3 anos de Covid: vacina mudou cenário de pandemia
19 março 2023 às 00h44
COMPARTILHAR
Há três anos, os brasileiros se depararam com um dos maiores desafios relacionados à saúde pública registrados na história recente: a Covid-19. No decorrer desse tempo já se contabiliza mais de 760 milhões de casos em todo o mundo – no Brasil a soma passa dos 37 milhões. Apesar de grandiosos e de dar a dimensão da tragédia, esses números parecem não assustar mais.
Descoberto em Wuhan, na China, o coronavírus provocou 6,9 milhões de mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde(OMS). No Brasil, os óbitos se aproximam dos 700 mil. O país ocupa a 18ª posição do ranking mundial de mortes proporcionais pela doença.
O Brasil só perde para o Peru, que registrou 6.438 mortes por milhão. Já no número dos casos identificados, o Estados Unidos segue na liderança, com mais de 104 milhões de pessoas contaminadas.
Nos últimos três anos, o mundo lidou com lockdowns, fechamentos de fronteiras e diversas restrições. Apesar da sensação de normalidade, a pandemia ainda não acabou, segundo o próprio diretor-geral da OMS. “A percepção de que a pandemia de Covid-19 acabou é compreensível, mas equivocada. Uma variante nova e ainda mais perigosa pode surgir a qualquer momento, e um grande número de pessoas permanece desprotegido”, disse Tedros Adhanom à imprensa em junho de 2022.
Apesar disso, ainda segundo a OMS, em setembro de 2022, o número de mortes semanais relatadas por Covid-19 havia sido o menor desde março de 2020, começo da pandemia. Especialistas afirmam que há sim a possibilidade do fim da pandemia de Covid-19, mas é importante que a população conclua o esquema vacinal contra a doença e que sigam com algumas medidas de prevenção, como o uso de máscaras em transportes públicos e a continuidade do uso de álcool em gel.
Vacinas
Desde o surgimento da doença, uma força-tarefa mundial se desdobrou para produzir uma vacina eficaz contra o coronavírus. Ela começou a ser aplicada no mundo ainda no final de 2020 e no Brasil chegou no começo de 2021.
No que diz respeito à vacinação, o Brasil possui uma cobertura acima da média do mundo e das Américas, com 82% da população com o esquema primário completo e 58% com ao menos uma dose de reforço.
Ao contar a história da pandemia, o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, destaca que há muitas formas de dividi-la, e um dos principais marcos temporais que se pode apontar é antes e depois da vacinação. “Em 2021, a gente começou a vacinar muito lentamente no primeiro semestre. Foi o período em que a gente teve o maior número de mortes e a maior demanda por leitos hospitalares”, destaca. “A partir do segundo semestre 2021, quando a gente consegue avançar na vacinação, há uma mudança de característica da doença, que passa a ter uma gravidade muito menor do que foi durante esse primeiro período, com uma redução importante de mortalidade e no impacto sobre a rede hospitalar”, completa.
Alberto Chebabo, diz que as mudanças do próprio vírus são outra variável que moldou essa história. A partir de 2021, as variantes do coronavírus, especialmente a Gamma e a Delta, trouxeram um grande aumento de casos no Brasil, que se tornou ainda mais expressivo em 2022, com a chegada da Ômicron. Além de o vírus se disseminar mais rápido, os testes se tornaram mais acessíveis, o que também ajudou a elevar o número de diagnósticos de Covid-19, que antes estavam restritos a casos de maior gravidade.
“Uma terceira forma de dividir é que a gente teve, a partir do final de 2022 e início de 2023, a possibilidade de ter medicamentos incorporados ao SUS para que a gente possa tratar os casos com pior resposta à vacina”, diz Chebabo. “Apesar de a gente querer um tratamento precoce, rápido e específico para a doença, a gente demorou a achar. Precisou ter um desenvolvimento de novas drogas antivirais e anti-inflamatórias para que a gente pudesse ter a possibilidade de tratar precocemente a doença. Medicações que foram advogadas como salvadoras, como a cloroquina e a ivermectina, realmente não tinham nenhuma função.”
O conhecimento sobre o vírus, explica o pesquisador, foi outro ponto importante que reduziu a mortalidade da doença. Ainda no primeiro ano da pandemia, a descoberta de como manejar os casos de falta de oxigenação no sangue permitiu um tratamento clínico mais eficaz nas unidades de terapia intensiva (UTIs). A própria caracterização da Covid-19 como doença respiratória mudou ao longo do tempo.
“A gente aprendeu o espectro todo da doença. Não é uma doença apenas com um quadro respiratório agudo, é uma doença com quadros muito mais amplos, com quadros cardiovasculares, com risco de trombose, e com a Covid longa. Também tem impactos a médio e longo prazo”, explica ele, que cita mudanças neurológicas e também sequelas pulmonares como condições pós-covid que podem necessitar de tratamento especializado.
A chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Marilda Siqueira, destaca que a colaboração de cientistas de diferentes áreas se deu de forma acelerada durante a pandemia, e esse foi um fator fundamental ao longo da emergência sanitária. O laboratório chefiado pela virologista foi referência da OMS no continente americano e também participou do desenvolvimento de testes diagnósticos em tempo recorde.
