Mariana Brecht: “Escrever ‘Brazza’ foi um processo de reencontro com a minha história de vida”
15 agosto 2021 às 00h00
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Autora paulistana estreia no romance com autoficção experienciada nas profundezas do Congo
Márwio Câmara
Mariana Brecht nasceu em São Roque (SP) em 1990. Em 2021, lançou seu primeiro romance, “Brazza” (Editora Moinhos), um thriller poético, inspirado em sua própria vivência na campanha política do autoritário presidente da República do Congo e também um jogo-livro de poesias de tabuleiro, o “Labirinto” (Editora Jandaíra), propondo uma nova experiência de leitura lúdica na qual leitor/jogador e obra se fundem em um só. É designer de narrativas na Árvore, onde co-escreveu a experiência em realidade virtual “A Linha”, primeira obra brasileira contemplada com um Primetime Emmy. É graduada em Audiovisual, com especialização em roteiro, pela Universidade de São Paulo (ECA-USP) e mestre em Estratégias Culturais Internacionais pela Université Fédérale Toulouse Midi-Pyrénées.
Ficção e realidade
Não sei qual foi a maior aventura. Se a de viver em Brazzaville, se a de escrever um romance. Mas sinto que o final que se impõe à personagem ao final de “Brazza” foi o mesmo que se impôs a mim ao terminar de escrevê-lo.
Eu escrevi este romance como quem abre uma comporta, e dentro do seu compartimento havia uma história há muito confinada em mim, a qual eu precisava dar vazão. Por meses, escrevi um rascunho caótico, episódico, com personagens imprecisos e incoerentes. Durante estes meses, nas poucas horas por dia que eu tinha para escrever, me transportava para um lugar em que a fronteira entre ficção e realidade já não existia.
Eu já não criava uma história para um livro. Eu inventava uma história para mim.
O segundo passo foi o de revisitar o diário que eu mantinha no Congo. A minha surpresa foi grande ao notar que os eventos mais insólitos, mais estranhos, mais fantasiosos que eu havia escrito tinham mesmo acontecido.
Neste momento, eu tive medo do meu texto, me assustei com o que tinha vivido, tive dúvidas se deveria contar esta história. Deixei o livro decantar por alguns meses. Quis abandoná-lo. Até que no meio do caminho houve um edital. Um edital e uma Flip.
Consciência política
Quando assisti a mesa de Ayòbámi Adébáyòna durante a Flip de 2019, ela comentou como, em sua literatura, a política se refletia diretamente na relação romântica dos personagens. Esta fórmula caiu como uma luva para mim, que precisava de uma trama para funcionar como espinha dorsal da minha narrativa política desconjuntada. Precisava de uma trama que denunciasse a opressão política enquanto trazia à superfície o assunto que mais me instiga: o amor. Foi então que surgiu Samuel. No hiato de um mês, também fiquei sabendo da abertura das inscrições no ProAC de 2019. O edital foi a chance para que eu estruturasse o projeto e ter sido contemplada foi a coragem que me faltava para percorrer esta maratona que é escrever um romance.
Rotina de escrita
Enquanto eu escrevia cerca de uma hora por dia (conciliando com o trabalho de roteirista e designer de narrativas), a história ia tomando forma. Na sua segunda versão, estruturei um arco narrativo em quatro atos. Foi uma surpresa quando percebi que aquela história caótica e remendada que eu havia escrito cabia com poucos ajustes na fórmula.
Em uma terceira versão, afinei a linguagem, trouxe estrutura à poesia e vice-versa.
Literatura e vida
Escrever “Brazza” foi um processo de reencontro com a minha história de vida, mas não só. Foi um processo que me causou muito medo, que me levou a explorar searas desertas de mim mesma, que me deixou com um vazio e uma completude no final. Foi um diálogo com Samuel e Manu, que me contaram como eu mesma vejo o mundo — enquanto ela tenta fazer um ninho em um vendaval e abraçar o caos de seu interior, ele luta para mudar as estruturas com ideais fortes e resolutos.
Escrever “Brazza” foi andar descalça sobre as cinzas de uma fogueira recém-apagada, em que — a qualquer momento — ainda reside o perigo do fogo.
Márwio Câmara é escritor, jornalista, crítico literário e professor. Autor do livro “Escobar” (Editora Moinhos). É colaborador do Jornal Opção.
Bastidores
Bastidores é um quadro idealizado pelo jornalista Márwio Câmara, com o objetivo de registrar depoimentos de escritores brasileiros contemporâneos quanto aos seus respectivos processos criativos.