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Escolha de Bill Laws foi relevante, pois contempla plantas de significativa importância para a humanidade. Claro que uma lista brasileira incluiria, certamente, o pau-brasil, a mandioca e a bananeira. Mas a lista de Laws é universal e precisa

Historiador Bill Laws debruçou-se sobre a história das plantas e o impacto que elas produziram nas diversas civilizações | Foto: Divulgação

Nilson Jaime
Especial para o Jornal Opção

Há muito se sabe que as plantas precederam a existência do homem no planeta Terra em pelo menos 470 milhões de anos. É conhecido também que um dos eventos que propiciou a fixação do “Homo sapiens” em seus espaços geográficos – passando da vida nômade para a sedentária – foi a coleta de frutos, a domesticação das plantas e os cultivos agrícolas. No livro “50 plantas que mudaram o rumo da história” (Sextante, 2013, 224 páginas, tradução de Ivo Korytovski), o historiador e escritor Bill Laws elenca meia centena de espécies, representantes do Reino “Plantae” – dentre as quase 300 mil espécies florescentes conhecidas – que impactaram decisivamente a humanidade. O autor reside na Inglaterra e possui mais de dez livros publicados, sendo colaborador dos jornais “The Daily Telegraph” e “The Guardian” e da revista “BBC History”.

Para cada uma das 50 plantas selecionadas por Laws, são apresentadas sua utilidade (se comestível, medicinal ou prática), utilização comercial – ou não – e impacto cultural, econômico, sociológico e antropológico sobre a humanidade. A rica ilustração, com 250 fotografias e gravuras (principalmente óleos, aquarelas e bicos de pena), permitem ao leitor conhecer aspectos originais e botânicos da planta, bem como sua inserção no cotidiano das pessoas e dos países.

Das cinquenta plantas descritas no livro, 32 são comestíveis, como arroz, soja, trigo, cacau, batata, cevada, café, laranja, coco-da-bahia, maçã e abacaxi, dentre outras. Dezenove são medicinais, destacando-se a quina, alho, anileira e salgueiro branco. E dezoito são “práticas” (destinadas a usos práticos, ou ornamentais), como a seringueira, algodão, bambus, tulipas, roseiras e alfazema. A soma das aptidões supera cinquenta, pois algumas possuem dupla ou até tripla aptidão. Das cinquenta plantas, 49 têm ou tiveram uso comercial, excetuando-se o papiro (“Cyperus papyrus”) – espécie da mesma família da conhecida “tiririca” –, utilizada no antigo Egito como antecessora do papel.

Uma meta-estatística do livro mostra que as espécies descritas são originárias de todos os continentes, exceto Antártida, e sua origem é proporcional à extensão territorial de cada um deles. Assim, por ser o maior continente, na Ásia surgiram 58% das plantas apresentadas no livro; na América do Sul 24%, enquanto que a Europa, África, América do Norte e Oceania, deram origem a 20%, 18%, 14% e 6%, respectivamente.

Somente a samambaia, cujas inúmeras espécies pertencem ao Filo “Filicinophyta”, teve origem na Pangeia, o supercontinente que abrangia a união de todos os outros, até o período Cretáceo (aproximadamente entre 136 milhões e 65 milhões de anos). O autor mostra a importância que essas super-samanbaias – de até nove metros de altura, surgidas há 335 milhões de anos, durante o Carbonífero, que durou 60 milhões de anos – tiveram para a humanidade. Foram elas as principais responsáveis pela formação das jazidas de carvão, que alimentaram as máquinas a vapor durante a Revolução Industrial, a indústria americana e europeia até recentemente e o “boom” industrial da China, a partir do último quarto do século XX. Atualmente, o controvertido carvão, originário das samambaias, é um dos grandes responsáveis pelo efeito estufa, vilão do aquecimento global – exceto para uns poucos, dentre eles, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Como fonte de energia renovável, o autor apresenta a cana-de-açúcar (“Saccharum officinarum”), originária da Nova Guiné, e uma das “commodities” mais valorizadas nos dias atuais, fundamentais para países como Brasil (que fabrica o etanol da cana-de-açúcar), Índia, China, Tailândia e México, os cinco maiores produtores mundiais da planta. De forma inusitada – por tratar-se de um autor inglês – cita a canção “Com açúcar, com afeto”, em que a personagem feminina de Chico Buarque de Hollanda, faz “o doce predileto”, para o amado “parar em casa”. Menos poéticos são os relatos dos horrores da escravidão, advindos da necessidade de mão de obra, no sistema de “plantation”, onde o lucrativo tráfico negreiro era monopolizado pelo Império Britânico para as plantações de cana-de-açúcar no Brasil e em Porto Rico, dentre outros. O autor relata que os negros capturados na África eram “Acorrentados uns aos outros, nos porões dos navios, durante meses, para não lançarem-se ao mar”. Já em terra, forçados a jornadas de até 20 horas diárias – quando podiam –, recorriam à cachaça para se alegraram e esquecerem seu infortúnio.

