Ideias para adiar o fim do mundo
26 novembro 2025 às 17h13

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Em um mundo marcado por crises ambientais, polarizações e uma profunda sensação de desenraizamento, duas obras brasileiras oferecem faróis de pensamento para navegarmos em nossas complexidades. Um spoiler dos 2 livros como discente no Doutorado já permite adiantar que,
de um lado, Ailton Krenak, com seu “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, nos convida a uma descolonização da mente e do espírito. De outro, Rodrigo Bento, no livro “Eu só Existo no Olhar do Outro”, que investiga as fundações da identidade na intersecção com o outro. Juntas, essas obras compõem um diálogo vital sobre quem somos, onde estamos e como podemos reimaginar nossa existência.
Mais do que o pdf acadêmico de um livro, “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” é um manifesto poético e urgente do líder indígena e pensador Ailton Krenak. A obra não apresenta um manual técnico para salvar o planeta, mas um convite radical para repensar a própria noção de “humanidade” que nos trouxe até este precipício. Krenak argumenta que o “fim do mundo” não é um evento futuro, mas uma experiência já vivida e superada por muitos povos originários. O que chamamos de “crise climática” é, na verdade, a manifestação final de uma crise de sentido: a humanidade ocidentalizada se divorciou da natureza. Suas ideias nos levam a questionar a “humanidade desumanizada” e a recuperar nosso lugar numa comunidade mais vasta que inclui a natureza, entendendo o “adiamento” do fim não como uma solução, mas como uma prática diária de resistência e recusa a uma lógica destrutiva.
Enquanto Krenak olha para o macrocosmo das relações entre humanidade e planeta, o livro “Eu só Existo no Olhar do Outro” mergulha no microcosmo da psique humana. O título, uma afirmação profunda e ao mesmo tempo angustiante, sintetiza a tese central da obra: a identidade não é uma essência interna e fixa, mas uma construção que se forma e se sustenta no diálogo com o outro. A obra explora como nossa autoimagem, nossos valores e nosso próprio sentido de realidade são constantemente moldados e validados pelos olhares que recebemos. Ela aborda a busca por reconhecimento como uma necessidade fundamental, a luta contra a invisibilidade que grupos marginalizados enfrentam e o dilema constante entre a dependência do olhar alheio e a busca por uma autenticidade possível. É um tratado sobre a vulnerabilidade e a interdependência, lembrando-nos que a saúde de nosso “eu” depende da qualidade dos laços que estabelecemos.
Lidas em conjunto, essas duas obras formam um poderoso díptico. Krenak nos mostra que a grande crise planetária é, no fundo, uma crise de relacionamento: rompemos nosso laço com a Terra. Já a obra de Rodrigo Bento nos mostra que a crise individual também é de relacionamento: nossa identidade se forma e pode se deformar na relação com o outro. O caminho para “adiar o fim do mundo” – tanto o ecológico quanto o psíquico – passa, necessariamente, por restaurar a qualidade de nossos vínculos. Significa aprender a olhar para a natureza não como um objeto, mas como um sujeito com quem nos relacionamos. E significa, também, olhar para o outro – e para nós mesmos – com maior generosidade, reconhecimento e aceitação da nossa intrínseca interdependência. Ambas as obras são, no fim, um convite à reexistência: à possibilidade de existirmos de novo, de outra forma, mais conectados, mais conscientes e, sobretudo, mais juntos.
Abílio Wolney Aires Neto é Juiz de Direito, Professor e Doutorando em Direito. 18 livros publicados. Graduando em Filosofia, História e Jornalismo. Membro da AGL, IHGG, UBE, AGnl, ICEBE, ALEA, ADL, e ALETRAS.
