Entenda como o pragmatismo de Lula “derreteu” o muro de Trump: “Ele gostou de mim, eu gostei dele”
22 novembro 2025 às 21h00

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A reaproximação entre os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Donald Trump (Republicanos) tem provocado repercussões políticas e econômicas relevantes para Brasil e Estados Unidos. O movimento, marcado pelo pragmatismo, abre espaço para novos canais de diálogo e reposiciona o Brasil no cenário internacional, ao mesmo tempo em que atende a pressões internas da economia norte-americana.
Desde o encontro entre Lula e Trump na ONU, quando o presidente norte-americano surpreendeu ao afirmar que estava “ele gostou de mim, eu gostei dele”, a relação bilateral ganhou novos contornos. O episódio, inicialmente visto com desconfiança, abriu caminho para uma comunicação oficial entre os dois governos, afastando intermediários ideológicos e fortalecendo a institucionalidade das relações.
A decisão do governo dos Estados Unidos, anunciada na última quinta-feira, 20, de retirar tarifas punitivas de até 40% sobre determinados produtos brasileiros, como carne, café, frutas e peças de aeronaves, tem efeito direto na redução dos custos de exportação e na ampliação da competitividade desses itens no mercado norte-americano. A ação tem sido vista como uma vitória para o governo brasileiro.
A medida, aplicada de forma retroativa a partir de novembro, beneficia principalmente setores ligados ao agronegócio, embora parte da indústria nacional, como a de máquinas e móveis, continue sujeita às tarifas adicionais. No campo diplomático, o ato é interpretado como um movimento de aproximação entre os dois países, com potencial para influenciar futuras negociações comerciais e políticas.
Fabrício Rosa
Ao Jornal Opção, o vereador por Goiânia, Fabrício Rosa (PT), disse que esse momento marca uma vitória diplomática clara para o presidente Lula e para o povo brasileiro. “Ele demonstrou que o Brasil pode negociar diretamente com os Estados Unidos sem abaixar a cabeça e sem se subordinar a uma relação vertical, como ocorreu no governo anterior”, disse.

O parlamentar apontou que Lula mostra que o diálogo entre países não é entre “capataz e patrão”, mas entre dois presidentes eleitos, de duas nações soberanas, capazes de defender seus interesses com firmeza, altivez e responsabilidade. “É o contrário do que vimos por parte do bolsonarismo, que tenta fazer da política externa uma espécie de extensão familiar, com Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo atuando como mensageiros particulares em território americano, trocando o PIB brasileiro por absolvição de Jair Bolsonaro”, afirmou.
Fabrício explicou que, ao conseguir reverter tarifas impostas por Trump contra o Brasil, Lula esvaziou uma parte importante da narrativa bolsonarista, que dizia ser a única ponte possível entre Brasília e Washington. “Mostrou que a diplomacia brasileira voltou a ser profissional, séria e respeitada no mundo. E mais: essa relação estratégica pode ter impacto direto na economia e, consequentemente, nas eleições de 2026”, afirmou.
“Certamente o produtor rural vai sentir melhora, a indústria vai voltar a exportar e o emprego crescer ainda mais. Os frutos dessa negociação vão deixar claro que, quem defende o Brasil de verdade, não é quem grita contra inimigos imaginários, é quem senta à mesa, olha no olho e defende os interesses do país com dignidade, altivez e respeito a nossa soberania”, finalizou.
Eduardo Bolsonaro minimiza
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) reagiu à recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reduzir parte das tarifas impostas sobre produtos brasileiros. Para o parlamentar, a medida não representa qualquer conquista da diplomacia brasileira, mas sim um reflexo de pressões internas na economia norte-americana.

Trump anunciou a retirada da sobretaxa de 40% aplicada aos principais itens agrícolas exportados pelo Brasil, como café e carne. Com isso, esses produtos passam a ser submetidos apenas à tarifa linear de 10%, válida para todos os países. A medida suaviza o tarifaço de 50%, imposto em agosto.
