“Um carretel de linha azul” desnuda as relações familiares do Whitshank, residentes em Baltimore, nos Estados Unidos, em todos seus nuances

por Mariza Santana – [email protected]

À primeira vista, os Whitshank são integrantes de uma família comum da classe média, morando em uma antiga e confortável casa de Baltimore, cidade de Maryland, nos Estados Unidos, com uma longa história como porto marítimo importante e local onde nasceu o hino nacional daquele país. A casa está situada em um bairro nobre. A moradia tem como principal característica ser uma construção sólida, datada dos anos 1930, dotada de uma enorme varanda, que é orgulho de seus moradores.

O casal Red e Abby representa a segunda geração a habitar a casa. Eles já são idosos e têm quatro filhos: Amanda, Jennie, Denny e Douglas. Como qualquer família, tem o seu problema: Denny. O filho é motivo de preocupação, pois não se ajusta à vida entre os seus, deixa logo cedo o ninho e segue errante pelos Estados Unidos a fora, pulando de emprego em emprego, passando meses e até anos sem dar notícias para a família, numa situação errática. Douglas, por sua vez, começa a assumir os negócios da empresa de construção do pai, está sempre presente, mas há um segredo a respeito de sua origem.

O romance “Um carretel de linha azul”, da romancista norte-americana Anne Tyler, trata de um tema universal e que mexe com qualquer um, que são as complexas relações familiares. Além contar a história do casal Red e Abby, também coloca a casa dos Whitshank como um dos principais personagens da narrativa, já que seus donos, tanto Junior, o pai de Red, quanto o próprio, se desdobraram para mantê-la com a manutenção em dia, com um tratamento especial de quem se especializou na área de construção e tem sua moradia como um cartão de visita.

A escritora vai e volta no tempo, para contar como Junior, vindo do interior em plena época pós Depressão e em situação de penúria, conseguiu ascender profissional e socialmente, citando a clássica história do self made man estadunidense. A compra da casa da varanda, que ele mesmo havia construído, sob encomenda, para outra família, é o ponto central dessa melhoria do status dos Whitshank, e representa seu destino, do início ao fim da história.

Mas voltemos ao casal de protagonistas do romance de Anne Tyler,- Red e Abby- , que já idosos começam a apresentar problemas de saúde, causando a mudança de Douglas, sua esposa e filhos para a casa da varanda, na tentativa de cuidar deles. Ao mesmo tempo, o filho pródigo Denny, há muito tempo sem dar sinais de vida, resolve também aparecer para ficar algum tempo com os pais. Junta-se a isso a presença constante das irmãs Amanda e Jennie, seus respectivos maridos, ambos com o mesmo nome – Hugh, e os filhos. É a fórmula ideal para fazer emergir conflitos do passado e situações antigas não resolvidas.

A viagem anual de férias dos Whitshank para a praia, descrita no livro, é uma das passagens mais emblemáticas do romance. Todos os anos eles vão para a mesma casa praiana alugada e convivem com os mesmos vizinhos veranistas ao lado. Mas embora repitam o passeio há décadas, e sempre os cumprimentem, não sabem sequer os nomes das pessoas da casa ao lado.

“Um carretel de linha azul” é daqueles livros que você lê e não deixa de fazer um paralelo com a sua própria história família. Isso porque a obra contém aqueles ingredientes cotidianos universais, mas tratados com uma leveza e uma sensibilidade que chegam a ser tocantes.

Anne Tyler é uma romancista, contista e crítica literária norte-americana, vencedora de um Prêmio Pulitzer de Ficção, cujas obras são marcadas pelos detalhes precisos da vida doméstica. Com 80 anos recém-completados, ela já publicou mais de 20 livros, com destaque para o romance “O turista acidental” (1985), que trata de um metódico escritor de guias de viagens abandonado por sua mulher após a morte do único filho do casal. O livro deu origem, em 1988, ao filme homônimo, estrelado por William Hurt, Katlleen Turner e Geena Davis.

A prosa de Tyler, portanto, trata dos fatos que podem acontecer com qualquer um de nós, propiciando uma certa proximidade entre o romancista e o leitor, que torna o romance ainda mais agradável. “Um carretel de linha azul” é um desses livros que se lê com prazer, mas que também convida à reflexão sobre como a vida pode ser simples, em toda sua complexidade, em um verdadeiro paradoxo.