesar de inúmeras leis complementares estarem paralisadas na Câmara Municipal de Goiânia. Com a expectativa de duração de dez anos, o conjunto de regras que regulariza o desenvolvimento do município traz diversas mudanças na forma como o processo de adensamento urbano e de verticalização da metrópole goiana deve acontecer.
Uma das principais mudanças apontadas pelo ex-secretário municipal do Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) e atualmente vereador da capital, Henrique Alves (MDB), é o limite no tamanho dos novos prédios que serão construídos em Goiânia. Agora, com a atualização do Plano Diretor, as edificações deverão ser reduzidas pela cidade.
“Hoje, temos potencial construtivo menor do que tínhamos na lei anterior. Pelos próximos dez anos, só será possível construir dentro com base no tamanho do terreno em metragem quadrada. Antes, a limitação era unicamente a altura. Agora temos uma restrição que provavelmente pode gerar prédios menores e mais estreitos aqui em Goiânia”, explica Henrique Alves.
De acordo com o parlamentar, uma medida como essa reduz a densidade de bairros como o Setor Bueno e o Jardim Goiás. Ele acredita que a modificação e o novo Plano Diretor serão benefícios para a cidade por reduzir o adensamento em áreas críticas, estimulando áreas que necessitam de ocupação. “A demanda para a habitação é alta, mas colocamos algumas restrições que serão positivas no longo prazo”, pontua.
Por outro lado, a vereadora Kátia Maria (PT) possui algumas críticas em relação ao novo Plano Diretor de Goiânia, principalmente a respeito da parte ambiental do projeto.
“O Plano Diretor precisa ser revisto na questão das áreas públicas e de preservação”, alerta a única representante do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara Municipal. “Existem muitos pontos que poderíamos discutir, mas o mais grave é a respeito da questão da identificação e preservação dessas áreas de proteção ambiental. Precisamos discutir a respeito disso, a cidade precisa crescer, mas tem que ser de uma forma sustentável”, finaliza a presidente municipal do PT.
No mesmo sentido, Maria Esther acrescenta que Goiânia não pode realizar expansão em áreas de preservação ou bairros com possibilidade de alagamento, incluindo o Jardim Goiás. “Não podemos expandir indiscriminadamente a cidade, existe uma série de fatores para se levar em conta. Além dos problemas de mobilidade, esse crescimento descontrolado acaba com as áreas verdes da capital, praças e áreas públicas arborizadas deixam de existir”, pondera.
A forma correta
Se, por um lado, o adensamento urbano e a verticalização descontrolados causam danos, por outro, os fenômenos podem se tornar positivos se sejam feitos corretamente. “O adensamento urbano não é de todo ruim porque é possível maximizar o uso das infraestruturas”, conta Daltro Franco, arquiteto e urbanista, em entrevista para o Jornal Opção. “Pode, por exemplo, reduzir a distância percorrida dentro da cidade e por consequência a demanda por meios de transporte. Uma cidade muito espalhada, extremamente horizontal, tem uma estrutura que precisa ser maximizada para atender a massa construída e a população”, explica.
Daltro Franco ressalta que, mesmo com possibilidade da maximização, há um limite que não pode ser ultrapassado. “O adensamento é nocivo quando ultrapassa limites e quando vem com adensamento de massa construída”, destaca o arquiteto. Entre os problemas apontados por Franco estão a impermeabilização do solo, sombreamento excessivo e quebra da corrente de ventilação, por exemplo. Essa situação pode causar aquecimento da massa construída na região e criar bolsões de calor em locais com muitos prédios. Além da possibilidade de sobrecarga das estruturas, com base na concentração de população em tais locais.
Por isso, Franco explica que o adensamento deveria ser considerado por dois critérios diferentes: populacional e construtivo. Para promover o adensamento populacional corretamente, Goiânia poderia investir na verticalização que aproveita as estruturas já presentes, com redução de custos e aproveitamento de espaços que atualmente estão perdidos. Já o adensamento construtivo é um processo descontrolado que pode ultrapassar os limites de massa construída e causar problemas.
Maria Ester ressalta que o bom planejamento será benéfica para alguns bairros de Goiânia, principalmente na região Noroeste. No mesmo sentido, Henrique Alves destaca a região entre o final da Praça da Nova Suíça até o final do Parque Anhanguera como outra localização interessante para o adensamento urbano com planejamento.
Revitalização
Conforme apontou Franco, o adensamento populacional é uma forma mais segura e benéfica em relação ao de massa construída. Por isso, ainda existem locais que podem aproveitar as estruturas já existentes de uma região para promover essa expansão. Em Goiânia, o maior exemplo disso está no Centro da capital.
Independentemente de diferenças (um está na situação e outra na oposição do governo municipal), Henrique Alves e Kátia Maria concordam que é necessário explorar iniciativas para revitalizar a região central. “O Centro é uma grande preocupação para o nosso Plano Diretor”, diz Alves, ressaltando que a prefeitura busca promover iniciativas para revitalizar o ambiente da região Central da capital. “O objetivo é trazer as pessoas de volta para morarem lá, mas preservando a parte histórica. Por isso, precisamos de incentivos porque vale a pena investir naquela localidade”, completa.
O vereador argumenta que o Centro possui a estrutura necessária para comportar esse adensamento, incluindo transporte público, educação, comércio, etc. Por isso, ele defende que o Paço Municipal continue a estimular isso, além de expandir essas iniciativas para outros bairros da capital goiana.
Autora do projeto “Viva o Centro”, aprovado em maio, Kátia também defende uma repaginada na região Central de Goiânia. Por isso, defende que sejam feitos investimentos em diversas áreas, incluindo mobilidade, seguranças, trabalho e sustentabilidade. Medidas para reverter o processo de abandono que a região está vivendo nos últimos anos.
Tadeu Arrais defende que o Centro já tem vida e que é povoado, por isso não é necessário uma revitalização. O que são necessárias, diz o professor, são medidas e programas que tornem a região atrativa para as pessoas. “Incentivos para os aposentados e comerciantes da região, incluindo isenção de impostos, além do mais importante, um amplo processo de reformulação das calçadas”, salienta o docente da UFG.