O nanismo é uma característica comum a mais de 740 displasias esqueléticas. O resultado é uma estatura muito abaixo da média da população da mesma idade e sexo. Cerca de 80% dos casos ocorrem por uma nova mutação genética na família, sendo, portanto, o primeiro caso na família. Também pode ser herdado de um dos pais. Acondroplasia é o tipo mais comum.   

A altura média de homens adultos com nanismo costuma ser de até 1,45 m, e a de mulheres, de até 1,40 m. No Brasil, o nanismo é reconhecido como deficiência física desde 2004, por meio do decreto nº 5.296. Pessoas com nanismo enfrentam desafios de acessibilidade e adaptação em espaços que não foram projetados para elas. A falta de informação e o preconceito também são barreiras significativas.

“Eu nasci contrariando a maior parte dos diagnósticos. O único que se confirmou foi o de nanismo. Durante a primeira parte da minha vida [infância], meus pais buscaram junto comigo entender o que isso significava. Eles me levavam para várias consultas, porque queriam entender o ponto de vista dos médicos em relação a isso, o que os médicos tinham a dizer e quais eram as possibilidades de tratamento”, diz Gabriel Yamin.

Gabriel é coordenador “Somos Todos Gigantes” e cofundador do INN | Foto: Michelly Matos

O acadêmico de Administração de Empresas hoje com 18 anos é coordenador do movimento “Somos Todos Gigantes”, que há 10 anos acolhe famílias de crianças com nanismo. Gabriel também é conselheiro e cofundador do Instituto Nacional de Nanismo (INN), que hoje engloba outros dois movimentos: Nanismo Brasil, que cuida dos adultos com nanismo e do recém-criado Displasia Diastrófica, que reúne um tipo de nanismo raríssimo.

Tudo começou com “uma carta a um Gigante”, que o pai, Marlos Nogueira, escreveu para Gabriel quando ele tomou conhecimento de sua deficiência física. E, incentivados por amigos, surgiu em 2015 a hashtag #somosTODOSgigantes e um perfil no Instagram. A ideia era falar sobre o preconceito, empatia e desmistificar o assunto nas redes sociais. Eles foram a primeira família a falar sobre o nanismo nas redes e hoje atendem mais de 5 mil pessoas no Brasil. 

O gigante Gabriel explica que a mãe Juliana Yamin recebeu o diagnóstico na 32ª semana de gestação. “Ela brinca que o médico ‘vomitou’ o diagnóstico. Falou que iria nascer com problemas nos braços, nas pernas, na cabeça, no cérebro, nos dois rins e que teria até demência. Foi um choque muito grande e quando ela começou a pesquisar sobre o nanismo, viu que não tinha, na verdade, informação”.

A falta de informações mobilizou toda a família a ponto de irem ao Senado. Gabriel tão pequenino, aos 8 anos foi com os pais na audiência pública, que tratou da criação do Dia Nacional de Combate ao Preconceito, as pessoas com nanismo – dia 25 de outubro. Tímido e discreto, o menino começou a inspirar outros, que compartilhavam de histórias similares. “Se não fosse o Biel, nós seríamos uma família de cinco pessoas e com ele somos mais de 5 mil pelo Brasil. Que bom que ele veio e que veio para nós”, disse Juliana Yamin.  

A família de Gabriel Yamin | Foto: Michelly Matos

Quando o assunto é acessibilidade, o que Gabriel espera é muito além dessa arquitetônica que estamos acostumados a ver em órgãos públicos, museus, cinema, shopping e tantos outros espaços. Estamos falando de rampas, corrimão, elevador, entre vários outros. O que o jovem sonhador espera é uma mudança substancial sobre a acessibilidade atitudinal. “Essa é a parte mais importante e a mais difícil de ser resolvida”, enfatiza o cofundador do INN.

“A pessoa com nanismo quer é se sentir pertencente a um ambiente. Poder frequentar sem ser alvo de nenhum tipo de discriminação. E a gente vê que isso é muito difícil, porque o nanismo, ao longo dos anos, foi visto como uma deficiência que é motivo de piada por si só”, explica Gabriel Yamin.

