Filme narra a história de uma criança com deformação no rosto que sofre bullying na escola, e tem de enfrentar a conhecida saga da falta de aceitação social

Julia Roberts contracena com o pequeno Jacob Tremblay, que interpreta Auggie Pullman, garoto com deformação no rosto

Preparem os lenços. Foi o comentário anônimo que ouvi após o trailer de “Extraordinário” (2017), no escuro de uma dessas sessões de cinema. E o marketing que acompanhou todo o período de divulgação do filme se confirmou na semana passada, com a estreia em circuito nacional: muita gente fungando na penumbra.

A proposta do diretor e roteirista Stephen Chbosky – de “As Vantagens de Ser Invisível” (2012) – foi tratar do bullying, um problema cada vez mais frequente nas escolas americanas (e do mundo todo). Ao escolher como protagonista o pequeno Auggie Pullman (encarnado por Jacob Tremblay e alguns quilos de maquiagem), elevou a questão ao máximo, já que o garoto apresenta o rosto deformado por complicações no nascimento. Se crianças comuns já sofrem nas mãos dos valentões, imagine um pequeno pintado com a cara do Corcunda de Notre Dame.

Aliás, talvez o grande problema do longa esteja justamente nesse aspecto. Ao aproximar a sistemática da história da de uma fábula infantil, inclusive com a narração de Auggie em primeira pessoa, a produção infantiliza a visão de mundo da obra, tornando o enfrentamento da questão superficial. Se por um lado estimula o uso do lenço durante a sessão, por outro, afasta o espectador do questionamento maduro.

Auggie mora com os pais – o simpático Nate (Owen Wilson) e a vibrante Isabel (Julia Roberts) – e com a irmã Via (Isabela Vidovic), que o seguraram na redoma doméstica o quanto puderam. Até que a mãe achou por bem mandá-lo à escola comum, quando a educação informal do lar começou a dar mostras de insuficiência. E é aí que o coração de todos os pais e mães da plateia começa a apertar (que eu tenha notado, não houve crianças chorando nesse filme).

Armas

Existem reminiscências não intencionais de “ET – o Extraterrestre” (1982) e da saga “Harry Potter” em diversas passagens do longa. A temática se aproxima bastante, já que no mundo de “Extraordinário” o sonho de Auggie é ser astronauta. Em sua pequena cabecinha, é a única maneira de conciliar o fato de não ser parte do meio, mas não ser rejeitado.

Tal qual um bruxo vivendo entre mortais, ou um extraterrestre, o garoto passa a vida dentro de fantasias (literais e sociais) esperando a hora em que alguém lhe enxergará verdadeiramente, em sua essência (o filme também tem seus ‘Elliots’, ‘Ronis’, ‘Hermiones’ e até um ‘Dumbledore’ chamado ‘Mr. Tushman’, traduzido como ‘Sr. Buzanfa’).

Um grande trunfo da obra é ramificar a narrativa em determinado ponto. Quando achamos ser um filme sobre o pequeno Auggie, Chbosky mostra as cartas de outros personagens, ampliando o espectro de análise – inclusive com a mudança de narrador. Passamos a notar que, por maior que seja a piedade em relação ao garotinho protagonista, outros astros orbitam em sua volta e são diretamente afetados por ele.

Lenços e lentes

Cada um tem sua necessidade de ser reconhecido, aceito e valorizado autonomamente. Ao ressaltar o problema físico de Auggie quase ao ponto de justificar o bullying, Chbosky faz o contraste com seus parceiros e reforça a inutilidade dos rótulos sociais: quem é normal, afinal de contas? Não somos todos anormais, em algum ponto? Não usamos, todos, máscaras?

Não fosse extremamente didático e, por vezes, pateticamente explícito (a cena do valentão levando sermão na sala do diretor beira ao ridículo), com soluções fáceis, personagens planos (todo mundo é bonzinho, exceto os maus) e uma trama característica dos mais agradáveis filmes da sessão da tarde, “Extraordinário” poderia se juntar ao time de “Precisamos Falar sobre Kevin” (2011), “Carrie – a Estranha” (1976), “Elefante” (2003) ou mesmo “Super Dark Times” (2017) como arautos de uma nova forma de pensar o bullying escolar. Afinal, é mesmo necessário colocar o problema em perspectiva – quem é que não tem aquele tio conservador, ou aquele amigo macho-man que ainda vaticina “Ah, os moleques vão crescer frescos desse jeito! No meu tempo, não tinha esse tipo de frescura” -?

Independentemente do que mais possa se falar sobre o filme, não deixe de levar os lenços quando for ao cinema.