por Adelto Gonçalves*

I

Uma ampla visão do que foi a conjuração mineira de 1789 é o que o leitor irá encontrar no ensaio “Imagined Republics: the United States, France and Brazil (1776-1792)”, do historiador britânico Kenneth Maxwell (1941), que faz parte do livro Colonial Legacies in the Luso-Brazilian World, publicado recentemente pela The Newberry Library, de Chicago, Illinois, Estados Unidos. Originalmente, o ensaio (de 50 páginas) foi apresentado em conferência dentro de simpósio realizado na livraria Newberry, em Chicago, dia 3 de setembro de 2021, com o apoio do Consulado-Geral do Brasil naquela cidade e organizado pelos historiadores Benonni Belli e Keelin Burke.

Em seu ensaio, Maxwell  deixa claro que, entre os conspiradores, o que os movia era o exemplo da luta vitoriosa das colônias inglesas norte-americanas, especialmente a Constituição da Pennsylvania de 1776, bem como as obras do abade Raynal (1713-1796), incluindo seu livro Revolução na América, e o comentário do abade Mably (1709-1785) sobre as constituições norte-americanas recolhidas na Récueil des Loix Constitutives de États-Unis de l’Amérique, publicada em Paris em 1778, por instigação de Benjamin Franklin (1706-1790), um dos líderes da independência norte-americana e o primeiro embaixador dos Estados Unidos na França. As reuniões secretas deram-se entre o final de 1788 e o início de 1789, período que se antecipava à imposição da derrama, como se sabe hoje por meio dos interrogatórios e declarações de testemunhas que sobreviveram em documentação dos arquivos.

É de se lembrar que a derrama era um dispositivo fiscal que assegurava o piso de 20% de cem arrobas por ano de ouro em pó ou pepitas para a Coroa portuguesa, o chamado quinto. E aquele seria o momento ideal para que a sublevação fosse para as ruas, diante da revolta da população com a sanha fiscal das autoridades coloniais. Entre os conspiradores, estavam magistrados, advogados, mercadores e clérigos, que, nos depoimentos, obviamente, procuraram negar seu envolvimento.

O que este historiador, também citado no ensaio, pode acrescentar é que por trás havia o interesse de dois grandes capitalistas, João Rodrigues de Macedo (1739-1807) e Joaquim Silvério dos Reis (1756-1819), que, como arrematantes de contratos de entradas (de mercadorias) e outros, haviam se “esquecido” de repassar boa parte dos tributos para a Coroa, tornando-se assim “grossos devedores”. 

Com a separação, eles, que atuavam também como os banqueiros modernos, esperavam ter suas dívidas perdoadas, pois esse era também um dos objetivos dos conspiradores, ou seja, zerar as dívidas de todos os colonos com a Coroa portuguesa.  Como a conspiração demorou para sair, Silvério, que seria talvez o principal idealizador da revolta, segundo o vice-rei dom Luís de Vasconcelos e Sousa (1742-1809), decidiu pular para o outro lado, entregando os companheiros. Tudo isso, obviamente, em troca do perdão para as suas dívidas. 

II

Com base nos depoimentos colhidos pelas autoridades coloniais, Maxwell mostra que, a exemplo dos norte-americanos, os conspiradores mineiros pretendiam eleger oficiais, ou seja, cada cidade teria um conselho ou parlamento e enviaria representantes à capital, que seria estabelecida em São João d´El-Rei. Além disso, uma universidade “como Coimbra” seria estabelecida em Vila Rica, bem como criada uma Casa da Moeda, sendo que a mineração de diamantes deveria ser liberada das restrições dos regulamentos draconianos até então impostas pela Coroa portuguesa. Fábricas deveriam ser estabelecidas e a exploração das jazidas de minério de ferro encorajada, inclusive uma fábrica de pólvora seria montada. 

De acordo com os planos, a liberdade deveria ser concedida a escravizados nativos e pessoas de ascendência mista. Os párocos deviam recolher os dízimos, enquanto uma taxa de 10% seria recolhida e destinada a sustentar professores, hospitais e estabelecimentos de caridade. “Todas as mulheres que produzissem um certo número de filhos receberiam um prêmio às custas do Estado”, observa o historiador. 

