Magalhães Barata em Goiás (1936): resgate de um capítulo esquecido¹
22 dezembro 2019 às 00h01
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O interventor Pedro Ludovico chegou a temer que o general, que vinha do Pará, tentasse tomar-lhe o poder
Jales Guedes Coelho Mendonça²
Belém (PA), 4 de abril de 1935. A Assembleia Constituinte do Pará prepara-se para escolher, por eleição indireta, o novo governador. Como em outros Estados, a conversão do interventor Joaquim de Magalhães Cardoso Barata (1930-1935), mais conhecido como Magalhães Barata, em governador constitucional parece favas contadas, uma vez que, dos 30 deputados estaduais, o governista Partido Liberal possui 21 enquanto a oposicionista Frente Única nove.
Inesperadamente, contudo, sete parlamentares do Partido Liberal abrem dissidência, passando a apoiar a candidatura de Mário Chermont. Esse novo bloco majoritário de 16 deputados, receosos de eventuais violências, recolhem-se ao quartel do Exército e impetram “habeas corpus” preventivo no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) paraense, que é concedido.[2] No momento em que eles se dirigiam ao edifício da Assembleia Legislativa, devidamente escoltados por integrantes das forças federais, eclode um intenso tiroteio com os correligionários de Magalhães Barata, acarretando a morte de dois populares.
Antecipando-se à derrota, partidários do interventor realizam uma sessão legislativa com 13 deputados diplomados e mais três suplentes convocados — sob a justificativa de ausência dos demais parlamentares — e elegem Barata. Este, imediatamente, comunica a diversas autoridades do país sua assunção ao posto de governador constitucional do Pará.
Provocado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sediado no Rio de Janeiro, examina a causa e rechaça o simulacro de eleição realizado, por dois motivos: a) ausência da maioria absoluta de 16 deputados “diplomados”; e b) entendimento de que “somente no caso de morte, renúncia ou perda de mandato decretada pelo Tribunal Superior, seria lícito à Assembleia Legislativa convocar o suplente respectivo.”[3] Por fim, o tribunal requisita ao presidente da República a decretação da intervenção federal no Pará. No mesmo dia, Getúlio Vargas nomeia interventor o major Roberto Carneiro de Mendonça.
Serenados os ânimos, a Constituinte paraense elege José Carneiro da Gama Malcher governador e Abel Chermont e Abelardo Conduru nas duas vagas para o Senado Federal. O resultado desse sufrágio ocasionará forte impacto em Goiás, embora seja ainda um capítulo inexplicavelmente negligenciado pela maioria da bibliografia existente.
Ipameri, em Goiás
Derrotado, restava a Magalhães Barata questionar judicialmente o resultado eleitoral e retornar às fileiras do Exército. E foi justamente o que fez. Após um período de licença, ele é designado para comandar o 6º Batalhão de Caçadores (BC), aquartelado em Ipameri, em Goiás,[4] Estado que conhecera na década anterior quando participara da Coluna Prestes. Em sua despedida de Belém, saudou a multidão que o aclamava: “Até a volta, meus queridos companheiros.”[5]
Em Goiás, o ano de 1936 começou com a chegada do novo comandante do 6º BC. No quarto dia de janeiro, o jornal “Lavoura e Comercio” já noticiava a passagem de Barata por Uberaba (MG) rumo a Ipameri. Nas entrelinhas da informação, subentende-se que a lotação em unidade militar tão distante do Pará era uma estratégia política: “[Barata] disse que se ausentava do convívio de seus coestaduanos até que os mesmos reclamassem a sua presença.”[6] Outra versão indicava que a transferência para o Estado mediterrâneo fora um “castigo” pelo descumprimento de ordens emanadas do palácio do Catete.[7]
Nunca esteve nos planos baratistas o abandono das atividades eleitorais no Pará. Indagado se pretendia deixar a política, respondeu peremptoriamente: “Em absoluto. Tenho no Pará um partido organizado com 3 representantes na Câmara Federal, 13 na Assembleia Legislativa do Estado, 6 vereadores no Conselho Municipal de Belém, empatando com o governo que fez 6 na chapa de 12.”[8] Em complemento, frisou que sua legenda abrigava ainda vários prefeitos, além de um contingente de aproximadamente 25 mil eleitores. E concluiu: “Não posso desertar do posto em que me colocaram os amigos que me deram toda essa força política que tenho hoje no Pará. Estou integrado no Exército a que pertenço, trabalhando pela sua eficiência com toda dedicação, mas sem esquecer os amigos que deixei no Pará”.
