1 milhão de turistas devem passar pelo Araguaia em julho

02 julho 2023 às 00h00

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Julho em Goiás, o rio que faz parte da vida e do imaginário dos goianos é pauta obrigatória. Afinal, como já dizia o jingle imortalizado nas campanhas publicitárias de uma rede de supermercados na década de 90: “Chegou o mês, vai começar tudo outra vez. O bicho homem vem com sua tralha, pra sujar o Araguaia”. E quase 30 anos depois, as palavras cantadas pelos bichos ainda são muito atuais.
De acordo com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o trabalho de fiscalização na região do Rio Araguaia já foi intensificado nesta temporada e só nas últimas duas semanas, já foram lavrados 23 autos e aplicadas multas no valor total de R$ 63,5 mil por pesca ilegal em Aruanã.
Comparando com o período anterior ao trabalho dos fiscais, a Semad registrou um aumento de 96% no volume de pescado apreendido e de 55% na lavratura de autos por irregularidades na atividade de pesca. Durante a fiscalização, também foi resgatada uma tartaruga que havia sido capturada. Diversos equipamentos utilizados pelos infratores foram recolhidos, incluindo carretilhas, molinetes, varas de pesca, redes, canoas e motores.

Além disso, ainda nas duas últimas semanas, cerca de 90 kg de pescado foram apreendidos, dos quais 68 kg foram doados ao Abrigo de Idosos São Paulo Apóstolo. E, durante a temporada, por conta do aumento do fluxo de turistas, o órgão vai ampliar a fiscalização na região, em especial no Alto Araguaia.
Segundo a Semad, devem passar pelas praias do Araguaia 1 milhão de turistas no mês de julho. Por conta do aumento do fluxo de pessoas na região, políticas públicas foram pensadas para melhorar a segurança, promover a conscientização ambiental e gerar emprego nos municípios banhados pelo rio. Só o Governo de Goiás investiu R$ 14 milhões em ações desse tipo nas cidades de Aragarças, Britânia, Aruanã, Nova Crixás e São Miguel do Araguaia.
Turismo aquecido
Aruanã é a cidade goiana à beira do Araguaia com mais estrutura. Possui aeroporto, hospitais, restaurantes e uma boa rede hoteleira. Para a temporada do mês de julho, devem passar por lá 500 mil pessoas, metade do que o governo do Estado espera para toda a região. O número é maior do que o ano passado, quando passaram pelo local 420 mil turistas nesse período. Gente de todo o canto de Goiás e de outros Estados desembarcam nas praias de água doce que se formam nas margens do Rio Araguaia nessa época do ano.
Segundo a secretária de Turismo de Aruanã, Priscilla Godoy, em julho, o foco na região é o turismo náutico e os turistas se dividem entre os acampamentos familiares e os de hotelaria. A Praia do Cavalo, que fica em frente ao porto da cidade, também fica cheia de gente que lota os bares e passam o dia por lá. Na cidade, casas de veraneio e hotéis também são uma opção pro turista que não abre mão do conforto.

A pesca é permitida no rio entre os meses de março e outubro – de novembro a fevereiro, durante a piracema, é proibido pescar no Araguaia -, mas por conta do alto fluxo de barcos nessa época, a secretária de Turismo reconhece que não é período mais propício para quem vai ao Araguaia pra pescar. “Até dá pra pescar, principalmente em locais mais afastados. Mas o volume de peixes fica menor pelo movimento que é grande”, avisou.
O turista chega no Araguaia em julho, mas quem monta os ranchos precisa ir antes ao local. Entre o fim de abril e o início de maio, que é quando começam a surgir as praias, as pessoas vão até a cidade para escolher o local em que vão montar o acampamento. “É preciso demarcar o ponto, pegar a localização GPS, montar um projeto de rancho com a metragem exata e pedir autorização para a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), que, nesse período, monta um posto de atendimento na cidade para realizar os trâmites legais.
As praias são de responsabilidade do governo federal e a SPU é o órgão responsável por fornecer a licença de três meses para quem deseja montar um acampamento que tenha a estrutura com rancho de palha e madeira, além de banheiros. E se alguém for flagrado em uma ocupação irregular, é responsabilidade da Marinha do Brasil, desmontar esses acampamentos. “Mas quem tem uma tenda e deseja passar o dia na praia, é liberado. Não precisa de autorização”, explicou.
Para tentar minimizar o impacto ambiental causado pelo grande número de turistas que lotam a região, o município oferece o serviço de coleta de lixo nas praias. São seis embarcações que sobem e descem o rio todos os dias para garantir que os descartes não vão parar no rio. Além disso, também são feitas ações pedagógicas com crianças nos acampamentos.
“Por mais que nós façamos bastante campanha, ainda existem pessoas que não têm a educação ambiental devida. O Araguaia é o coração de Aruanã, sem ele, a cidade não existe”, declarou a secretária ao mostrar sua preocupação com a preservação do meio ambiente. Justamente por isso, ela lembra que ações conjuntas das forças policiais ajudam a garantir a segurança do rio, dos animais e dos visitantes.
Delegado defende convivência harmoniza do turista com o rio
O delegado Luziano de Carvalho, da Delegacia de Meio Ambiente (Dema), já atua na área há mais de 20 anos. Em 1999, ele começou um projeto de integração na região que envolveu desde os produtores rurais até os povos indígenas para garantir a preservação do rio. De lá pra cá, ele acredita que houve um avanço. “Hoje o turista não destrói e tem uma convivência harmoniosa com o rio. Todo mundo já sabe o que é certo e o que é errado”, garantiu.
Para Luziano, a natureza precisa ser protegida. “O Araguaia, desde o Parque das Emas até a Ilha do Bananal, é o maior cartão postal que os povos do cerrado têm pra mostrar para o Brasil e pro mundo”, sugeriu. Justamente por isso, ele aposta em um turismo democrático mais consciente como o caminho da preservação.
No entanto, o delegado acredita que ainda há muito a ser feito. “As pessoas têm que levar a carteirinha de pesca, mas também a consciência ambiental. Quantos animais são atropelados nas rodovias que levam as pessoas até o Araguaia e ninguém fala nisso?”, questionou. Além disso, outro problema cultural, segundo ele, é o uso de foguetes nos acampamentos. “É terrível. Para o animal silvestre é muito ruim”, alertou.