Segundo o presidente norte-americano, a decisão foi tomada após o início das negociações com o presidente brasileiro Lula, em outubro. Trump não fez referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ao contrário do que ocorreu quando instituiu o tarifaço, ocasião em que citou o julgamento do ex-mandatário como parte de uma suposta “caça às bruxas”.
Eduardo Bolsonaro, no entanto, minimizou o papel do governo brasileiro no episódio. “É preciso ser claro: a diplomacia brasileira não teve qualquer mérito na retirada parcial dessas tarifas de hoje. Assim como beneficiou outros países, a decisão dos EUA decorreu apenas de fatores internos, especialmente a necessidade de conter a inflação americana em setores dependentes de insumos estrangeiros”, afirmou em publicação nas redes sociais.
Para o deputado, além da pressão inflacionária, o cenário político das eleições nos Estados Unidos também influenciou a decisão de Trump, que busca aliviar custos em setores estratégicos para o consumo interno.
Especialistas
O Jornal Opção entrevistou dois especialistas que apontam que o gesto não representa afinidade pessoal, mas sim uma estratégia pragmática de ambos os lados: para o Brasil, ampliar competitividade e acesso ao mercado externo; para os Estados Unidos, reduzir pressões inflacionárias e reforçar a narrativa de liderança.
Ao Jornal Opção, o cientista político, Lehninger Mota, apontou que o governo brasileiro conseguiu uma virada desde o encontro na ONU. “Realmente o governo conseguiu uma virada desde o encontro na ONU, onde o Trump disse que estava se apaixonando. Aquela conversa abriu espaço para o diálogo e para um diálogo oficial, feito por nossos especialistas em relações internacionais e especialistas de relações internacionais dos Estados Unidos”, disse Lehninger Mota.

Ele destacou que a aproximação representa uma oportunidade de pragmatismo nas relações. “Uma oportunidade de ser pragmático nas relações, onde cada um defende seu interesse, onde cada um tem pode mostrar quais são os números, o que existe nessa relação, se tem 10, se não tem. O que é feito entre todos os países”, apontou.
O cientista político lembrou que houve um período de distanciamento. “Nós tivemos um momento em que o Trump não ouvia e não recebia o governo, nem os representantes do governo. Essa conversa ou interação sobre como estava a relação se dava por meio do Eduardo Bolsonaro ou de outros atores muito ligados à direita”, falou.
Ele ressaltou que o governo conseguiu trazer racionalidade às relações internacionais. “O governo conseguiu trazer racionalidade, trazer para o padrão das relações internacionais: governos conversando com governos. E, depois do encontro, muitos tinham medo de haver agressividade pelo lado do Trump. Não houve. Foi um encontro tranquilo”, disse.
Lehninger Mota mencionou rumores de bastidores sobre a intermediação empresarial. “Muitos dizem nos bastidores que o Joesley Batista, por ser um grande empresário, intermediou esse processo, dizendo: ‘Olha, eu preciso conhecer o Lula melhor’. Vamos dar uma oportunidade para eles se encontrarem”, apontou.
Ele explicou que o motivo da aproximação não é pessoal, mas econômico. “De fato, desse momento até agora, é claro que o que leva o Trump a conversar com o governo do Lula, os dois gabinetes exteriores dos Estados Unidos e do Brasil, não é um amor, uma virada ou uma guinada. É simplesmente o pragmatismo diante do aumento de impostos dentro dos próprios Estados Unidos”, falou.
O cientista político avaliou o estilo político de Trump. “Esse modo de assoprar e bater que o Trump faz em vários momentos não tem a ver com amor ou paixão pelos países. É pragmatismo econômico. Em vários momentos estamos vendo a popularidade do Trump cair porque os americanos são muito ligados à questão econômica”, disse.
Ele acrescentou que o custo de vida é central para os americanos. “Se estão pagando mais caro por produtos que estavam acostumados a pagar mais barato, por uma decisão do governo, eles não aceitam. Esse é o motivo que leva o Trump à negociação, a conversar, e não amor ou paixão pelo Lula. Em nenhum momento esse é um fator que interessa”, apontou.