Em maio de 1936, após mais de um ano da intervenção federal paraense, Barata atestou o seu grau de inconformismo com o desfecho dos eventos ao requerer no STF (Supremo Tribunal Federal), uma vez mais, sua reintegração ao cargo de governador.[9]
Mesmo atento aos acontecimentos de sua terra natal, as primeiras atitudes de Magalhães Barata em Goiás logo evidenciaram que ele não acomodar-se-ia apenas ao expediente burocrático da caserna. Encastelar-se no quartel de Ipameri, por certo, não se coadunava com o temperamento irrequieto do autêntico tenente revolucionário nem tampouco com a prática administrativa implementada em seu consulado paraense: “Devido a seu hábito de percorrer sistematicamente o interior do Estado [do Pará], o interventor consolidou a capacidade eleitoral de seu partido, conquistando no interior um apoio maciço, que no futuro iria compensar seu pouco prestígio na capital.”[10]
Nesse sentido, no final de janeiro, Magalhães Barata já se deslocava à Cidade de Goiás para inspecionar a 2ª Companhia destacada do 6º BC. Embora cortejado pela população vilaboense, sobretudo em razão do restabelecimento da navegação do Rio Araguaia quando chefiou o poder Executivo do Pará, o sincero militar expressou sua diminuta afeição pelo espaço urbano da antiga capital: “Goiaz é uma cidade sem conforto e que recorda, pela sua fisionomia, a modalidade de um passado que já vai se perdendo nos longes do tempo.”[11]
Em contrapartida, ao visitar Goiânia, no retorno a Ipameri, Barata manifestou todo o seu entusiasmo pelo novo empreendimento. Aplaudiu o “audacioso gesto” do governador Pedro Ludovico tal qual um rubro mudancista e concitou a população do Estado com a seguinte mensagem: “Ajudem-no todos os goianos de todas as correntes políticas a levar a termo este notável empreendimento que dentro de alguns anos será motivo de maior orgulho e contentamento para os filhos do Brasil Central.”[12]
Durante a aludida estadia na Cidade de Goiás, além da diligência castrense, Barata proferiu uma concorrida palestra no Palácio de Instrução, enfocando cinco pontos de sua administração no Pará (1930-1935): saúde pública, instrução, viação, distribuição da Justiça e moralidade administrativa.[13] Aproveitando o ensejo, o jornal oposicionista “A Colligação” realizou um cotejo entre as gestões dos interventores de Goiás e do Pará: “Magalhães Barata criou, no Pará, 700 escolas, 80 postos médicos, restabeleceu a navegação fluvial, construiu estradas, aumentou a arrecadação, pôs na cadeia os maus funcionários. Em compensação, em período maior, o sr. Pedro Ludovico não criou, em Goiás, escolas, nem postos médicos, nem auxiliou a navegação, não puniu os maus funcionários, não abriu estradas, não conservou as existentes, mas… quase construiu dois prédios no chapadão de Campinas!”[14]
Pouco depois de sua chegada a Ipameri, Magalhães Barata se desentendeu com o prefeito Joaquim Péclat. Eis a versão apresentada pelo cidadão Manoel Martins Fontes a Pedro Ludovico: ocorrendo uma divergência sobre os limites de um terreno urbano entre um popular e um militar, o comandante do 6º B.C. resolveu intervir em favor de seu subordinado, mandando prender o civil no xadrez do quartel. Instado pela família do preso, Joaquim Péclat procurou então Barata que “recebeu mal e até destratou o prefeito, motivando assim uma queixa deste ao Comandante da II Região Militar, o qual atendeu imediatamente, ordenando a um Coronel que aqui se encontra escalado a serviço de engenharia, para sindicar o caso.”[15]
O missivista afirmou ainda que era “voz geral” em Ipameri a correção das atitudes do prefeito e emendou: “o comandante Barata tem se manifestado um tanto arbitrário e procurado até impor ao Prefeito sobre atos atinentes ao governo civil da cidade, tudo isso devido manobras políticas da corrente aristidista,[16] o que está criando uma situação asfixiante para este município.”
