Para quem está focado em se preparar para a morte já não importa juntar riqueza. Mas é preciso plantar algo a cada dia

Foto: M. File
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Valdeci Marques
Especial para o Jornal Opção

Vou chocar alguns. Mas é isso mesmo. Já me preparo para a morte. Embora com 50 anos e boa saúde, já me sinto preparando para a morte. O tempo tem passado rápido e isso me leva a crer que a velhice vai chegar em breve. Além disso, mesmo antes da velhice, posso morrer. Isso pode acontecer a qualquer momento.

Tive a sorte da morte não me colher antes. Já se foram cinco décadas. A partir de agora, estou no lucro. E por isso a ideia de morte tem me surgido sempre. Acredito que não fica um só dia que eu não lembre da morte, da sua possibilidade… E por isso tenho tentado me acostumar com a ideia de deixar essa vida. E pensar nisso todo dia deve ser a melhor forma de ter uma passagem serena para o outro mundo. Já afirmei em outra crônica que tenho medo da morte.

Embora acreditando na eternidade da alma, tenho medo. Ou melhor, ainda tenho medo. O que quero é eliminar esse tipo de medo. Essa será minha tarefa a partir de agora. Quero ainda fazer algumas coisas que valorize a minha existência e para que a lembrança que eu deixar seja agradável a respeito de mim mesmo. Enquanto a morte não vem, quero lutar por cultivar valores nobres. Oxalá, eu consiga.

Um personagem de Machado de Assis disse em um livro que antes da morte queria juntar as duas pontas da vida, dando a ideia que queria fazer ser coerente em tudo que viveu. Estou pensando assim também. Alguma coisa desajustada da primeira ponta eu quero ainda consertar. É algo do tipo valorizar mais um amigo da infância com quem não tenho convivido…
Na verdade, muita coisa precisa ser feita como preparativo para a morte. Até por isso essa tarefa tem que começar a ser executada agora. Se não, não dará tempo. Preciso cuidar da espiritualidade. Isso não significa que eu vou frequentar mais amiudamente uma igreja. Vou me cuidar de forma sincera e direta, olhando para dentro de mim mesmo e observando o que falta para que seja alguém do bem, pela paz, pelo amor e conectado com o Criador. Junto aos outros, quero ter a doçura, mas quero também a franqueza que incomoda. Dentro dessa frágil condição humana, quero juntar virtudes.

Para quem está focado em se preparar para a morte já não importa juntar riqueza. Mas não quero o ócio. É preciso plantar algo a cada dia. Até porque tenho missão para com a família. O trabalho será importante: aquele em nosso favor e o outro em benefício do próximo. É hora de pensar que eu não sou apenas essa individualidade. Que tenhamos uma mente cósmica para que eu possa me ver como o todo e não como uma parte desgarrada… Existe um estado mental com o qual quero me acostumar. A partir de agora é preciso ver o universo como um todo e saber que o lado invisível tem muito mais valor. Muito mais do que carne, que sejamos sentimentos e mentalizações. Que saibamos nos ver no outro, conviver, cooperar e achar natural que a matéria apodrece, que um ciclo se completa, que outro se descortina… A tarefa não será fácil. Mas, sinceramente, começo a me preparar para a morte.

Valdeci Marques é jornalista e escritor.