Vexame, fiasco, vergonha e humilhação
12 julho 2014 às 12h16
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Ao invés de arenas de rodeio e estádios suntuosos, ou o hexacampeonato (que vai sendo adiado pela nossa incompetência de jogar bem em casa), deveríamos sonhar mesmo com de salas de aula e bibliotecas, erguer o caneco do índice de leituras e de alfabetização
Ronaldo Cagiano
Especial para o Jornal Opção
O vexame, o fiasco, a vergonha e a humilhação do oito de julho já vieram tarde. Há muito o povo brasileiro merecia essa surra. Depois da Segunda Guerra Mundial, foi o maior holocausto imposto a um povo.
A nação brasileira precisa deter-se no essencial, no que realmente importa, não na ilha de fantasia do milionário e corrupto futebol brasileiro, com seus cartolas miliardários e jogadores ídolos de barro, que jogam sem suar a camisa, sem amor à arte, mas com os olhos nos contratos milionários.
Não precisamos de neyMARKETING Jr. Não necessitamos de daviDOLAR Luiz. Muito menos de feliPROPAGANDA Scolari ou de freDINHEIRO ou de imperadores de araque, como Júlio César (que não impedem a derrocada desse império sujo do futebol de várzea que jogaram).
Se precisamos de atletas com espírito esportivo (como foram um Garrincha, um Pelé, um Nilton Santos e um Barbosa), tanto mais almejamos vencer outro campeonato. Golear as carências e construir mais escolas, hospitais; ao invés dos bilhões para novos templos do futebol, verbas para segurança, estrada, emprego, saneamento, moradia popular.
Venho dizendo há tempos que o Brasil vai se mediocrizando há décadas e a passos largos, nivelando tudo por baixo. E o sintoma disso é tanto o futebol anêmico como temos praticado (ganhamos as últimas Copas sem brilho e sem jogadas inteligentes), como nas artes e na política, esta apequenada, da negociata e do escândalo (esse o padrão FIFA a que estamos sendo condenados?).
Um país que dá mais valor ao futebol e ao Pedro Bial; à tv e ao BBB; que enche estádios para ver Michel Teló, Luan Santana, Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Daniela Mercury ou entra em delírio diante da profusão de duplas sertanojo; que lota praças num transe demencial para assistir à manipulação estelionatária e mercenária das pregações evangélicas, esse país está fadado a se bestializar cada vez mais.
Ao invés de arenas de rodeio e estádios suntuosos, ou o hexacampeonato (que vai sendo adiado pela nossa incompetência de jogar bem em casa), deveríamos sonhar mesmo com de salas de aula e bibliotecas, erguer o caneco do índice de leituras e de alfabetização, orgulhar-se do diploma de um curso bem concluído e da qualificação profissional. No lugar de templos evangélicos e presídios, precisamos semear livros e cultura de qualidade. Mais salas e menos celas. Mais educadores e menos pastores. Mais Paulos Freires e menos Edir Macedo. Mais Pestalozzis e menos Marcelo Rossi.
O nosso jogo é contra a miséria, a ignorância. É para driblar a pobreza de espírito, a falta de educação (que vaiou equipes adversárias nos estádios). É para dar um olé na péssima condição da saúde e do ensino público, da insegurança. É para derrotar a alienação e o provincianismo de todas as classes que dominam o país.
É tudo isso que nos avilta e humilha mais que a goleada germânica sobre a seleção macunaíma. O que empobrece e nos joga ainda mais no esgoto da civilização são os salários nababescos desses jogadores (a maioria sequer sabe usar o plural ou colocar corretamente um pronome), enquanto um professor, um médico do SUS, um policial, um gari, um trabalhador rural ganham uma miséria. Essa é a grande tragédia, não o Maracanazo de 1950 ou o Mineirazo de 2014. O Brasil da Copa, agora é um povo na Cova. Como diria Nelson Rodrigues, “o pior cego é aquele que só vê a bola”.
Esse país que lê Paulo Coelho e Fábio de Melo, que ouve pagode e funk, só podia ser goleado por quem nos deu um Goethe e Thomas Mann; por quem tem Mozart e Beethoven na escalação de sua civilização.
Toma jeito, Brasil!
Ronaldo Cagiano é escritor.