Embora sem revelar o nome da suposta vítima, o memorialista Jaime Câmara registrou que Barata “mandara raspar a cabeça de um prefeito [de Ipameri], cuja retirada da cidade determinara.”[17] Semelhante “método” baratista fora empregado anteriormente no Pará em desfavor do deputado Genaro Ponte de Souza.
Desconfiança de Pedro Ludovico
Apesar de poucas cidades goianas possuírem jornais à época, é fácil encontrar referências a respeito das várias visitas de Magalhães Barata aos municípios, como Caldas Novas,[18] Buriti Alegre, Bonfim (hoje Silvânia)[19] e Anápolis, sem prejuízo obviamente de Goiânia e da Cidade de Goiás. Em verdade, como visto, o costume de percorrer o interior foi apenas replicado em Goiás. Entretanto, o governador Pedro Ludovico e alguns de seus aliados interpretaram com desconfiança o procedimento adotado.
Em todas as localidades visitadas, o dirigente do único batalhão das Forças Armadas sediado no Estado de Goiás recebeu invariavelmente excelente acolhida da população em geral e das autoridades em particular. Em Buriti Alegre, por exemplo, entre outras amabilidades, foi-lhe oferecido um requintado baile no Burity Clube, discursando na oportunidade o deputado estadual Jacy de Assis.[20]
Mais tarde, Barata recordou: “O povo de Goiás me cercava de simpatias que chegavam a incomodar os dirigentes desse Estado e eu me lembrava do povo da minha terra. Eu senti e vibrava, como na campanha eleitoral daqui, vendo o civismo do povo de Goiás. Em Ipameri eu me integrei aos meus deveres militares de tal maneira que mostrava que tanto sei comandar como governar.”[21]
Tudo indica que nasceram das questões acima ventiladas, mormente dessa grande movimentação do líder do Partido Liberal do Pará, o gradativo distanciamento entre Pedro Ludovico e Magalhães Barata. Em julho de 1936, qualquer pessoa minimamente conhecedora dos bastidores da política goiana sabia que as relações entre o governador anhanguerino e o ex-interventor paraense eram meramente protocolares.
No mês seguinte, todavia, azedaram de vez, envolvidos “numa teia de intrigas absurdas”, segundo o periódico carioca “O Radical”.[22] Para aquilatar-se o grau de animosidade, até a possibilidade de uma “revolução” esteve em cartaz, nos termos da carta enviada de Ipameri pelo deputado estadual Gomes da Frota a Pedro Ludovico: “O cel. Barata, como o sr. deve saber, encontra-se entre nós há já alguns dias, vindo de São Paulo. Desfazendo-se em desculpas junto das pessoas que o visitaram, afirmou que não tem indisposição com o governo do Estado nem nunca lhe passou pela mente fazer revolução. Penso que houve engano quanto ao boato que corria ao seu respeito e deu motivo a sua chamada urgente a São Paulo. Tenho certeza que nem um oficial do 6º seria capaz de ser solidário com ele numa tentativa de revolução.”[23]
O boato de revolução de fato assustou o governador de Goiás, a ponto de Ludovico, por intermédio de seu secretário de Segurança Pública, tentar obstar a visita do comandante do 6º BC. ao município de Anápolis no mês de agosto, telegrafando nesse sentido ao poderoso chefe de Polícia do Distrito Federal, Filinto Müller. Inobstante, amparado por uma permissão do general da 3ª Brigada, Magalhães Barata não vacilou em arrastar para o marco final da estrada de ferro Goiás um contingente de aproximadamente 200 homens, no intuito de oficialmente realizar exercícios militares.[24]
Nos quatro dias em que permaneceu em Anápolis (10 a 14 de agosto de 1936), diversas homenagens foram prestadas ao batalhão do Exército, a começar pela prestigiada chegada da tropa na estação ferroviária. A prefeitura promoveu um jantar e um almoço para a oficialidade e a sociedade anapolina organizou um baile no Club Lítero. Em retribuição à receptividade, a banda de música do 6º BC. executou no jardim público peças clássicas de Verdi e Avancini e o comandante telegrafou ao prefeito José Valente agradecendo as demonstrações de apoio e apreço.[25]
Na manhã de um dos dias, Magalhães Barata ainda arranjou tempo para convidar os estudantes nos colégios: “Moços e moças vão saber como vivem os soldados em acampamentos”[26], teria dito. No período noturno, as manobras militares não deixaram ninguém dormir em Anápolis. De acordo com o jornalista José Asmar, “escutam-se pipocar de fuzis e ratatás de metralhadoras. É o coronel em manobras bélicas”. Em arremate, descreveu os comentários ouvidos na cidade: “É treino para derrubar o Pedro — fuxicam”.