Outra planta de impacto mundial, originalmente ligada ao Brasil, é a “Hevea brasiliensis”, produtora do “cautchu” dos indígenas, ou borracha, cuja cultura constituiu um dos grandes ciclos econômicos do país. Bill Laws retrata essa planta de aptidão “prática”, e extremamente comercial, informando que algumas sementes contrabandeadas do Brasil foram germinadas no Kew Gardens, em Londres, e posteriormente disseminadas em plantações de “Hevea” na Ásia. O autor informa como os americanos Thomas Hancock e Charles Goodyear trataram a borracha bruta com enxofre, óxido de chumbo e calor, criando a vulcanização, responsável pelo aumento da durabilidade e da ampliação das aplicações do material. Mostra também que, em 1888, o engenheiro escocês John Dunlop patenteou o pneu da bicicleta; e que os irmãos magnatas André e Édouard Michelin desenvolveram pneus adaptados a automóveis. Descreve como Henry Ford, o magnata americano dos automóveis, entre 1928 e 1945, adquiriu 1 milhão de hectares da Amazônia brasileira, em Boa Vista, no vale do rio Tapajós, criando a Fordlândia, para suprir os pneus de seus dois milhões de carros produzidos anualmente, e fugir do controle do preço da borracha, imposto pelos europeus, através de suas plantações no sudeste asiático. Em sua descrição sobre a importância da “H. brasiliensis”, Laws não olvida das reciclagens, durante a Segunda Guerra mundial; da importância do látex no esforço contra a AIDS e a solução dos preservativos; e da morte de Chico Mendes, assassinado por madeireiros e pecuaristas, além de seu legado para a sustentabilidade da Região Amazônica.

Inicia o relato da epopeia do café (“Coffea arabica”), tão caro à história, à economia e à antropologia brasileira – e mundial –, citando o compositor Johann Sebastian Bach, que na década de 1730 compôs sua Cantata do Café, para a première da Cafeteria Zimmermann, em Leipzig, Alemanha: “Quão doce é o sabor do café! Delicioso como milhares de beijos, mais doce que um moscatel”. O “Ouro preto”, originário da Abissínia, atual Etiópia, teria sido introduzido no Ocidente por Marco Polo, entre 1271-75, durante suas viagens pela Rota da Seda. Diz a lenda que a bebida do café foi legada à humanidade por monges cristãos da Etiópia, após receberem sementes de um pastor de cabras, por nome Kaldi, que encontrou alguns de seus animais extraviados, “muito excitados”, por se alimentarem do fruto do cafeeiro. No relato de Bill Laws, o surgimento das cafeterias tem um lugar especial. Citando o historiador Thomas Macaulay, diz que as cafeterias são “uma importante instituição política”. O que seria de Paris – e do mundo – sem elas? O autor especula que talvez não haveria o Boston Tea Party, os livros de Harry Potter e o café “espresso”. Bill Law não disse, mas sem essa planta – batizada por Lineu – talvez não houvesse também, Navio Negreiro e Castro Alves, como o conhecemos, nem o “Comboio de café rumo à cidade” de Jean-Baptiste Debret. Faltou dizer que Gilberto Freyre teria que escrever seu grande clássico em outros moldes, já que o café foi o alicerce do escravagismo brasileiro no Século XIX, e o cimento da promiscuidade e da miscigenação entre os habitantes da casa grande e da senzala.

Dentre as plantas de uso medicinal, destacadas por Laws, uma tem importância crucial: as várias espécies de Quina (“Cinchona” spp.). A casca dessa árvore, conforme relata o autor, “Já curou reis, rainhas e revolucionários. Proporcionou fortunas fantásticas aos que dominaram seus mistérios e arruinou muitos que tentaram, sem sucesso, desvendar seus segredos. Sustentou impérios, especialmente o da rainha britânica Vitória, e facilitou o envio de até 20 milhões de pessoas para um trabalho praticamente escravo, gerando um descontentamento social que reverbera até hoje pelo globo”. O Rei Lear, na peça homônima de Shakespeare, declarou: “Contaram que eu era tudo; é mentira, não sou imune à malária”. Esta doença, transmitida por um quarto das 460 espécies de mosquitos do gênero “Anopheles” foi responsável pela morte de milhões de pessoas nas regiões tropicais do mundo e ameaça, potencialmente, metade da população mundial. A malária (do italiano “mala + aria” = ar ruim) é uma doença debilitante que contribuiu para a derrota do exército confederado pela União, na Guerra Civil americana, em 1865, e impediu que os japoneses consolidassem seu Império do Sol Nascente no Sudeste Asiático, já que os americanos contavam com grande suprimento do antimalárico Atrabine. Pois a casca (“Quina”, na língua dos índios Quíchua) dessa árvore, pertencente à família das Rubiáceas (a mesma família do café) originária do norte da Bolívia e do Peru, foi responsável pela cura da malária em centenas de milhões de pessoas em volta do mundo. Da casca da quina – cujo monopólio pertenceu aos Jesuítas na década de 1650 – são retirados 30 alcaloides, dentre eles o quinino e a quinidina, utilizados na cura desta doença, além de várias outras, inclusive cardíacas.