O que o acadêmico de Administração de Empresas se refere é a discriminação gratuita em ambientes públicos. “Eu quero usufruir de um ambiente e sou discriminado, simplesmente, por ser quem eu sou. Por ter uma deficiência, então o meu acesso a esse ambiente fica mais dificultado. Essa é a nossa principal dor.”

Resiliência

Outro acadêmico, porém, do curso de Direito é o João Ferreira da Rocha, carinhosamente chamado por Joãozinho. Hoje com 19 anos, precisou ser resiliente as adversidades da vida. Do abandono na infância, a superação no amor recebido dos pais que o adotaram. Ele sempre foi cercado por olhares, que dizem muito sobre a falta de empatia. “Olhar de piada. Olham pra mim e falam: olha o anão.”

Joãozinho nos corredores da PUC-GO onde cursa Direito | Foto: Arquivo Pessoal

A falta de acessibilidade, segundo ele, é o mais difícil de lidar. Até mais do que esses “olhares de reprovação”, que ele aprendeu tirar de letra. Na academia mesmo que frequenta, tem alguns aparelhos que ele não consegue usar e outros que precisa improvisar. Fora o que ele analisa ser a parte mais chata, dentro de um ambiente onde as pessoas são tão acostumadas a revezarem as séries de exercícios no mesmo aparelho.

“Comigo não é possível ficar revezando, pela minha baixa estatura. Eu tenho que modificar todo o aparelho para a minha altura, para o peso que eu aceito. Então, essa questão do revezamento me doí, porque os outros frequentadores da academia não compreendem a minha situação.”

Joãozinho explica que todas as pessoas com nanismo podem ir e vir para qualquer lugar. Ele mesmo anda de ônibus com frequência e percebe que muitos ali dentro do transporte público não sabem que ele tem direito a uma cadeira preferencial. “Se olharmos para os dias atuais, muito se discute sobre igualdade de gênero. Não discordo, concordo plenamente. Tem que ter a igualdade de gênero sim, porém precisamos discutir sobre equidade de pessoas”, enfatiza.

Joãozinho e os colegas durante aula de Direito | Foto: Arquivo Pessoal

Um exemplo simples, que o estudante de Direito deu para que a população entenda o que é equidade, é sobre um show.

“Onde um homem de 1,70 m vai ter o mesmo prazer de assistir um show que uma pessoa de 1,36 m como eu. Onde uma mulher também se sinta respeitada em estar nesse local, sem que algum homem ou alguém abuse dela. De forma física, sexual, moral e afins. Então, cidade ideal para mim é isso”, define.

Falando em mulher, pensa em uma de fibra, que trabalha todos os dias, cuida da família e ainda é conselheira do INN. Essa mulher de história inspiradora, pela superação transformada em alegria, se chama Maria Thereza Coelho. Com 41 anos e casada há 19 anos, viu o pai um dia chorando achando que a filha nunca iria “conseguir” um namorado, imagine um marido.

Natural de Goiânia, se mudou para a cidade de Catalão aos 13 anos, juntamente, com os pais devido à sua mãe querer voltar para a cidade natal dela. Nesse novo município cresceu, namorou e se casou com o Marciel e tem três filhos. Anna Clara, com 17 anos, que não tem nanismo, Pietro de 16 anos e Laura de 8 anos, ambos com nanismo. “Meu marido também não tem nanismo. Ele é um homem dedicado, trabalhador, um excelente pai e marido”.

Maria Thereza Coelho e os três filhos | Foto: Michelly Matos

“Hoje, a maior dificuldade, quando se diz acessibilidade para mim, não é da questão do sair da minha casa e do meu trabalho, nem trabalhar e nem voltar para casa. A maior dificuldade que eu tenho hoje é, sim, na própria cidade. Infelizmente, por mais que existam leis, que obriguem a adaptabilidade de mesas e bancadas para recepcionar pessoas com deficiência, na prática, elas não são cumpridas”, diz indignada.