Lehninger Mota destacou os reflexos eleitorais para Lula. “Eleitoralmente, o Lula ganhou destaque por defender o Brasil nessa relação. Isso o colocou em um patamar que as novas pesquisas já mostraram que parou de melhorar porque entraram em voga outros assuntos, como a segurança pública”, falou.
Ele observou que Lula construiu um legado político. “Ele ficou com esse legado de ser o patriota, defender os interesses do Brasil. Eleitoralmente, isso pesa. Ele conseguiu isolar o Eduardo Bolsonaro, que sumiu da mídia, porque era o interlocutor do Bolsonaro com o governo Trump e agora essa interlocução não acontece mais”, disse.
Por fim, o cientista político concluiu que o tema não deve ser central em 2026. “Ele isolou um adversário, mas tem vários outros problemas que ainda rondam. Para a eleição de 2026, essa provavelmente não será mais uma pauta”, apontou.
Aproximação pragmática
Ao Jornal Opção, Adriana Pereira de Sousa, que é economista, mestre em Desenvolvimento Regional e Doutora em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, apontou que a reaproximação entre Lula e Trump vai além de afinidades pessoais.

“A recente reaproximação entre os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump constitui um movimento diplomático que transcende leituras superficiais baseadas em afinidade pessoal. O que se observa é um realinhamento ancorado em interesses estratégicos, repercussões econômicas imediatas e impactos narrativos relevantes para ambos os países. Sob a ótica das políticas públicas e do desenvolvimento, o episódio revela uma inflexão importante no posicionamento do Brasil no cenário internacional”, disse.
Ela destacou que o primeiro elemento estrutural está na redefinição dos canais de diálogo. “A opção por estabelecer comunicação direta entre os governos, sem intermediários político-ideológicos associados ao período anterior, demonstra uma inflexão pragmática da política externa brasileira”, apontou.
A economista ressaltou duas implicações centrais dessa mudança. “Recupera-se a institucionalidade do relacionamento bilateral, reduzindo ruídos e subjetividades; e amplia-se a capacidade de negociação do Brasil ao reposicionar o país como ator autônomo, e não como extensão de interesses alinhados a um grupo político específico”, falou.
Segundo a especialista, o movimento também reconfigura narrativas internas. “Do ponto de vista da dinâmica política interna, o bolsonarismo, que historicamente se apropriou da retórica de alinhamento privilegiado com os Estados Unidos, perde força discursiva diante da evidência de que relações internacionais não são condicionadas por proximidade ideológica, mas por racionalidade estratégica e interesses econômicos concretos”, disse.
Ela acrescentou que a consolidação de um canal direto entre Lula e Trump esvazia argumentos personalistas. “A consolidação de um canal direto tira da tese de exclusividade e reposiciona o debate sobre inserção internacional em bases mais institucionais e menos personalistas”, apontou.
A especialista observou que os impactos econômicos são significativos. “No campo econômico, a retirada de tarifas de importação, em um primeiro momento de 10% e, agora, a retirada do percentual que ficou conhecido como ‘tarifaço’ de 40% sobre um conjunto superior a 240 produtos brasileiros, representa um marco significativo”, falou.
Ela explicou que setores estratégicos serão diretamente beneficiados. “A medida envolve cadeias produtivas estratégicas como carnes, café e frutas, setores que desempenham papel decisivo na estrutura econômica de diversas regiões brasileiras, especialmente no Centro-Oeste e no Sul”, disse.
A economista apontou que a remoção das barreiras fortalece o setor exportador. “A remoção dessas barreiras amplia a competitividade externa do Brasil e tende a gerar efeitos distributivos regionais importantes, sobretudo em localidades cuja dinâmica de desenvolvimento está fortemente associada ao desempenho do agronegócio”, apontou.