Três outras plantas de uso medicinal, mas que ganharam notoriedade por sua utilização como “drogas” no mundo moderno, não foram esquecidas por Bill Laws: o cânhamo (maconha), a coca (“Erythroxylum coca”) e a papoula do ópio. O autor toma o cuidado de distribuir as plantas ao longo do livro, de forma a não criar uma seção de plantas psicotrópicas e aumentar ainda mais o estigma sobre elas. Aliás, elas são resumidas como “medicinais”, e não como psicotrópicas, e são descritas como outra planta qualquer, dentre as cinquenta escolhidas. A papoula do ópio (“Papaver somniferum”), de provável origem turca, disseminou-se pelo mundo através do Afeganistão, Índia, Mianmar e Tailândia. O autor informa que o ópio bruto contém morfina, da qual se faz a heroína. Utilizada há seis mil anos e celebrada pelos gregos e romanos por suas qualidades calmantes e medicinais, era familiar de alguns luminares literários do Século XIX, como Charles Dickens, Thomas De Quincey, Wilkie Collins, Samuel Taylor Coleridge e muitos outros. Introduzida na China, viciou milhões e espalhou-se por todo a Ásia. No ano de 1874, na Alemanha, a heroína foi isolada pela primeira vez e teve esse nome porque as pessoas que a experimentaram se sentiam “heroicas”. O poder viciante da substância foi constatado como um problema à saúde pública pelo Congresso americano, que em um relatório, datado de 1971, sugeriu que 15% dos soldados americanos envolvidos na Guerra do Vietnã, haviam se viciado em Heroína. Contudo, a papoula do ópio é fonte de 25 alcaloides diferentes, que incluem a papaverina (usada no tratamento de problemas intestinais), o verapamil (para problemas cardíacos), a codeína (analgésico e remédio para tosses e resfriados) e a morfina, potente remédio para dor, que não pode ser sintetizado, devendo ser retirado da própria papoula.

Bill Laws não esqueceu-se da pimenta-do-reino (“Piper nigrum”) – que já foi o condimento mais valioso da cozinha, responsável pelo lucrativo comércio que estabeleceu o mundo bancário em Veneza – nem da descoberta da América por Colombo, que buscava uma nova rota até a pimenta indiana. Também a noz-moscada (“Myristica fragans”), a pimenta-malagueta (“Capsicum frutescens”) cuja capsaicina afogueia o nosso vatapá, e da cebola (“Allium cepa”), embora se refira remotamente ao alho – pertencente à mesma família da cebola – e mais detalhadamente ao gengibre (“Zinziber officinalis”) e ao açafrão (“Crocus sativus”), que não é o açafrão-da-terra (“Curcuma longa”) utilizado no Brasil.

O autor não olvida descrever matérias primas para importantes bebidas do mundo antigo e moderno, como a uva vinífera (“Vitis vinífera”), que alegra a humanidade desde os caldeus, gregos, judeus e romanos; os agaves (“Agave” spp.) cactos consumidos no México há nove mil anos, e utilizados para a fabricação da Tequila; a cevada (“Hordeum vulgare”), essencial para a próspera indústria da cerveja, e seu complemento, o lúpulo (“Humulus lupulus”), responsável pelo aroma e amargor desta bebida. Também o champagne é lembrado na descrição da macieira silvestre (“Malus pumila”), cujo fruto é icônico e mitológico desde Adão e Eva, sem se esquecer da branca de neve, Guilherme Tell e sir Isaac Newton, com sua Lei da Gravitação Universal.

Para Bill Laws, o mundo não prescinde da beleza ornamental das tulipas (“Tulipa” spp.) e das roseiras (“Rosa canina”) e o milionário mercado de flores frescas; nem do aroma da Alfazema (“Lavandulla” spp.), representante do mundo das lavandas e perfumes; da utilidade do algodão herbáceo (“Gossypium hirsutum”); da amoreira-branca (“Morus alba”), responsável por alimentar o bicho da seda e, por ele, o luxo das cortes europeias; nem dos bambus (Tribo “Bambuseae”), e dos Eucaliptos (“Eucaly­ptus” spp.), com suas mil e uma utilidades, na fabricação de papel, construção civil e in­dústrias química, alimentícia e farmacêutica.

A escolha de Bill Laws foi relevante, pois contempla plantas de significativa importância para a humanidade. Claro que uma lista brasileira incluiria, certamente, o pau-brasil, a mandioca e a bananeira. Mas a lista de Laws é universal e precisa. Ler “50 plantas que mudaram o rumo da história” é uma tarefa prazerosa e instrutiva. Ao contrário de outros livros dessa série, como “50 máquinas que mudaram o rumo da história”, de Eric Chaline, este não é um livro-resumo. Trata-se de um livro denso, porém lúdico, onde Bill Laws confronta e aprofunda as questões, não obstante as limitações de escopo.

Nilson Jaime é engenheiro agrônomo, mestre e doutor em agronomia.

Foto: Divulgação

50 plantas que mudaram o rumo da história
Autor:
Bill Laws
Editora: Sextante
Tradução: Ivo Korytovski
Ano: 2013
Páginas: 224