Para Maria, os piores lugares na visão dela são os hospitais e unidades de saúde de Catalão. “Aqui tem um Pronto Atendimento Infantil (PAI) com um balcão muito alto. Além disso, existem alguns supermercados próximos daqui de casa que a máquina de passar o cartão fica no alto, sem condições da gente conseguir pagar”, explica.

Um dia Maria Thereza se chateou e fez a reclamação para a funcionária do caixa do supermercado. “Eu perguntei como iria pagar e ela arrancou a maquininha do suporte e me deu para passar o cartão. Fiz o pagamento, mas questionei-a: ‘Toda vez, vocês vão arrancar a maquininha daí?'” Segundo a conselheira do INN, eles adaptaram. Colocaram o código QR Code para PIX. Só que a máquina de cartão continua lá no alto.

Maria Thereza Coelho e Gabriel Yamin | Foto: Michelly Matos

Sobre a falta de acessibilidade do PAI, a prefeitura de Catalão, por meio de nota, afirmou que “está elaborando um projeto para adequar todas as unidades de saúde do município, incluindo o Pronto Atendimento Infantil (PAI), às normas de acessibilidade.” Além disso, afirma que a atual gestão tem “compromisso com a inclusão e com a melhoria contínua da infraestrutura dos serviços públicos de saúde.”

Até quando?

Os desafios encontrados pelas pessoas com nanismo são muitos e já começam desde a idade escolar, passando pela fase adulta e os 60+. Segundo o IBGE, no Brasil, estima-se que seja uma pessoa com nanismo para cada 10 mil habitantes. A falta de dados mais específicos, dificulta a proposição de políticas públicas. A acessibilidade para essas pessoas não existe, ou são restritas. Muitos reclamam que acabam usando as adaptações voltadas aos cadeirantes e que não atendem aos tipos de nanismo, que existem.

“O direito de ir e vir é o direito primordial de qualquer ser humano. E na nossa comunidade, especificamente, a gente enfrenta um desafio grande das pessoas. Como a questão da baixa estatura está totalmente relacionada à questão do humor, daquele humor pejorativo e tudo, a gente enfrenta um desafio ainda maior do que as outras deficiências físicas”, enfatiza a especialista em Neurociência e Comportamento, Juliana Yamin.

Psicóloga do INN, Izabela Ganzer | Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com Juliana, o primeiro desafio é desconstruir esse estereótipo do anão e da piada e, assim, construir um olhar empático. “A sociedade deve reconhecer que essas pessoas têm todos os direitos que qualquer ser humano tem, especialmente, os com deficiência. E que nós, que não temos a deficiência, que somos as pessoas responsáveis por garantir a eles o acesso, a acessibilidade aos espaços e aos serviços que eles precisam no dia a dia”, enfatiza.

Ainda segundo Juliana, infelizmente, muitas pessoas com nanismo são agredidas quando entram numa fila preferencial. “O segundo ponto é entender que não é só sobre a altura. Eles têm comorbidades, complicações de saúde muito sérias. Então, essas pessoas convivem com um esqueleto totalmente deformado e fora do padrão comum. São pessoas que, desde a primeira infância, lidam com dores crônicas”.

Para a especialista, uma das ferramentas mais inclusivas e que é mais importante na acessibilidade, chama-se gentileza. “Ao enxergar uma pessoa com nanismo, não é super protegê-la, porque eles são pessoas independentes. Mas quando a gente entende, como comunidade, que em algum momento eu possa perguntar: ‘Como ajudar?’ Muitas barreiras serão superadas. Também precisamos começar a entender que não é mimimi e, que sim, essas pessoas têm direitos respaldados em lei e nós precisamos superar esse estereótipo do que está lá atrás, do anãozinho da piada. Para olharmos para eles como seres humanos”, finaliza.  

Psicóloga do INN, Izabela Ganzer | Foto: Arquivo Pessoal

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