O bielorrusso naturalizado brasileiro é tradutor de Púchkin, Liev Tolstói, Dostoiévski e Baudelaire

João Carlos Taveira

Especial para o Jornal Opção

A leitura do livro de poemas “Desenhos a Lápis” (Scortecci, 2018), de Oleg Almeida, nos leva imediatamente a duas conclusões simultâneas: trata-se de uma poesia lírica com laivos de observação social, se vista por um ângulo; e de uma poesia social com laivos de lirismo, se se aceitar o jogo de palavras aqui proposto. Porém, como o poema é feito com palavras, segundo Stéphane Mallarmé, essas assertivas não estarão de todo incorretas.

Desde o início, a poesia sempre se constituiu de afirmações contraditórias. É prima em primeiro grau da filosofia. Afinal, é uma das artes mais democráticas que existem, principalmente após o advento da escrita, quando deixou o reino exclusivo da fala e do gesto. Os primeiros poemas surgiram da oralidade e gestualidade humanas, e até em rabiscos representativos em cavernas e locais favoráveis à sua exibição plástica, algum tempo antes da invenção de qualquer alfabeto propriamente dito.

Vejamos, então, o poema de n.º 5

“Quem dera compreender

         todos esses grafites urbanos,

         chamadas de rádio, sinais luminosos,

         cartazes impressos em policromia!

         Quem dera compreendê-los,

         símbolos sugestivos da combustão dos sentidos,

         mas, hoje no noticiário

         e amanhã na novela das oito,

         eles se tornam o Evangelho

         dos tempos que Cristo já vislumbrava.”

Oleg Almeida: poeta e tradutor do russo e do francês | Foto: Arquivo pessoal

E, assim, a poesia tem sobrevivido à evolução dos meios de comunicação e aos avanços das moderníssimas tecnologias; e até mesmo ao tão propalado desaparecimento do livro impresso. Tomara que seja apenas mais uma falácia.

Oleg Almeida, que também exerce o ofício da tradução, conhece bem o universo e a matéria-prima do poema, essa fricção consonantal que chamamos de sonoridade, aliada, consequentemente, ao ritmo que vai desaguar na musicalidade das palavras. Tanto, que o autor dispensa, em “Desenhos a lápis”, o recurso da rima para confirmação da tese aqui proposta. Sua aspiração, talvez se aproxime do velho axioma filosófico defendido pelo princípio aristotélico da contradição (“nada pode ser e não ser simultaneamente”).

Na verdade, os sessenta e cinco desenhos feitos a lápis que compõem o livro são poemas sem títulos, mas devidamente numerados, como se fossem rascunhos para um ensaio que se pretende apresentar aos leitores. Ou melhor, como se fossem elementos da tese e da antítese de uma experiência vívida vivida pelo autor durante certo tempo de sua vida na cidade de São Paulo. E que agora soam como um canto de amor à velha pauliceia, para mostrar suas belezas, suas rachaduras, suas vicissitudes e, principalmente, os seus perigos.

Sirva-nos de aporte o poema de n.º 37

“Quem afiou sua faca

         nas pedras das tuas ruas,

quem afiou sua língua

na léria das tuas cantinas,

quem afiou seu caráter

na chaira dos teus dias úteis,

nunca te esquecerá por completo,

cidade cinza,

cidade santa.”

Mas o que torna a leitura deste livro enriquecedora vem também de sua ágil substantivação. Oleg Almeida, como já foi dito, e não custa repetir, conhece os percalços do seu ofício. Sabe que o adjetivo muitas vezes é recurso linguístico de escritores que, no afã de se mostrarem, de se exibirem, acabam tentados a explicações inúteis e a qualificações desnecessárias, quando usam e abusam do adjetivo em textos e até mesmo em títulos de artigos ou matérias literárias, subtraindo do leitor a possibilidade de interpretação.

“Desenhos a lápis”, podemos concluir, é um livro condensado em 72 páginas, que trata de uma temática específica, mas que contém grande variedade de assuntos. E, devido a essa característica, pode ser lido de um só fôlego, como queria Cassiano Nunes. E isso é um elogio. Oleg Almeida consegue a proeza da síntese no discurso poético, ao nos comunicar as peculiaridades de sua arte.

Dados biográficos de Oleg Almeida

O autor nasceu em 1º de abril de 1971 na cidade de Gômel, situada no sudeste da Bielorrússia e próxima às fronteiras da Ucrânia e da Federação Russa. É poeta, ensaísta e tradutor multilíngue, sócio da União Brasileira de Escritores (UBE/São Paulo) desde 2010. Começou a escrever com 9 anos de idade. Publicou a primeira poesia (Belarus: uma espécie de samba-exaltação escrito em russo) no diário regional de Gômel, sua cidade natal, em maio de 1988. E, de lá para cá, nunca mais parou de escrever e dedicar-se à leitura sistemática de escritores estrangeiros. Tem sido um exigente e atento tradutor da obra de Dostoiévski e de outros autores russos e franceses.

Cresceu num ambiente cosmopolita, familiarizando-se, desde a adolescência, com quatro idiomas eslavos: o russo, o bielorrusso e, em menor grau, o ucraniano e o polonês. Completou o ensino médio lá mesmo, em Gômel, e depois se formou pela Escola Central das Línguas Estrangeiras em Moscou. Trabalhou, por uma década, na iniciativa privada. Veio para o Brasil em julho de 2005; e em fevereiro de 2011 obteve a cidadania brasileira. Reside em Brasília desde 2009, cidade em que se casou no mesmo ano de seu desembarque em nosso país.

Livros publicados: poesia e tradução

Autor dos livros de poesia “Memórias dum hiperbóreo” (2008), Prêmio Internacional Il ConvÍvio de 2013; “Quarta-feira de Cinzas e outros poemas” (2011), Prêmio Literário Bunkyo de 2012; “Antologia cosmopolita” (2013), “Desenhos a lápis” (2018) e de numerosas traduções do russo (“Diário do subsolo”, “O jogador”, “Crime e castigo”, “Memórias da Casa dos mortos”, “Humilhados e ofendidos”, “Noites brancas”, “O eterno marido” e “Os demônios” de Fiódor Dostoiévski; “A morte de Ivan Ilitch e outras histórias” e “Anna Karênina” de Lev Tolstói; “Pequenas tragédias” de Alexandr Púchkin; “Canções alexandrinas” de Mikhail Kuzmin; “Contos russos”, vv. I-III; “Contos góticos russos”) e do francês (“O esplim de Paris: pequenos poemas em prosa” de Charles Baudelaire; “Os cantos de Bilítis” de Pierre Louÿs; “O eterno Adão” de Jules Verne e “Um outro mundo” de Rosny Sênior).

João Carlos Taveira, poeta e crítico, com vários livros publicados, reside em Brasília desde 1969. É colaborador do Jornal Opção.