Ao invés de arenas de rodeio e estádios suntuosos, ou o hexacampeonato (que vai sendo adiado pela nossa incompetência de jogar bem em casa), deveríamos sonhar mesmo com de salas de aula e bibliotecas, erguer o caneco do índice de leituras e de alfabetização

Ronaldo Cagiano
Especial para o Jornal Opção

O vexame, o fiasco, a vergonha e a humilhação do oito de julho já vieram tarde. Há muito o povo brasileiro me­­recia essa surra. Depois da Se­gunda Guerra Mundial, foi o maior holocausto imposto a um povo.

A nação brasileira precisa de­ter-se no essencial, no que realmente importa, não na ilha de fan­tasia do milionário e corrupto fu­tebol brasileiro, com seus cartolas miliardários e jogadores ídolos de barro, que jogam sem suar a ca­misa, sem amor à arte, mas com os olhos nos contratos milionários.

Não precisamos de neyMAR­KETING Jr. Não necessitamos de daviDOLAR Luiz. Muito menos de feliPROPAGANDA Scolari ou de freDINHEIRO ou de imperadores de araque, como Júlio César (que não impedem a derrocada desse império sujo do futebol de várzea que jogaram).

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Foto: Jefferson Bernardes/VIPCOMM

Se precisamos de atletas com espírito esportivo (como foram um Garrincha, um Pelé, um Nil­ton Santos e um Barbosa), tanto mais almejamos vencer outro campeonato. Golear as carências e construir mais escolas, hospitais; ao invés dos bilhões para novos templos do futebol, verbas para segurança, estrada, emprego, saneamento, moradia popular.

Venho dizendo há tempos que o Brasil vai se mediocrizando há décadas e a passos largos, nivelando tudo por baixo. E o sintoma disso é tanto o futebol anêmico como temos praticado (ganhamos as últimas Copas sem brilho e sem jogadas inteligentes), como nas artes e na política, esta apequenada, da negociata e do escândalo (esse o padrão FIFA a que estamos sendo condenados?).

Um país que dá mais valor ao futebol e ao Pedro Bial; à tv e ao BBB; que enche estádios para ver Michel Teló, Luan Santana, Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Daniela Mercury ou entra em delírio diante da profusão de duplas sertanojo; que lota praças num transe demencial para assistir à manipulação estelionatária e mercenária das pregações evangélicas, esse país está fadado a se bestializar cada vez mais.

Ao invés de arenas de rodeio e estádios suntuosos, ou o hexacampeonato (que vai sendo adiado pela nossa incompetência de jogar bem em casa), deveríamos sonhar mesmo com de salas de aula e bibliotecas, erguer o caneco do índice de leituras e de alfabetização, orgulhar-se do diploma de um curso bem concluído e da qualificação profissional. No lugar de templos evangélicos e presídios, precisamos semear livros e cultura de qualidade. Mais salas e menos celas. Mais educadores e menos pastores. Mais Paulos Freires e menos Edir Macedo. Mais Pestalozzis e menos Marcelo Rossi.

O nosso jogo é contra a miséria, a ignorância. É para driblar a po­­breza de espírito, a falta de e­ducação (que vaiou equipes ad­ver­sárias nos estádios). É para dar um olé na péssima condição da saú­­de e do ensino público, da in­se­gurança. É para derrotar a a­liena­ção e o provincianismo de to­das as classes que dominam o país.

É tudo isso que nos avilta e humilha mais que a goleada germânica sobre a seleção macunaíma. O que empobrece e nos joga ainda mais no esgoto da civilização são os salários nababescos desses jogadores (a maioria sequer sabe usar o plural ou colocar corretamente um pronome), enquanto um professor, um médico do SUS, um policial, um gari, um trabalhador rural ga­nham uma miséria. Essa é a grande tragédia, não o Maracanazo de 1950 ou o Mineirazo de 2014. O Brasil da Copa, agora é um povo na Cova. Como diria Nelson Rodrigues, “o pior cego é aquele que só vê a bola”.
Esse país que lê Paulo Coelho e Fábio de Melo, que ouve pagode e funk, só podia ser goleado por quem nos deu um Goethe e Thomas Mann; por quem tem Mozart e Beethoven na escalação de sua civilização.

Toma jeito, Brasil!

Ronaldo Cagiano é escritor.