“Assim que a OMS disse que se tratava de um coronavírus, um laboratório em Berlim disponibilizou o desenho de como seria o teste diagnóstico PCR. Então, Bio-Manguinhos contactou nosso laboratório e, em colaboração conosco, produziu em menos de um mês um kit diagnóstico. Com coordenação do Ministério da Saúde, fizemos um treinamento de todos os laboratórios centrais de Saúde Pública [Lacens], e, em 18 de março, os 27 estados brasileiros já estavam com um profissional treinado e com kit para diagnóstico de SARS-CoV-2. Poucos países conseguiram isso, que foi fruto de investimentos de décadas do Ministério da Saúde e Ciência e Tecnologia em Bio-Manguinhos”, conta ela.
Da mesma forma que os testes, a pesquisadora explica que as vacinas também foram fruto de investimentos e esforços cumulativos, o que desmonta a falácia de que foram produzidas “rápido demais”. “Isso aconteceu em um curto espaço de tempo porque já vínhamos com experiências e conhecimento científico acumulado de décadas. Imagina se a introdução do coronavírus tivesse sido há um século, como aconteceu com a gripe espanhola. Teria sido arrasador, porque as ferramentas não estavam naquele momento prontas como estavam neste momento, em 2020. O uso dessas ferramentas que a humanidade vem desenvolvendo foram pontos cruciais para diminuir o impacto da pandemia em um ano.”
Recuperação da economia
Depois de crescer 5% em 2021 e 2,9% em 2022, a economia brasileira já se recuperou do tombo causado pelo estouro da pandemia em 2020 e se encontra, atualmente, 4,5% acima do patamar anterior a ela, em 2019. Em 2020, o PIB brasileiro caiu 3,3%.
Com isso, o Brasil encerra esses ciclo de três anos de pandemia tendo tido a 21ª recuperação mais rápida em uma lista de 40 países.
O levantamento foi pela agência de classificação de risco Austin Rating a pedido da CNN e considera a queda e crescimento acumulado desde 2020 no PIB das principais economias do mundo.
Linha do tempo da Covid
31 de dezembro de 2019: OMS recebe a notificação sobre casos de pneumonia sem causa clara em Wuhan, na China.
10 de janeiro de 2020: OMS publica guia de orientações para países detectarem, testarem e gerenciarem potenciais casos da doença.
11 de janeiro de 2020: China informa sua primeira morte pela doença.
12 de janeiro de 2020: OMS compartilha o sequenciamento genético do novo coronavírus.
13 de janeiro de 2020: primeiro caso de Covid-19 — ainda sem esse nome — fora da China é detectado, na Tailândia.
30 de janeiro de 2020: OMS declara emergência global de saúde.
7 de fevereiro de 2020: morre o médico chinês Li Wenliang, que ficou conhecido por tentar alertar sobre o grande perigo da Covid nos primeiros dias da crise. Ele próprio foi infectado.
11 de fevereiro de 2020: doença causada pelo novo coronavírus é batizada como Covid-19, para designar algo como “doença do coronavírus 2019”.
23 de fevereiro de 2020: Europa vive sua primeira grande onda de infecções, na Itália.
26 de fevereiro de 2020: Brasil confirma seu primeiro caso, em São Paulo. Foi o primeiro caso conhecido na América Latina.
11 de março de 2020: a Covid-19 é caracterizada pela OMS como uma pandemia.
12 de março de 2020: primeira morte por Covid é registrada no Brasil, em São Paulo.
25 de maio de 2020: OMS suspende uso e testes com a cloroquina.
23 de agosto de 2020: EUA aprovam o uso da vacina da Pfizer, primeiro imunizante aprovado no país.
28 de setembro de 2020: total de mortes no mundo chega a 1 milhão.
8 de dezembro de 2020: primeira pessoa é vacinada no mundo, no Reino Unido, com o imunizante da Pfizer.
12 de janeiro de 2021: Fiocruz anuncia o sequenciamento da variante Gamma, que circulava em Manaus.
17 de janeiro de 2021: Brasil vacina primeira pessoa contra a Covid-19, com a vacina Coronavac em parceria com o Instituto Butantan.
22 de janeiro de 2021: primeiro lote de vacinas da AstraZeneca chega ao Brasil.
29 de abril de 2021: primeiro lote de vacinas da Pfizer chega ao Brasil.
31 de maio de 2021: OMS batiza como Delta a variante encontrada primeiro na Índia em outubro de 2020.
26 de novembro de 2021: descoberta da variante ômicron é anunciada pela OMS.
3 de fevereiro de 2022: Brasil bate recorde de número diário de infecções, com 298.408 casos confirmados em 24 horas.
7 de dezembro de 2022: governo chinês abandona parte das regras de sua política de “Covid zero”, com rígidas medidas de restrição de circulação de pessoas, após protestos populares. Casos no país escalam em um ritmo inédito e pesquisadores ao redor do mundo temem o surgimento de novas variantes do coronavírus.
30 de janeiro de 2023: a OMS decide manter o nível máximo de alerta para a pandemia de Covid-19, exatamente três anos depois de declarar a doença como uma emergência de saúde pública internacional.