Antes mesmo de entrar em vigor, o anúncio da sanção tarifária de 50% contra o Brasil, do presidente norte-americano Donald Trump, já surte efeito na economia brasileira.  A medida, que deverá entrar em vigor no dia 1º de agosto, provocou cancelamentos, suspensão de encomendas e paralisações em setores estratégicos mesmo antes de ser formalizada, gerando preocupação entre empresários, estados exportadores e autoridades do governo federal. 

A tarifa tem criado um ambiente de instabilidade e retração, atingindo desde produtos agrícolas e alimentos até segmentos industriais. O receio de que cargas cheguem aos Estados Unidos após a implementação das novas taxas levou importadores a cancelar contratos, enquanto fabricantes brasileiros reduzem a produção para evitar prejuízos. 

Frigoríficos em MS 

No Mato Grosso do Sul, quatro frigoríficos suspenderam temporariamente a produção destinada ao mercado norte-americano: JBS, Naturafrig, Minerva Foods e Agroindustrial Iguatemi. A paralisação foi confirmada pelo sindicato estadual das indústrias do setor e pelo governo local. 

Os Estados Unidos são o segundo maior comprador da carne brasileira, respondendo por 12% das exportações — atrás apenas da China, com 48%. A alta repentina de 50% nos impostos ameaça a competitividade do produto, que até então figurava como um dos mais baratos no mercado global. O setor de piscicultura também está em alerta: cerca de 99,6% da tilápia produzida no estado tem como destino os EUA. 

Mel em PI 

A produção de mel orgânico no Piauí sofreu impacto imediato, com o cancelamento de encomendas que somam mais de 500 toneladas. A decisão, tomada por compradores norte-americanos em 9 de julho, afeta diretamente o Grupo Sama, empresa que reúne a produção de cerca de 12 mil apicultores do Nordeste. O mel precisou ser recolhido e armazenado em câmaras refrigeradas, elevando os custos e gerando incerteza para um dos principais estados produtores do país. 

Madeira em PR 

A indústria madeireira BrasPine, de Jaguariaíva, Paraná, anunciou férias coletivas para 700 trabalhadores. Os Estados Unidos representam 42,4% das exportações brasileiras de madeira, o que torna o setor altamente vulnerável à medida anunciada por Trump. O Paraná é um dos líderes na produção florestal, com mais de 400 mil empregos diretos e indiretos vinculados à cadeia madeireira. Móveis exportados do Rio Grande do Sul também começaram a enfrentar suspensões nesta semana. 

Pescados no Porto do Nordestes 

Apenas 24 horas após o anúncio, mais de 58 contêineres de pescados — entre peixes, camarões e lagostas — foram desembarcados dos navios que seguiriam para os EUA. As cargas estavam nos portos de Salvador (BA), Pecém (CE) e Suape (PE). O Brasil exporta pescados para os Estados Unidos há mais de um século, sendo que 70% da produção nacional destinada ao mercado externo tem como destino o território norte-americano. 

Rochas naturais em ES 

Empresas do Espírito Santo que exportam mármore e granito suspenderam os embarques após pedidos dos importadores americanos. O estado é responsável por 82% da receita gerada pelo setor de rochas naturais no país, e cerca de 66% dos embarques têm os EUA como destino. O governador Renato Casagrande reuniu-se com o vice-presidente Geraldo Alckmin para discutir alternativas, enquanto o governo federal articula um comitê para ouvir os setores atingidos. 

Outros impactos 

A Embraer, fabricante de aeronaves com sede no Vale do Paraíba (SP), estima perdas de até R$ 20 bilhões até 2030 se a tarifa se concretizar. Os Estados Unidos representam 45% das vendas de jatos comerciais e 70% dos jatos executivos da empresa. A direção da companhia já sinalizou possível corte de investimentos e risco de demissões. 

A indústria de suco de laranja, um dos carros-chefes das exportações agrícolas brasileiras, teme retração significativa. O Brasil é líder global no segmento, e a cadeia produtiva emprega cerca de 200 mil pessoas. A esperança de empresários é que consumidores e indústrias americanas pressionem por revogação da medida. 

Alerta em SP 

Segundo estudo do Núcleo de Modelagem Econômica e Ambiental da UFMG, o estado de São Paulo será o mais impactado. Em cidades como Sorocaba, onde 8,5% das exportações têm como destino os EUA, o temor é de desemprego e quebra de contratos. Itapetininga e Piracicaba também apontam para prejuízos no agronegócio, na indústria automotiva e na fabricação de equipamentos agrícolas. 

O Porto de Santos, principal via de exportação de café para os Estados Unidos, já projeta queda de movimentação e perda de até R$ 145 milhões em receita, além de riscos para centenas de empregos diretos e indiretos. O café brasileiro, que hoje paga uma tarifa de 10%, poderá sofrer uma elevação de 400%, tornando o produto inviável naquele mercado. 

Em Pernambuco, há preocupação com a exportação de uvas frescas, cana-de-açúcar e estruturas metálicas — todos produtos com alto volume de venda para os EUA. 

Antes de vigorar 

A escalada tarifária proposta por Trump acendeu um sinal vermelho para o comércio exterior brasileiro. Mesmo antes de entrar em vigor, a medida já provoca efeitos concretos sobre indústrias, empregos e divisas. Enquanto o governo federal tenta reagir com articulações diplomáticas, empresários e governos estaduais se organizam para mitigar os danos e buscar novos mercados. A dúvida que paira é se haverá recuo ou se o Brasil entrará em uma nova fase de restrição comercial com seu maior parceiro econômico das Américas. 

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