Os registros militares acerca das atividades do 6º BC. em Anápolis convalidam a demonstração de força: “A 12, como exercício de vivacidade, foi feito a 1 hora da madrugada, um alarme simulado, dado o sinal, foi alertado todo o B.C., ficando as subunidades e serviços prontos para entrarem em ação em 15 minutos.”[27] No dia seguinte, a fuzilaria continuou: “a 13, pela manhã fez exercício de combate, constando de uma progressão sob o fogo do inimigo.”
A despeito de não detalhar o exato teor da manifestação de Barata, Pedro Ludovico deixou consignado que o militar proferira em Anápolis um discurso “inconveniente” no “intuito de estabelecer confusão [no] espírito público.”
A cogitação de revolução para derrubar Ludovico não encontrou limites no seio dos partidários do governo e na literatura mudancista, convertendo-se até em confusa fabulação ou mesmo variação antecipada da operação “Brother Sam”,[28] só que em pleno Rio Araguaia: “A frota de Emílio Kleimann, constituída de oito barcos a óleo cru, aguardava ordens abaixo de Aruanã, para transportar os contingentes que deveriam ser transportados a Belém, porque o Cel. Barata fazia já manobras militares nas cercanias de Anápolis.”[29]
A visita em Anápolis rendeu ainda um encontro com o padre José Trindade da Fonseca e Silva, principal auxiliar à época do arcebispo de Goiás, Dom Emanuel, que derramou-se em elogios ao comandante do 6º BC: “Pretender ofuscar as qualidades do coronel Barata é tentar em vão impedir a da própria luz solar. Homem de um caráter indômito, na trilha de seu dever de soldado; de um só pensamento político e de uma única conduta pessoal. Não se dobra como militar aos conchavos dos políticos profissionais.”[30] As palavras soaram como um recado ressentido a algum político.
O memorialista Joaquim Rosa assinalou suas impressões acerca do homem que dizia saber governar e comandar: “Barata, ao que parece, chegou ao comando do 6º BC já com saudades do tempo de comandante do Estado do Pará. Deu-lhe na cabeça ocupar a interventoria de Goiás, considerando Ludovico incapaz de realizar os postulados da Revolução (…). Pensou em destronar o interventor. Pensou e agiu.”[31]
Na semana seguinte às operações de Anápolis, Magalhães Barata decidiu realizar nova inspeção na 2ª Companhia destacada do 6º B.C., sediada na Cidade de Goiás. Para Bernardo Élis, o pretexto na realidade escondia seu verdadeiro motivo: “Os políticos oposicionistas eram seus amigos.”[32] Essa “aliança” foi igualmente aventada pelo historiador Luis Palacín.[33]
Apavorado com o comportamento de Barata — agora promovido ao posto de tenente-coronel —,[34] o governador de Goiás transmitiu ao presidente da República, Getúlio Vargas, no dia 20 de agosto de 1936, um telegrama “urgente” solicitando o “recolhimento” do militar. Ante o desconhecimento da opinião pública sobre o documento, encontrado no Arquivo Nacional (Rio de Janeiro), seu conteúdo será integralmente transcrito: “Com devida venia venho tratar diretamente V. Exa. assunto que intermédio deputado Laudelino Gomes levei seu conhecimento e que a meu ver exige urgente solução afim evitar consequências mais graves. Trata-se coronel Joaquim Magalhães Barata que frente do 6º B.C. Ipameri além criar grandes embaraços ao meu governo momento atual vem se revelando franco conspirador contra seu governo. Assim é que já tem visitado vários municípios, preferindo sempre aqueles em que o núcleo oposicionista é maior. Ultimamente, apesar das ponderações feitas pelo Diretor Segurança ao Chefe Polícia Distrito Federal sentido evitar realização seu propósito, levou pessoalmente batalhão sob seu comando fazer manobras município Anápolis onde consta proferiu discurso inconveniente intuito estabelecer confusão espírito do povo. Acabo ser informado referido oficial segue destino velha capital Goiaz precisamente momento ser votada Assembleia Legislativa lei determina mudança definitiva sede Governo. Como V. Exa. sabe, existem ali elementos que se opõem realização esse magno problema meu governo e que ha tempos se acham intimamente ligados àquele oficial. Estou convencido sua viagem obedece plano previamente delineado de preparar ambiente hostil a mudança, tanto assim que ora se lhe prepara ali festiva recepção, nestas condições sou obrigado solicitar V. Ex. seja determinado seu recolhimento como medida de prudência ante melindrosa questão, cujas consequências não se podem prever. Esperando que V. Ex. atenda meu pedido, apresento atenciosas saudações”. Pedro Ludovico — Governador Estado.[35]
Extrai-se da leitura do elucidativo telegrama que Pedro Ludovico interpretou as visitas de Magalhães Barata ao interior como ações desestabilizadoras de sua administração. Alegou a votação da lei da mudança da capital na Assembleia Legislativa muito mais para fortalecer sua argumentação, demonstrar a excepcionalidade da conjuntura e granjear a simpatia presidencial do que para realmente ver aprovada a matéria, tanto que a citada lei nunca foi aprovada, mesmo quando o governo possuía maioria segura no parlamento. A transferência para Goiânia ocorreu pela edição de um mero decreto, que extraía sua força normativa da Constituição Estadual de 1935.[36]
Tudo leva a crer que Getúlio Vargas limitou-se a encaminhar o expediente ludoviquista ao Ministro da Guerra.[37] Naquela conjuntura, o mandatário do Pará, José Malcher, enfrentava dificuldades políticas e Magalhães Barata tornava-se peça-chave em um acordo de pacificação costurado pelo próprio presidente da República. Tal “modus vivendi” inclusive poderia guindar o comandante do 6º B.C. à vaga de Abelardo Conduru no Senado Federal.[38] Sobre o assunto, o periódico carioca “O Globo” publicou um telegrama de Barata.[39] Começava a surtir efeito a estratégia de isolar-se no cerrado goiano.
Como era praxe em todos os municípios do estado de Goiás visitados, novamente o ex-interventor paraense recebeu boa acolhida na antiga capital, sendo recepcionado por uma comissão[40] na praça principal da cidade. Ao discursar, Barata defendeu a cidade e fez “acusações” contra Pedro Ludovico.[41]
Segundo Jaime Câmara, Pedro Ludovico, irritado com as intervenções baratistas na Cidade de Goiás e sempre avesso a qualquer interferência de “estranhos” na política estadual, teria determinado ao dirigente da Polícia Militar, Arnaldo Sarmento, e a outros oficiais que prendessem Magalhães Barata “em qualquer circunstância”, quando passasse por Goiânia.[42] De acordo ainda com Câmara, a prisão só não se consumou porque, avisado a tempo, ele mudou a rota de seu itinerário.
Verdade ou não, o suposto acontecimento apenas prenunciava os sérios conflitos entre a Polícia Militar e o Exército, um dos quais de consequências fúnebres, bem como a tensão que marcava o ambiente vivido. O próprio conteúdo do telegrama de Pedro Ludovico enviado ao presidente da República reflete o exaltado estado de espírito do governador no dia 20 de agosto de 1936 e o grau de desconfiança relacionado a tudo que envolvia o nome de Magalhães Barata.
Por fim, a participação de Barata, até hoje praticamente desconsiderada pela bibliografia existente, representou destacado pano de fundo do conflagrado mês de agosto de 1936. Mas não só ela. Além da tramitação do projeto de lei da mudança na Assembleia Legislativa, vários outros eventos, todos eles sucedidos em 1936, precisam ser ao menos conhecidos e posteriormente considerados, a exemplo da prisão do deputado federal Domingos Vellasco, analisada no artigo “O estado de guerra cala a única voz da oposição goiana no Congresso Nacional em 1936”[43], publicado na “Revista do IHGG” nº 27 (2016), e o rompimento do deputado estadual Salomão de Faria com o governador Pedro Ludovico, tema este que será objeto de estudo em um futuro próximo.
