Doação de área de 37 mil m² ao Goiânia Esporte Clube pelo Paço coloca vereadores em xeque

09 junho 2024 às 00h00

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Com informações de Cilas Gontijo
Embora alertados pelo jurídico da Câmara Municipal de Goiânia, os vereadores armaram uma bomba enviada pelo Paço que deve retornar para Casa e gerar consequências para o próprio Legislativo. Em 15 de maio, os parlamentares aprovaram o Projeto de Lei (PL n° 431/2023), que autoriza a cessão de uma área de 37 mil metros quadrados para o Goiânia Esporte Clube a pedido da Prefeitura. No entanto, a Lei Complementar nº 78/1999 limita a doação de terrenos públicos em até 2 mil m² para particulares.
O parecer do procurador-Geral da Câmara de 11 de dezembro de 2023, que alertou sobre a ilegalidade, foi ignorado pelos dois relatores do projeto na Casa. O primeiro foi elaborado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) da Casa pelo vereador Léo José (SDD), que é sobrinho do atual presidente do Conselho de Administração do Goiânia EC, Ibrahim Arantes – irmão do secretário de Governo da Prefeitura de Goiânia, Jovair Arantes.
Procurado pelo Jornal Opção, Léo José rechaçou que a decisão seja por vínculo de parentesco. “Não tem a nada ver. Segui a orientação da base. Na Comissão de Habitação e Urbanismo, o vereador Anselmo relatou a favor”, disse. Em relação ao seu próprio relatório, ele salientou que se guiou pelo entendimento da procuradoria-geral da Prefeitura, feita por José Carlos Ribeiro Issy. No entanto, o parecer da PGM chega a pedir atenção ao artigo 41 da Lei Orgânica do Município e a LC 78/99, que “devem ser atendidos, sendo necessário, ainda, haver interesse público na medida, cuja decisão discricionária cabe ao senhor prefeito municipal”.
Doar área para time de futebol, que tem milhões de outras possibilidades de adquirir recursos para montar as suas estruturas
Maria Ester, arquiteta e urbanista
Ao Jornal Opção, Issy acrescentou que “a Câmara Municipal é dotada de competência constitucional para legislar a respeito das matérias constitucionalmente previstas como de sua atribuição, dentre as quais se encontram leis autorizativas de outorga de permissão de uso, como a presente”. O procurador foi indagado por um suposto erro na minuta da lei para a sanção ou veto, uma vez que autoriza a cessão da área do setor Sítios de Recreio Mansões Campus, mas também revoga no artigo 4º a área do setor Moinho dos Ventos, para uso particular, porém não esclareceu se houve erro.
“Porém, importante registrar que, a norma ora em debate, acaso aprovada em definitivo, seria meramente autorizativa, isto é, ainda teria de passar pelo crivo de discricionariedade do Senhor Prefeito Municipal a respeito se seria a medida que melhor atende os interesses da coletividade, a qual, porém, em qualquer caso, teria de respeitar as já mencionadas regras da Lei Orgânica do Município e da Lei Complementar nº 078 de 1999”, arrematou.
Já o relatório do procurador da Câmara, partiu do entendimento inicial da PGM e sugeriu que não fosse aprovado o PL. “Todavia, observe-se que a LC nº 78/99 limita a disposição de área pública em favor de particulares, por meio da permissão de uso, a 2.000 m² (dois mil metros quadrados) por entidade beneficiária, enquanto a propositura pretende autorização legislativa para a disposição, por meio de permissão, de uma área de 36.763,07 m²”, escreveu.
“Nesse ponto, a proposta é contrária à legislação vigente, o que obsta sua aprovação na forma em que apresentada, em que pese o nobre propósito e a relevância da iniciativa”, escreveu. Porém, mesmo assim o projeto foi aprovado em duas sessões na Câmara e foi encaminhado ao Paço no dia 20 de maio. Pelo prazo, o prefeito terá 15 dias úteis para sancionar ou vetar, ou seja, até a próxima quarta-feira, 12. Todavia, interlocutores do Legislativo desconfiam que a Prefeitura deixará o prazo decorrer para a lei entrar em vigor automaticamente. Caso isso ocorra, conforme a Lei Orgânica do Município (Art. 94, § 8º), caberá obrigatoriamente a promulgação pelo presidente ou vice-presidente do Poder Legislativo, neste caso dos vereadores Romário Policarpo (PRD) e Thialu Guiotti (Avante), respectivamente. Ambos foram consultados caso o PL retorne para promulgação da Casa, mas não se manifestaram.
Ainda, se o vínculo de parentesco influenciou na iniciativa do projeto, a reportagem tentou contato com Jovair Arantes, que é irmão de Ibrahim Arantes – presidente do Conselho de Administração do Goiânia, mas não houve retorno. O Jornal Opção não conseguiu contato com Ibrahim. Já o diretor do Goiânia, Alexandre Godoi, atendeu inicialmente e disse que “a área de 37 mil metros quadrados ainda não é adequada para a construção de um estádio”, que precisaria ser maior. “A área do Atlético é de mais de 40 mil metros quadrados”, comparou”. Como a ligação estava ruim, ele pediu por mensagem que fosse feita nova ligação às 17h de sexta-feira, 7, porém no horário sugerido não houve mais comunicação.

Votações nas comissões
Na CCJ, votaram favoráveis os vereadores Denício Trindade, Ronilson Reis, Sabrina Garcêz, Thialu Guiotti e Léo José. O único a votar contra foi o vereador Willian Veloso. À reportagem, o parlamentar explicou que foi contrário à proposta, devido ter mais de oito pedidos de pequenos terrenos por entidades sem fins lucrativos e que não consegue nem pautar, mas estranhou quando um enorme terreno avançou tão rápido para a aprovação na Casa.
Para se ter ideia, depois da primeira votação em plenário, o texto foi aprovado na Comissão de Habitação, Urbanismo e Ordenamento Urbano (CMHUR), com emenda modificativa, que trocou a área de 36.763,07 m², localizado na Avenida Toronto com Rua MDV-21, no setor Moinho dos Ventos por outra área de 37.481,70 m², localizada na Avenida Dom Pedro I, Sítios de Recreio Mansões Campus, foi apresentada em substituição. A estimativa de preço para o terreno é de quase R$ 4 milhões.
Neste colegiado, foram favoráveis a cessão o relator Anselmo Pereira, Cabo Senna, Raphael da Saúde e Sabrina Garcez. No entanto, o texto já não era mais o mesmo. A reportagem conversou com o presidente do colegiado, vereador Pedro Azulão, mas ele afirmou que consultaria o advogado sobre o assunto, quando foi novamente procurado, não se manifestou.
Tramitação
No entanto, a CCJ da Câmara aprovou a área do Moinho dos Ventos, que passou pela primeira votação, mesmo sob protestos de alguns vereadores, que apresentaram vídeos da importância da área. Em parte, a pressão surtiu efeito e na CMHUR, o relator do projeto, vereador Anselmo Pereira (MDB), apresentou uma emenda modificativa para substituição das áreas.
“Considerando que a área informada no presente projeto de lei foi inviabilizada por manifestação popular, portanto encaminhamos outra área para que o Goiânia Esporte Clube possa viabilizar a construção da nova sede do clube e seu centro de treinamento. Considerando a manifestação técnica e jurídica informamos que foi anexado o croqui da referida área para apreciação”, justificou Anselmo Pereira.
Sobre o projeto ter sido emendado para substituições de áreas após a primeira votação, durante tramitação na CMHUR, o presidente da CCJ, Henrique Alves, afirmou ao Jornal Opção que isso está de acordo com o regimento interno da Casa.
“O projeto só volta para a Comissão de Constituição e Justiça em caso de emenda no plenário, emenda ou substitutivo no plenário. Quando é substitutivo ou uma emenda colocada na comissão temática, no caso na Comissão Habitação e Urbanismo, regimentalmente, não volta para a CCJ, é votada na comissão específica. Agora, se isso tiver sido colocado em plenário ou durante a tramitação no plenário, aí sim a CCJ analisa novamente o projeto”, pontua. Outros parlamentares que votaram nas comissões a favor e representam a região do Campus foram consultados, mas preferiram não se manifestar sobre o assunto.
A reportagem consultou a especialista em arquitetura e urbanismo, a professora Maria Ester, que estranhou em uma mesma minuta de lei a autorização de cessão da área no Sítios de Recreio Mansões Campus e revogação do item 7, do Anexo II, da Lei 9.123/11, que se referente a primeira área para desafetada uma área do Parque Macambira-Anicuns, localizada no Moinho dos Ventos, o pode ser um suposto “jabuti” (termo usado quando há inserção de norma alheia ao tema principal em um projeto de lei ou medida provisória enviada ao Legislativo pelo Executivo).
“Isso é ‘jabuti’ certeza. Eu não tive oportunidade de ver esta proposta de lei de desafetação, mas isso aqui é um crime sem precedentes. Porque ficam barganhando as áreas públicas da cidade à revelia. E doar área para time de futebol, que tem milhões de outras possibilidades de adquirir recursos para montar as suas estruturas, pela CBF [Confederação Brasileira de Futebol], com dinheiro destinado para jogos nos Estados”, indica.
O especialista em direito público, Felipe Neiva, uma acusação de improbidade administrativa pode recair tanto ao prefeito, que não vetou, quanto aos vereadores, que aprovaram o projeto. “Qualquer ato que cause danos ao erário, por exemplo, ele pode ser combatido por uma ação civil pública, em uma ação popular, e tem outros remédios constitucionais que autorizam este combate”.
“O Ministério Público pode ajuizar uma ação, algumas entidades civis tem esta legitimidade para gerar esta ação, qualquer eleitor pode entrar com ação popular, basta ter o título de eleitor válido, para entrar e defender o patrimônio público”, elencou.
Moradores sem chance de reação

Diferente dos moradores do setor Moinho dos Ventos, a população do setor Sítios de Recreio Mansões Campus não tiveram tempo para reações. Como a área foi trocada no meio da tramitação do projeto, quando algumas pessoas tentaram se manifestar contra, o PL já estava aprovado em definitivo.
Ouvida pela reportagem, a professora Ana Carolina Leles Lacerda Malta lamentou que a área que fica localizada entre 10 bairros seja repassada para um clube de futebol. Eles esperavam a destinação do local para mais equipamentos públicos, pois justificam que para toda a região há apenas uma escola e nada mais.
“Esta área sempre teve um projeto de ser uma área pública, como uma construção de uma praça para benefício e usufruto da população. O projeto que a população tem em mente é que esta área que é extensa, de fato, seja uma praça, que tenha pista de cooper, que tenha unidade básica de saúde, porque não temos nada disso aqui”, resumiu a moradora.
O comerciante Anderson Rosa da Silva, de 47 anos, também não concorda com a destinação do terreno para o Goiânia EC e critica a maneira como aconteceu a segunda votação do projeto na Câmara, com inclusão da área. “Fizeram uma votação relâmpago, alguns vereadores articularam, provavelmente, com a diretoria do Goiânia Esporte Clube. E não foi discutido aqui com os moradores da região”, ressaltou.
A professora aposentada Eliane Stacciarini-Seraphin, de 72 anos, é moradora há 20 anos na região. “Eu não sou a favor, isso é um desmonte. A área pública doando para uma entidade particular não vai beneficiar pouquíssimas pessoas”, disse. Em relação à justificativa de que a área está abandonada, o que seria um motivo para a doação, a moradora enfatiza “que está abandonada pela Prefeitura”. Para ela, a área repassada para o clube não garantirá benefícios ao local. “Porque depois eles vendem [a área] ou mesmo que não venda, deixam abandonado”, pontua.
O também aposentado David Dantas, de 74 anos, morador a 15 anos no setor, faz coro contra a doação do terreno. “Em primeiro lugar está o povo de depois vem clube. Uma área desta aqui já tem um projeto grande de colegas nossos, que são engenheiros, destinada ao povo. E existem áreas maiores do que está aqui que o prefeito poderia ter destinado ao Goiânia Esporte Clube”, aponta. Ele lamentou que os vereadores que representam a região não tenham ouvido os moradores.
Agora, depois de todo o trâmite, como representante dos moradores do setor, Ana Carolina acionou o Ministério Público de Goiás (MP-GO). Acompanhada por vizinhos, ela se reuniu na terça-feira, 4, com a promotora de Justiça Alice de Almeida Freire, da 7ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Meio ambiente e urbanismo.
Procurado pela reportagem, o MP-GO informou que a promotoria recebeu uma “vasta documentação referente à denúncia”. “Desse modo, os conteúdos estão sob análise para as providências cabíveis”, acentuou.
A assessoria de imprensa da Prefeitura de Goiânia foi procurada pelo Jornal Opção via e-mail para se manifestar sobre o assunto, mas não enviou resposta.
Ofício dos moradores ao MP-GO
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