Luziano relata que tem recebido diversas denúncias de animais que são mortos a tiros a região da bacia do Rio Araguaia. “Todos os dias recebo notícias de jacaré morto, anta boiando no rio. Todos matados a bala. Gente irresponsável está usando arma para matar animais silvestres de forma cruel”, disse. E, para o delegado, em pleno 2023, não dá mais pra alegar desconhecimento sobre qualquer questão ambiental. “Com normas simples, possíveis de serem seguidas, podemos preservar o rio”, afirmou.
Entre os crimes mais comuns da região da bacia Araguaia, Luziano lista o desmatamento, a poluição da água e o desvio do leito por meio de drenos. “A pesca predatória também precisa ser combatida, mas nessa época o rio está cheio de gente, nem tem como pescar dessa forma”, destacou. Além disso, o delegado lembra que as principais nascentes do rio estão recuperadas. “Aquelas grandes voçorocas que amedrontavam, hoje estão estabilizadas”, comentou.
E caso alguém queria denunciar qualquer irregularidade, basta ligar no 197, da Polícia Civil. “Estamos prontos para agir no combate ao crime ambiental. Quem causou o dano ao meio ambiente tem a obrigação de reparar”, avisou Luziano.
Ações de revitalização
A Semad tem investido na conservação e implementação das unidades de conservação desde o início de sua gestão, incluindo o Parque Estadual do Araguaia (PEA), criado em 2002 pelo Decreto n.º 5.631. A unidade de conservação de proteção integral, com uma área de 4.611 hectares, está localizada próxima ao povoado de Luís Alves, no município de São Miguel do Araguaia, a cerca de 532 km de Goiânia.

O parque está situado na bacia hidrográfica do Araguaia, em uma área de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, caracterizada por alta diversidade biológica. Ele desempenha um papel importante na preservação das nascentes, mananciais, flora, fauna e belezas cênicas da região. Fora da temporada, durante o período de dezembro a abril, o parque se torna uma área alagável, abrigando uma grande quantidade de aves residentes e migratórias, bem como outras espécies ameaçadas de extinção, como o cervo-do-pantanal, onça-pintada e queixada.
Além do PEA, a Semad também administra outras duas unidades de conservação na bacia do Rio Araguaia: a Floresta Estadual do Araguaia, com uma área de 8.202,81 hectares, localizada próxima ao povoado de Luís Alves, no município de São Miguel do Araguaia, e a Área de Proteção Ambiental do Encantado, com uma área de 7.913,97 hectares, localizada no município de Baliza.
Hoje Goiás possui o maior programa de revitalização de bacias hidrográficas em curso no Brasil e esse trabalho é feito no Rio Araguaia. Com o nome de “Juntos Pelo Araguaia”, a ideia é conscientizar a população e promover uma mudança comportamental, mudando a forma como as pessoas se relacionam com o meio ambiente.
O Juntos Pelo Araguaia abrange 12 municípios no Mato Grosso e 16 em Goiás e a meta do projeto é a de recuperar pelo menos cinco mil hectares. Até o momento, houve o plantio de cerca de 109 mil mudas em 228 hectares. Também foram executadas ações de conservação do solo implementadas em 70 hectares no município de Santa Rita do Araguaia e o plantio e condução de 15,5 mil mudas em Piranhas, cidade por onde passa um rio de mesmo nome que desagua no Rio Caiapó, que é afluente do Araguaia.
O programa envolve, além da Semad, instituições executoras e a iniciativa privada que, de forma espontânea, faz doações ou participa por meio de conversão de multas ou compensação ambiental. Juntos, prometem somar esforços para recuperar o solo da bacia do Araguaia.
Pra finalizar, nada melhor que resgatar as palavras finais do jingle do mercado – que nem existe mais – que ficou no imaginário do goiano e que deixou o aviso aos turistas que visitam todos os anos o Rio Araguaia: “Não jogue lixo na nossa casa, essa beleza é pra todo mundo. Ô, bicho homem, vê se não arrasa!”