Notas
[1] Fragmento de uma pesquisa desenvolvida em estágio pós-doutoral na UFG, ora suspenso, sobre a crise política de 1936 em Goiás.
[2] Promotor de Justiça, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), e Doutor em História pela UFG.
[3] A narrativa segue a mesma adotada pelo TSE. Cf. Boletim Eleitoral, Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, Rio de Janeiro, 10 de abril de 1935, p. 935-936.
[4] Cf. Boletim Eleitoral, Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, Rio de Janeiro, 10 de abril de 1935, p. 935.
[5] Em 1922, o 6º Batalhão de Caçadores transferiu sua sede da Cidade de Goiás para Ipameri.
[6] ROCQUE, Carlos. Magalhães Barata: o homem, a lenda, o político. Belém: Secult, 1999, p. 353.
[7] Cf. Lavoura e Comercio, Uberaba, 04 de janeiro de 1936.
[8] ROSA, Joaquim. Por esse Goiás afora. Goiânia: Cultura Goiana, 1974, p. 217.
[8] Cf. A Tribuna, Uberlândia, 05 de fevereiro de 1936.
[10] “Noticia-se nesta capital que o sr. Magalhães Barata requereu, hoje, mais uma vez, à corte Suprema, para ser reintegrado no posto de governador do Estado de Pará.” Cf. Correio Paulistano, São Paulo, 15 de maio de 1936, p. 01.
[11] FGV/CPDOC. Dicionário histórico-biográfico pós-30/Coordenação: Alzira Alves de Abreu…[et al]. Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: FGV;CPDOC, 2001, v. I, p. 500.
[12] Cf. Correio Official, Goiaz, 11 de fevereiro de 1936.
[13] Cf. Correio Official, Goiaz, 11 de fevereiro de 1936.
[14] Cf. Folha de Goiaz, Goiaz, 09 de fevereiro de 1936.
[15] Cf. A Colligação, Goiaz, 11 de fevereiro de 1936.
[16] Cf. carta de Manoel Martins Fontes ao governador Pedro Ludovico, datada de 10 de fevereiro de 1936, Ipameri. Datilografada. Documentos avulsos de arquivos pessoais: Pedro Ludovico Teixeira e Venerando de Freitas Borges. Agepel, 2002, p. 1999-2000. CD-ROM.
[17] A corrente aristidista refere-se ao grupo do chefe político local Aristides Rodrigues Lopes.
[18] CÂMARA, Jaime. Os tempos da mudança. Goiânia: ed. do autor, 1967, p. 233.
[19] Cf. O Kró, Caldas Novas, 14 de julho de 1936.
[20] Cf. A Tribuna, 25 de dezembro de 1936.
[21] Cf. Burity, Buriti Alegre, 21 de junho de 1936.
[22] ROCQUE, Carlos. Op. Cit., p. 372.
[23] Cf. O Radical, Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1936, p. 02.
[24] Cf. carta do deputado estadual Gomes da Frota ao governador Pedro Ludovico, datada de 11 de agosto de 1936, Ipameri. Datilografada. Documentos avulsos de arquivos pessoais: Pedro Ludovico Teixeira e Venerando de Freitas Borges. Agepel, 2002, p. 2224. CD-ROM.
[25] Magalhães Barata telegrafou ao prefeito de Anápolis José Valente com os seguintes dizeres: “Apraz-me communicar-vos tendo obtido permissão general commandante 3ª Brigada para fazer exercícios acampamento munícipio sob vossa eficiente administração, deverei chegar dia 26 do corrente, demorando-me até 1º de agosto, com effectivo aproximado de 200 homens.”. Cf. Voz do Sul, Annapolis, 05 de julho de 1936.
[26] Ao desembarcar em Ipameri, Magalhães Barata telegrafou o prefeito José Valente nos seguintes termos: “Communicando-vos regresso sua sede este Batalhão, apraz-me tornar público aos vossos munícipes, quão captivos e reconhecidos eu, officiaes e praças nos achamos para com as distincções e toda sorte auxílios nos proporcionastes como prefeito municipal e cidadão brasileiro, durante nosso estacionamento nas proximidades dessa encantadora e prospera cidade. Peço-vos, em nome do Batalhão, que honro commandar, transmittir sympathica população Annapolis enthusiastas palmas de agradecimentos, maneiras carinhos fomoss ahi recebidos e tratados.” Cf. Voz do Sul, Annapolis, 06 de setembro de 1936.
