“Quando Éramos Adultos”, de Anne Tyler, discute as relações humanas e familiares
19 março 2023 às 00h37
COMPARTILHAR
Mariza Santana
Como seria minha vida hoje se eu tivesse tomado decisões diferentes no passado? Creio que esse questionamento é muito comum entre as pessoas que passam dos 50 anos de idade e vivem a chamada crise de meia idade. Afinal, nesse período as pessoas começam a olhar para sua juventude e se perguntar se, caso tivesse feito algo diferente lá atrás, como seria agora o seu momento presente.
A escritora norte-americana Anne Tyler aborda essa temática com leveza e sensibilidade, no livro “Quando Éramos Adultos”. A protagonista é Rebecca Davitch. Aos 53 anos de idade, ela é viúva e matriarca de uma família numerosa — enteadas, filhas, netos e um tio do marido quase centenário; além de ser a proprietária e administradora de uma casa de eventos.
Beck, como é chamada por todos, é filha única. Na juventude, tinha um namorado com o qual pensava que se casaria e juntos seguiriam suas carreiras acadêmicas na universidade. Mas ao conhecer Joe Davitch, durante uma festa na casa de eventos da família dele, tem sua vida totalmente mudada. Ela se casa com o charmoso homem, ganha de cara três enteadas e uma família de muitos integrantes. Mas desiste dos sonhos de cursar a faculdade e se casar com o antigo amigo de infância.
Mais de 30 anos depois, Beck já está viúva (Joe morreu em um acidente automobilístico) e é a gestora do negócio familiar. Ela tornou-se ainda a guardiã da felicidade e do bem-estar dos integrantes da família. Mas o que aconteceu ao seu antigo namorado? – ela se pergunta. Rebecca sonha com um filho imaginário em um trem, que seria dela e do ex, como se fosse uma vida paralela, aquela que nunca chegou a acontecer.
Ao tentar contato com Will, o ex-namorado da juventude, descobre que ele está divorciado e é chefe do Departamento de Física da universidade. Mas será que é possível retomar naquele ponto do passado onde a decisão tomada mudou o rumo da nossa existência? É aconselhável não adiantar mais do que isso a respeito da narrativa para não atrapalhar o leitor.
No romance, Anne Tyler confirma o que o filósofo grego Heráclito disse na Antiguidade: estamos em constante mudança. O homem que entra em um rio não é o mesmo na próxima vez. Mudou o homem e a água da correnteza do curso d’água também não é mais a mesma.
“Quando éramos adultos” nos convida a refletir sobre o destino, a vida, as relações de afeto. E sobre como, sem perceber, ao longo do tempo nós vamos moldando-nos ao momento e ao ambiente, em constante evolução, também nos relacionamentos interpessoais, seja na família ou no trabalho.
Este não é o primeiro romance que leio da escritora norte-americana. Em 2021 escrevi para o Jornal Opção a resenha do livro “O Carretel de Linha Azul”, da mesma autora, sobre uma família comum da classe média e sua casa. A obra trata também das relações familiares, um tema sobre o qual ela escreve com maestria. Isso porque os romances da escritora contêm aqueles ingredientes cotidianos universais, mas tratados com uma leveza e uma sensibilidade que chegam a ser tocantes.
Anne Tyler é uma romancista, contista e crítica literária norte-americana, vencedora de um Prêmio Pulitzer de Ficção, cujas obras são marcadas pelos detalhes precisos da vida doméstica. Com 82 anos de idade, ela já publicou mais de 20 livros, com destaque para o romance “O Turista Acidental” (1985), que deu origem, em 1988, ao filme homônimo, estrelado por William Hurt, Katlleen Turner e Geena Davis.
Mariza Santana é jornalista e crítica literária. E-mail: [email protected]
Leia mais sobre Anne Tyler por Mariza Santana
.