Faltou pouco para que eu me desapaixonasse por você
17 maio 2014 às 09h38
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“Deixa que minha mão errante adentre atrás, na frente, em cima, embaixo, entre”
Yago Rodrigues Alvim
Escrevi o título no papel e logo pulei para as teclas do computador. Faz mais de um ano que quero saber a cor dos teus olhos e o teu cheiro, moreno. Só que tu insistes em não querer me encontrar. Indago-me sobre minhas palavras que ou são muito tortas perseguindo minha essência tortuosa de querer me conhecer e o mundo, ou tão secas e te afastam para direção contrária à minha vida. Moço, eu preciso beijar-te.
Todos os dias olho tuas letras virtuais, se ouviste alguma música que eu desconheço, se estás triste ou querente com a vida. E tuas rugas? Tuas impressões milenares? Como faremos? Quero mostrar-te meus álbuns de Caetano, meus livros de Clarice e Pessoa. Já te dei o trecho de Lygia. A “Elegia” do meu querer por você. E, mesmo assim, te insistes em uma distância próxima, de trilhões de pixels. Odeio a física do não-espaço.
E tu? O que vestes no cotidiano? Vais de ciência e biologia? Ou te preocupas com as mulheres que não voam do Oriente Médio? As cristas do mar, as bênçãos de Iemanjá? Tu encontraste o mundo em um servidor de pesquisa ou te serves a pesquisar nos livros da Biblioteca no centro? Quando tu te desconectas sinto a falta de você aqui, longe por um a-braço da minha tela.
A Nina de Chico vive em outro país. A Ana do Oriente, Ocidente, de acidentes em Amsterdã. As imagens da Indonésia são lindas vistas por aqui. Mas eu nunca as toquei. Tampouco, senti o aroma das flores ou percebi com as lentes dos meus olhos como são faceiras e “certozas” de si no desenharem-se com o vento. Minha mão escorre por querer a ti, no teu corpo ser corpo. Materializado e derretido diante de mim.
Aqui leio as pornografias cotidianas de diários abertos. De faceiros milhões de amigos. De cartas escritas a dez dedos. Vejo vossas e nossas notícias tão universais se distribuírem e se redigirem com críticas a bel prazer. Se bom, ao menos desmistificaram os mágicos da incrível sala de redação, que as escrevem hoje em mesmas ferramentas. Se não, quantas horas vós dedicais à sôfrega arte de des-conhecer a arte? A política? A geografia? As religiões? As ideias confusas difusas no eterno espaço do mundo-tempo? Ah!, vós sabeis do mas e dos mais.
Fico ardente em ler tanta notícia boba enquanto tu não me apareces. Eu perco aqui minha tarde, minha noite por um segundo da madrugada ou da manhã em que tu me respondes. Um segundo ganho.
Mentira. Eu sou soberbo. Assisto filmes do mundo de lá, escutando músicas do lado de cá. Brincando de dançar e pular no espaço microscópico dos pisos do meu quarto. Em Bagdá. Escutando o tum-tum vir a calhar. E te esperar. Conheci artistas de outras décadas, em vídeos estatelados que estariam guardados em estantes esquecidas entre traças. Ó, tela. Tu, menina, que me dás tantos amores. Só que me deixe comê-los no jantar, saber como cozinhar os pratos de Índia, Magnólia, os Pirineus. Deixa eu parar de sonhar com os tênis da América brilhante. Migrante, im-portante de ideias, costumes, designs e cocares. Confundi-me, na pressa de tanta instantaneidade.
Amor, estou afoito. Ansioso, foi tudo que me ensinaram. Não corra, não. Fique aí, bem devagar eu me apaixono pelo pouco de ti. Ah, se não me maltratasses. Será que o amor do desconhecido chegou ao fim?
Eu quase me desapaixonei por você mil vezes entre papel e teclas. Tu me confundes na realidade e até no d-existir dos átomos.