Exclusivo: funcionários de instituições de ensino vendem diplomas pelas redes sociais
17 outubro 2023 às 12h47
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Funcionários do Centro Universitário Internacional (Uninter) têm se aproveitado do nome da instituição de ensino para vender diplomas falsos de graduação, pós-graduação e até mestrado à distância (EAD) por meio de plataformas digitais como o WhatsApp e Facebook. Os valores podem chegar a R$ 25 mil, a depender da instituição de ensino, curso escolhido e grau de graduação, conforme apurado pelo Jornal Opção ao longo de três semanas.
Em nota, a Uninter declarou que já está adotando as “imediatas medidas cabíveis”. Veja a nota na íntegra ano final da reportagem.
O repórter, se passando por uma professora em busca de pós-graduação em letras, negociou com o funcionário de um dos centros localizado em Aparecida de Goiânia. De forma surpreendentemente fácil, foi necessário apenas alguns questionamentos sobre a venda do diploma e a demora na entrega para o homem que se identificou como Roberto responder: “temos como resolver tudo pra você na plataforma em tempo recorde”.
Roberto garantiu ainda, depois de ser perguntado sobre os riscos, que o documento é validado pelo Ministério da Educação (MEC), inclusive, com publicação no Diário Oficial. O tempo exigido por ele para realizar todos os trâmites dentro da instituição de ensino é de 30 dias. Dentro do período, é realizado o registro de participação do aluno, as notas e avaliações. Vale ressaltar que não é preciso fazer nenhuma prova, apenas pagar pelo documento.
“A faculdade tem mais de 20 anos de atuação no mercado, de autorização e reconhecimento pelo MEC. A gente garante a legitimidade e a procedência do documento. A senhora [repórter] não vai ter dificuldade, problema nenhum para usar esse documento em concurso público. Tem mais de 15 anos que [a instituição] vem fazendo certificados”, afirmou em um áudio de 1:20 minutos.
Para ganhar a confiança do repórter, Roberto chegou a mandar um certificado de pós-graduação em alfabetização e letramento em nome de Rahimara Sandes Monteiro. O documento, supostamente falsificado por ele, certificou a mulher no dia 26 de setembro de 2023 em nome da faculdade Apogeu.
O diploma, inclusive, possui a assinatura do diretor geral da instituição de ensino. A estudante teve 100% de frequência, além de notas entre 9 e 9,5. O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi concluído com nota 9.
“Todos os seus trabalhos, TCC, monografia, tudo vai ser feito na plataforma. Tudo vai ficar registrado, sua presença, suas notas. Tem uma equipe especializada e pronta para fazer isso. Pode ficar sossegada. Faço questão de entregar o documento em mãos”, reforçou o funcionário.
Instituições de ensino
Entre as instituições de ensino oferecidas pelo funcionário estão: Universidade Paulista (Unip), Centro Universitário Alfredo Nasser (Unifan) e Faculdade Apogeu, de Brasília. Os valores da graduação, no entanto, variam. Nas duas primeiras, de maior renome, o valor do documento custa R$ 25 mil. Na apogeu, por outro lado, é necessário desembolsar R$ 4 mil. Para pós-graduação o valor chega a R$ 8 mil, mas se o comprador optar por aproveitar matérias, o preço cai para R$ 5 mil.
Para o repórter, Roberto fez a pós-graduação por R$ 1,8 mil que, segundo ele, estaria na promoção. Os valores devem ser pagos à vista por meio do PIX, sendo que o destinatário seria uma conta com o nome do Instituto Renascer. A relação de documentos, a partir do acordo, conta CNH, Título de Eleitor, Certidão de Conclusão de Curso, Histórico Escolar da Graduação, entre outros. O certidão de especialização é enviado por PDF e depois entregue de forma material.
“Peguei uma outra instituição com 40 anos. Unopar [Universidade Norte do Paraná] 40 anos. É uma das mais difíceis. [Faculdade] Cambury, 25 anos, fechada demais”, diz Roberto, a fim de justificar os preços.
Ao firmar o acordo de forma verbal e não cumprir com a relação de documentos pedidos, o repórter foi surpreendido por um outro funcionário da Uninter, que se identificou como professor Paulo Roberto. Ele também tentou convencer o repórter, afirmando que a promoção oferecida por Roberto iria até o dia seguinte.
“Professora [repórter], está com dificuldades para enviar os documentos? Tem alguma dificuldade? Trabalhamos com educação há mais de 15 anos, no mesmo endereço. Nunca deixamos de honrar os compromissos assumidos com nossos alunos. 95% de nossos alunos são indicados por nossos alunos e ex-alunos colaboradores. Portanto, a satisfação de nossos alunos é nosso maior patrimônio”, concluiu.
Crimes
A venda de diplomas falsos é considerada falsificação de documento público, mesmo que o diploma provenha de instituição de ensino privada, conforme o advogado criminalista e conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Goiás, Rodrigo Lustosa. A pena, conforme ele, pode chegar a seis anos de prisão.
Caso o certificado falso seja utilizado, além de responder pela falsificação, o agente deverá responder pelo crime de uso de documento falso, que é punido com a mesma pena da falsificação. Ou seja, além dos falsificadores, a pessoa que se beneficia da fraude também pode ser presa.
“Se a falsificação for da própria chancela do MEC, basta consultar o ministério para se detectar o falso. Acredito que a rede mundial de computadores facilita o cometimento de diversos crimes, inclusive dos crimes de falso documental. Isto porque pessoas com disposição para tais práticas podem ser mais facilmente encontradas e contactadas”, explicou Lustosa.
O outro lado
O Jornal Opção entrou em contato com a Uninter, assim como a Unifan. A Unip, por outro lado, informou que segue rigorosamente todas as determinações do Ministério da Educação e que, no setor de diplomas, os documentos são criteriosamente avaliados, catalogados, checados e alimentados com códigos de segurança, tanto no ambiente presencial, como no virtual.
A universidade explicou ainda que ao detectar uma situação irregular é realizada sindicância interna, que é encaminhada aos órgãos competentes, mas que por vezes acaba se tornando vítima de fraudes. As demais instituições de ensino citadas na matéria também foram procuradas por meio de ligação, mas o Jornal Opção não obteve retorno.
Todo o material levantado pela reportagem foi encaminhado à Polícia Civil (PC). A corporação afirmou que vai investigar o caso.
Veja a nota da Uninter:
“NOTA DE ESCLARECIMENTO
A Uninter foi surpreendida com a notícia de hoje e está adotando as imediatas providências cabíveis, inclusive junto às autoridades policiais, a fim de elucidar o caso, o que é seu máximo interesse.
Além disso, reafirma seus valores e princípios éticos, materializados em seu robusto Programa de Integridade, que alcança seus negócios e seu relacionamento com alunos, parceiros de negócios, terceiros e sociedade em geral.
A Uninter oferece educação de qualidade há mais de 25 anos, dentro do mais absoluto respeito à legislação do país e, em toda a sua história, jamais teve qualquer mácula reputacional na condução de seus negócios.
Importa esclarecer que disponibiliza aos seus alunos a emissão do diploma digital, através de um sistema que possui três níveis distintos de validação, para a completa segurança dos documentos e o impedimento de falsificações, atendendo a legislação educacional do Ministério da Educação.”