[27] ASMAR, José. Oposição também governa: Alfredo Nasser na política estadual e nacional. Goiânia: ed. do autor, 1994, p. 63.
[28] Documento fornecido em 2006 ao autor pelo comandante da 41º Batalhão de Infantaria Motorizado do Exército sediado em Jataí.
[29] Operação desencadeada pelos Estados Unidos para apoiar o golpe civil-militar de 1964 que mobilizou a sua frota marítima estacionada no Atlântico.
[30] ARTIAGA, Zoroastro. História de Goiás. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1959, p. 291.
[31] TRINDADE, Padre. Impressão de uma visita. A Razão, Goiaz, 20 de setembro de 1936.
[32] ROSA, Joaquim. Op. Cit., p. 217.
[33] ÉLIS, Bernardo. Goiás em sol maior. Obra reunida de Bernardo Élis. Coleção Alma de Goiás, v. 4. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1987, p. 74.
[34] PALACIN, Luiz. Fundação de Goiânia e desenvolvimento de Goiás. Goiânia: Oriente, 1976, p. 81.
[35] Promovido ao posto em maio de 1936. In: Folha de Goiaz, Goiaz, 24 de maio de 1936.
[36] Telegrama de Pedro Ludovico Teixeira ao presidente Getúlio Vargas, datado de 20 de agosto de 1936, Goiânia. Datilografado. Arquivo Nacional, fundo Gabinete Civil da Presidência da República, lata 19.
[37] A esse respeito, ver (capítulo V) MENDONÇA, Jales Guedes Coelho. A Invenção de Goiânia: o outro lado da mudança. 2ª ed. Goiânia: UFG, 2018.
[38] Tentamos acesso aos telegramas endereçados ao Ministro da Guerra, possivelmente localizados no Arquivo Histórico do Exército, no Rio de Janeiro, mas o acervo ainda não se encontrava organizado na oportunidade .
[39] Cf. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 06 de setembro de 1936, p. 07.
[40] “Annapolis, 13. Sant’anna Marques, Belém. Respondo à consulta de 12-8 do meu prezado amigo. Honrado e distinguido com o appello do presidente Getúlio Vargas, por intermedio do deputado Clementino Lisboa, por uma paz e congraçamento político do nosso Estado, em benefício de nossa pátria, nesta hora grave que ella atravessa, não podia recusar mais esta prova de atenção pessoal do Sr. Getúlio Vargas. O presidente não precisou mesmo referentemente a qual das duas correntes políticas minhas adversárias desejava elle de minha parte um entendimento. Deleguei então aos meus amigos Srs. Clementino Lisboa e Achilles Gentil plenos poderes para conversações a respeito. Reiterei minhas recomendações para que em benefício de nossa terra não fosse eu o ‘pivot’ de entendimentos bem sucedidos. Falaram em primeiro logar o Partido Liberal, representado por suas forças políticas depois eu afinal, sem que minha opinião possa prejudicar as deliberações de meus amigos e contrariar os propósitos patrióticos e amistosos do presidente Getúlio. Peço-lhe esta resposta de meu acampamento de instrucção militar ignorando a situação das demarches. Agradeço a distincção do Estado do Pará. Abraços – (a) Magalhães Barata.” In: O Globo, Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1936, 4ª edição, p. 01.
[41] Composta pelo prefeito municipal Joaquim da Cunha Bastos, presidente da Assembleia Legislativa Hermógenes Coelho, presidente da Câmara Municipal Eurico Perillo, comandante 2ª Cia do 6º B.C., tenente Antônio Fleury, Sebastião Fleury, Henrique Vieira, Zacheu de Castro, Agenor de Castro, Francisco Azevedo Bastos, Otávio Monteiro e Zabulon Alves de Castro. In: A Razão, Goiaz, 23 de agosto de 1936.
[42] CÂMARA, Jaime. Op. Cit., p. 233.
[43] CÂMARA, Jaime. Op. Cit., p. 234.
[44] MENDONÇA, Jales Guedes Coelho. O estado de guerra cala a única voz da oposição goiana no Congresso Nacional. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Goiânia: Kelps, 2016, n. 27, p. 103-119.