Ela destacou que, para os EUA, a decisão atende a pressões internas. “Para os Estados Unidos, a decisão atende a demandas vinculadas ao custo dos alimentos e à pressão sobre preços de maneira interna, um aspecto sensível no debate político-eleitoral norte-americano”, falou.
Segundo Adriana Pereira de Sousa, ambos os países obtêm ganhos políticos e econômicos. “Enquanto o Brasil se reposiciona comercialmente, os EUA mitigam pressões inflacionárias internas e reforçam sua narrativa de eficiência econômica”, disse.
Ela alertou para os desafios que acompanham as oportunidades. “Essa reaproximação coloca o Brasil diante de um conjunto de oportunidades e desafios. A ampliação do acesso ao mercado americano é positiva, mas é necessário evitar que esse processo reforce um padrão histórico de especialização em produtos primários”, apontou.
A especialista enfatizou a necessidade de adensamento produtivo. “O momento exige reflexão sobre mecanismos que promovam adensamento produtivo, agregação de valor e integração a cadeias globais mais complexas, que são elementos essenciais para uma estratégia de desenvolvimento sustentável e de longo prazo”, falou.
Ela avaliou que os efeitos eleitorais são evidentes. “A narrativa de eficácia diplomática tende a ser capitalizada pelo governo brasileiro e pode influenciar a disputa de 2026, especialmente em segmentos e regiões fortemente dependentes das exportações”, disse.
A economista acrescentou que Trump também capitaliza politicamente. “Ao mesmo tempo, Trump utiliza a medida como instrumento para reforçar sua imagem de negociador pragmático, transformando o episódio em ativo político”, apontou.
Ela sintetizou o movimento como pragmático e estratégico. “Em síntese, o movimento Lula–Trump não configura uma aliança estrutural ou um ‘casamento diplomático’, mas um realinhamento estratégico baseado em pragmatismo, interdependência econômica e leitura precisa do contexto político interno de ambos os países”, falou.
Segundo Adriana Pereira de Sousa, os ganhos são mútuos. “Para o Brasil, representa uma oportunidade concreta de reposicionamento internacional, reativação do diálogo institucional e fortalecimento do comércio exterior. Para os Estados Unidos, reforça a narrativa de liderança e responde as pressões econômicas domésticas”, disse.
Ela destacou o papel da racionalidade econômica. “Esse processo demonstra que a política externa, quando dissociada de disputas ideológicas e orientada pela racionalidade econômica, pode se transformar em instrumento efetivo de desenvolvimento e competitividade”, apontou.
Fieg
Para a Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), foi positiva a decisão do governo norte-americano de retirar tarifas punitivas de até 40% que incidiam sobre diversos produtos brasileiros. A medida, segundo a entidade, representa um passo importante para ampliar a competitividade das empresas goianas no mercado dos Estados Unidos e reforça a necessidade de avançar na agenda de eliminação de barreiras às exportações industriais.

Desde o início da imposição dessas tarifas, a Fieg, em articulação com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), atuou de forma constante na defesa do setor produtivo e na construção de canais de diálogo com autoridades americanas. Esse esforço, aliado às negociações conduzidas pelo governo brasileiro, foi decisivo para restabelecer um ambiente de cooperação e normalizar as relações comerciais entre os dois países.
Para a entidade, a retirada das sobretaxas traz alívio imediato às empresas exportadoras de Goiás, que vinham sofrendo com o encarecimento artificial de seus produtos nos EUA. O novo cenário abre espaço para maior estabilidade, reduz incertezas e amplia oportunidades de integração internacional, permitindo investimentos, expansão de negócios e preservação de empregos.
Apesar de celebrar o avanço, a Fieg ressalta que ainda há desafios a superar. Entre eles, a manutenção de tarifas sobre itens industriais estratégicos, como o açúcar orgânico e a vermiculita. A federação defende que o mesmo espírito de cooperação que resultou na atual decisão seja aplicado para remover barreiras que continuam limitando o potencial da indústria brasileira.
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