Na imaginação dos conspiradores, a nova nação não precisaria de um exército permanente, mas todos os cidadãos deveriam, em vez disso, portar armas e, quando necessário, servir em uma milícia nacional, ideia que ainda hoje persiste nas mentes de determinados segmentos políticos. Os líderes locais seriam obrigados a usar produtos fabricados localmente e nenhuma distinção ou restrição de vestuário tolerada.

Como se vê, o ensaio do professor Maxwell é deveras importante, pois reconstitui com detalhes as motivações que levaram os conspiradores de 1789 a idealizar uma nova nação, sem a ligação com Lisboa. E, portanto, este livro merece ter sua tradução e publicação no Brasil em prazo o mais breve possível.

Da obra, constam os demais ensaios apresentados durante o simpósio: “Brazil at 200: National Identity and the Role of  Diplomacy”, de  Benoni Belli; “The Luso-Brazilian Collections at the Newberry Library, de Will Hansen; “The Impact and Legacies of Brazilian Independence in Portugal (ca. 1825–1850)”, de Gabriel Paquette; “Colony, Independence, Nation: Decisive Moments in the History of Brazilian National Identity”, de João Paulo Pimenta; e “A Book Crossed the Atlantic: The Ideas of Republic and the Brazilian Independence”, de  Heloísa Murgel Starling.

III

Kenneth Robert Maxwell é professor de História (aposentado) da Universidade de Harvard, Massachussetts/EUA, tendo sido fundador e diretor do Programa de Estudos Brasileiros do Centro David Rockfeller para Estudos Latino-americanos da mesma instituição. Tem mestrado em História pela Universidade de Cambridge (Inglaterra) e doutorado pela Universidade Princeton (EUA).

Foi diretor do Programa para a América Latina no Conselho de Relações Internacionais em Nova York e editor de assuntos latino-americanos da Foreign Affairs Magazine. Especialista em História Ibérica e no estudo das relações entre Brasil e Portugal no século XVIII, é o mais importante brasilianista da atualidade, tendo lecionado também na Universidade Columbia, em Nova York.

Em maio de 2004, renunciou ao seu cargo de diretor de Estudos Latino-Americanos do Conselho de Relações Exteriores de Nova York depois de ter criticado Henry Kissinger (1923), ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, em uma resenha de livro sobre o golpe de Estado de Augusto Pinochet (1915-2006) no Chile, em 1973, e por não ter tido sua resposta publicada na revista Foreign Affairs Magazine

Notabilizou-se no Brasil a partir da publicação, em 1977, do livro A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira – Brasil e Portugal 1750-1808, obra fundamental para o estudo da conjuração mineira de 1789. Publicou, posteriormente, Marquês de Pombal – paradoxo do Iluminismo (1996) e A construção da democracia em Portugal (1999). É autor também de Conflicts and conspiracies: Brazil e Portugal 1750-1808 (Cambridge University Press, 1973), Chocolate, piratas e outros malandros (1999), Mais malandros: ensaios tropicais e outros (2001) e Naked Tropics: Essays on Empire and Other Rogues (2003), entre outras obras. 

Participou recentemente do seminário Independência: processo, personagens e interpretações, realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), de 29 de agosto a 2 de setembro de 2022, quando fez a conferência intitulada “De Pombal à vinda da corte: mudanças do reino”.

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Colonial Legacies in the Luso-Brazilian World, organizado por Benoni Belli e Keelin Burke. Chicago, Illinois/EUA: The Newberry Library, com apoio do Consulado-Geral do Brasil em Chicago, 127 págs., 2022. Nota: o download do livro pode ser obtido gratuitamente no site do Consulado-Geral do Brasil em Chicago: https://www.gov.br/mre/pt-br/consulado-chicago/noticias-e-destaques/nl_luso-brasilian.pdf

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* Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros.