Ao Jornal Opção, ex-presidente do Banco do Brics critica resposta do governo brasileiro ao tarifaço de Trump
15 agosto 2025 às 16h39

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A imposição de tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos reacendeu o debate sobre a vulnerabilidade da economia nacional diante de choques externos. Em entrevista concedida ao Jornal Opção, nesta sexta-feira, 15, o ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como o “Banco dos Brics”, Marcos Troyjo, fez uma análise contundente sobre os impactos da medida e os caminhos possíveis para o Brasil.
A entrevista foi realizada durante um almoço que aconteceu nesta sexta-feira, 15, em Goiânia, para apresentação do Panorama do Cooperativismo Goiano, no Edifício Goiás Cooperativo, Jardim Goiás. Estiveram presentes o presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras no Estado de Goiás (OCB/GO), Luís Alberto Pereira, e o ex-presidente do “Banco do Brics”, Marcos Troyjo. No evento, a imprensa teve a oportunidade de participar de um bate-papo com Troyjo sobre a conjuntura econômica nacional e global, com destaque para os eventos recentes que impactam diretamente o Brasil e o cenário internacional.
Segundo Troyjo, o Brasil já ocupava uma posição modesta no mercado americano antes do tarifaço. “O Brasil exporta cerca de 40, 41 bilhões de dólares para os Estados Unidos, ou seja, um pouco mais de 1,1% de tudo aquilo que os americanos compram”, afirmou. Com as novas tarifas, produtos como café, carne bovina, máquinas e equipamentos foram diretamente afetados, atingindo cerca de 67 bilhões de dólares em exportações brasileiras.
“Isso potencialmente gera desemprego, gera desaquecimento da atividade econômica. Não é tão fácil encontrar mercados alternativos a esse fluxo de produtos. Então é um problema”, alertou o ex-presidente do Banco. Troyjo destacou que estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e São Paulo são os mais prejudicados, pois têm no mercado americano o principal destino de seus bens industriais de maior valor agregado. “O setor industrial é mais prejudicado”, disse.
Crítica à postura do governo brasileiro
O ex-presidente do banco dos Brics criticou a resposta inicial do governo brasileiro: “Tratou isso com uma certa complacência. Não percebeu, não tinha ninguém na proa do convés para ver que tinha um iceberg à frente e evitar bater”, disse.
Ele também apontou que o governo parece mais interessado em criar mecanismos de socorro às empresas afetadas do que em negociar diretamente com os EUA. “Isso acaba gerando uma certa dependência em relação ao governo brasileiro. E eu acho que eles apostam que isso acaba produzindo mais dividendos político-eleitorais”, apontou.
Retaliação não é o caminho
Troyjo foi enfático ao dizer que retaliar os EUA neste momento seria contraproducente. “Nós íamos acabar onerando muito mais o produtor brasileiro do que machucar as empresas americanas”, disse.
Ele defende uma abordagem pragmática: “Formar alianças com os consumidores americanos, aqueles que compram os produtos brasileiros, que, em geral, são empresas que vão retrabalhar esses produtos. Elas terão uma voz mais potente junto ao Congresso americano e à Casa Branca”, comentou.
O papel do Brasil na nova ordem global
Para Troyjo, o Brasil precisa entender que está diante de uma “Guerra Fria 2.0”, desta vez entre EUA e China. “Qual deve ser a posição do Brasil? Extrair benefícios pontuais da relação com ambos.”
Ele vê na China uma oportunidade estratégica: “Se os chineses crescerem 4% durante os próximos 10 anos, apenas esse crescimento marginal gera aquela que seria a terceira maior economia do mundo, com uma renda em ascensão, o que favorece a compra de produtos brasileiros.”
Oportunidade
Apesar dos riscos, Troyjo acredita que o momento pode ser benéfico para o Brasil. “Vai ser ruim para a maior parte dos países, mas pode ser potencialmente muito bom para o Brasil. Se administrarmos os ciclos de maneira estratégica, o Brasil pode enriquecer muito”, disse.
Ele também destacou que o Brasil é o único país capaz de atender, em volume e velocidade, à demanda chinesa por alimentos, o que pode posicionar o país como substituto natural dos EUA nesse setor.
Veja a entrevista completa com Marcos Troyjo
Raunner Vinícius Soares — Bom, o assunto do momento é a questão econômica brasileira. Como que o senhor avalia essa questão do tarifário e a reação do Brasil?
Troyjo — É uma situação potencialmente muito negativa, porque nós estamos falando da maior economia do mundo. Nós estamos falando da economia que mais importa do resto do mundo. Ao conjunto, os Estados Unidos importam 3,6 trilhões de dólares por ano, e o Brasil, mesmo antes do tarifário, já ocupava uma parcela razoavelmente pequena desse universo. O Brasil exporta cerca de 40, 41 bilhões de dólares para os Estados Unidos, ou seja, um pouco mais de 1,1% de tudo aquilo que os americanos compram.
Agora, quando você vê a natureza daquilo que o Brasil exporta para os Estados Unidos, você vai perceber que estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná, São Paulo têm no mercado americano — e não no mercado chinês — o principal comprador dos seus bens de mais valor agregado. O setor industrial é mais prejudicado.
Se você olhar aquilo que foi implementado pelo presidente Trump desde o início de agosto — café, carne bovina, mas também o setor de máquinas e equipamentos — continua incidindo sobre 50% do total, o que dá um total de 67 bilhões de dólares de exportações brasileiras. Não é um valor pequeno, né? Então isso potencialmente gera desemprego, gera desaquecimento da atividade econômica. Não é tão fácil encontrar mercados alternativos a esse fluxo de produtos. Então é um problema.
E o governo brasileiro tratou isso com uma certa complacência. Não percebeu, não tinha ninguém na proa do convés pra ver que tinha um iceberg à frente e evitar bater. Infelizmente, eu estou com a impressão agora de que o governo brasileiro entendeu que não lhe traz benefício necessariamente concentrar esforços para atenuar as tarifas impostas. E faz mais sentido você criar, por exemplo, bolsas ou linhas de socorro a empresas que exportam para os Estados Unidos, porque isso acaba gerando uma certa dependência em relação ao governo brasileiro. E eu acho que eles apostam que isso acaba produzindo mais dividendos político-eleitorais para o governo.
De modo que, assim, eu torço para que as coisas se atenuem, mas realisticamente eu acho que nós estamos agora num período conturbado, que deve durar pelo menos até outubro do ano que vem, quando tem eleições presidenciais no Brasil. E acho que a partir daí é que aí sim você começa a ter um horizonte menos conturbado.
Raunner Vinícius Soares — Seria um momento de retaliação por parte do Brasil?
Se você olhar os países em relação aos quais os Estados Unidos impuseram barreiras tarifárias — que são todos, ou seja, praticamente todos os países — apenas dois anunciaram retaliação. E são dois parceiros significativos: um é o Canadá, que faz fronteira com os Estados Unidos e tem uma corrente comercial muito grande; e a China, que é uma economia de 20 trilhões de dólares, tem 80% da produção de minerais críticos. Ela está num tamanho específico que lhe permite talvez ter o luxo de retaliar com o objetivo, na minha opinião, sobretudo de obter concessões mais à frente na mesa de negociação.
Então, se nós retaliássemos agora, nós íamos acabar onerando muito mais, por vezes, o produtor brasileiro, a empresa brasileira que precisa de insumos para continuar fazendo seus produtos e até direcioná-los a outros mercados, do que machucar as empresas americanas. Às vezes, se a palavra fosse no comércio, diria que o nosso freguês ou o nosso cliente… Hoje, por exemplo, o Brasil exporta mais para a China do que para os Estados Unidos e para a União Europeia juntos. A China representa mais do que o dobro daquilo que a gente vende para os Estados Unidos.
Agora, quando você olha em outras dimensões, por exemplo, o fluxo de investimento estrangeiro direto no Brasil, vem mais coisas dos Estados Unidos. Historicamente, há mais estoque também — há mais estoque de investimento estrangeiro americano no Brasil do que investimento chinês.
Para um país que tem as dimensões do Brasil, que é a oitava maior economia do mundo, deveria estar fazendo a leitura correta de que, na realidade, nós estamos nos primeiros movimentos daquilo que a gente poderia chamar de uma Guerra Fria 2.0 — dessa vez não entre os Estados Unidos e União Soviética, mas entre os Estados Unidos e a China.
Qual deve ser a posição do Brasil? Extrair benefícios pontuais da relação com ambos. Por exemplo, os Estados Unidos hoje não têm o perfil para absorver uma parcela significativa daquilo que a gente produz e exporta. Os chineses têm. Se os chineses crescerem 4% durante os próximos 10 anos, apenas o resultado desse crescimento marginal gera aquela que seria a terceira maior economia do mundo, e com uma renda ainda em ascensão, o que favorece comparativamente a compra de produtos brasileiros.
Agora, o que que a gente vai fazer? Nós vamos ter relações com os Estados Unidos, claro que precisamos ter. Mais uma vez, eu acho que nós somos ocidentais. Em termos de investimento, talvez a gente tenha mais complementaridades com os americanos. De modo que a gente precisa, mais uma vez, ter uma relação equilibrada entre os dois.
Operação cooperativa ajuda a diluir riscos, atenuar riscos, atenuar custo de capital, fortalecer a negociação junto a outro parceiro. Mas acho que nesse momento, em relação especificamente a tarifas, o efeito vai ser um pouco desigual. Por exemplo, o Brasil tem uma das maiores cooperativas de café do mundo. O café está na lista de produtos taxados em 50% pelos americanos. Machuca esse setor, machuca esse setor.
Você tem um outro setor que talvez tenha mais facilidade, que é o setor do acesso a capital de qualidade a longo prazo. No momento em que você tem uma diminuição das taxas de juros no mundo, inclusive nos Estados Unidos, potencialmente o Brasil pode se tornar um mantenedor importante de atração de liquidez. Se existe um sentimento negativo por parte do investidor americano nesse momento, existe uma rusga, um arranca-rabo entre os Estados Unidos e o Brasil, isso seguramente vai afetar a sua decisão.
Às vezes não é afetar no sentido de não fazer, mas de esperar. Aí o investidor fica com o freio de mão puxado. Isso acaba não gerando atividade econômica e, portanto, não é só o cooperativismo — toda atividade econômica no Brasil acaba sentindo o reflexo disso.
Raunner Vinícius Soares — Você consegue enxergar uma forma que isso se resolvesse no curto prazo?
Gostaria que isso acontecesse, mas eu acho que as fontes de atenuação dessa situação são, por um lado, alianças pontuais entre exportadores brasileiros e importadores americanos que têm dificuldade em encontrar alternativas e substitutos aos produtos brasileiros. E, portanto, é do interesse deles que essa relação continue.
Eu acho que hoje a atual administração do governo americano dá muito mais ouvidos aos pleitos da sua própria empresa do que a uma negociação com o governo estrangeiro, como é o caso do governo brasileiro. Tem esse caminho — em alguns casos isso já tem funcionado, veja o caso do setor de suco de laranja. Mas, por exemplo, máquinas e equipamentos, que é um setor super importante para o Brasil, não conseguiu ainda essa compreensão.
A situação das tarifas agora é uma coisa mais definitiva. Eu acho que a gente está meio que refém desse período que nos separa das eleições presidenciais no Brasil no ano que vem. A depender do resultado das eleições presidenciais, acho que você pode aí sim ter uma situação mais tranquila.
Raunner Vinícius Soares — Você acha que a questão então seria eleitoral, caso o Brasil eleja um aliado de Trump aqui a situação se resolve?
Se você ler as cartas enviadas, temos que entender que são exclusivamente comerciais. Por exemplo, hoje os Estados Unidos têm uma tarifa média imposta — perdão, até antes de agosto — de 2% ao Brasil. A nossa tarifa é 126 vezes maior. Acho que seria natural negociar isso, colocar isso na mesa de negociação. Agora, tem outras demandas, outras demandas de natureza política e jurídica. Eu acho que essas são mais complexas de resolver.
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