Antes de contar de que maneira os passarinhos me ajudaram a acalmar os uivos do lobo, preciso relatar alguns acontecimentos que geraram o meu encontro com o animal. Não pense que se trata de um lobo-guará, mas de um lobo-cinzento, daquele enorme que vive no Alasca, Canadá, Rússia, América do Norte.

Pelo mundo afora foram quase 15 milhões de pessoas vítimas da pandemia da Covid-19, conforme dados da Organização Mundial da Saúde. No Brasil houve mais de 700 mil mortes, em Goiás foram 28 mil. Foi uma época de muita tristeza, pois o assunto “morte” tomava conta dos noticiários o dia inteiro, nas redes sociais eram postagens e mais de pessoas que tinham perdido algum parente ou amigo. Além do lado pior, que é a morte propriamente, ainda não era permitido despedir-se do morto em seu velório devido ao contágio da doença. Na verdade, nem velório havia. Felizmente ciência passou a esta página sinistra, e não é mais a tristeza a morar no rosto das pessoas. O riso voltou. As máscaras caíram.

Pequiritos “visitantes” num apartamento, em Goiânia | Foto: Sinésio Dioliveira

E junto a essa a babel maligna de mortes daquele tempo, o paspalho presidente de então dizendo que a Covid era apenas uma gripezinha, satirizando que as pessoas que se vacinassem virariam jacaré, oferecendo cloroquina a uma ema. Bolsonaro chegou ao absurdo de dizer que o temor de muitos contra a doença era coisa de pessoas de “um país de maricas”. Por aqui, em nosso torrão anhanguerino, um ex-presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, ao realizar uma crítica à gestão do prefeito Rogério Cruz, que pegou Covid-19, disse algo desrespeitoso para com quem perdeu parentes para Covid ou estava doente, que era o meu caso. O magistrado disse que a única coisa positiva em Rogério Cruz era ele ter testado positivo. Fiquei muito desapontado com as palavras ocas de “sua excelência”. Humor horrendo. 

Nesse período de trevas covidiana, quatro pessoas do meu trabalho perderam a vida em decorrência da doença. Todas elas mais novas do que eu, já um sessentão. Uma delas tinha 32. Esse colega, antes de ser internado, postou em seu Instagram um trecho da metafórica música “Pavão Misterioso”, do cantor Ednardo, numa espécie de pedido de misericórdia à vida, que não lhe deu ouvido: “Me poupa do vexame de morrer tão moço. / Muita coisa ainda quero olhar”. Outro colega, numa postagem na mesma rede social, contou que estava dando entrada na UTI, mas que Deus que estava no comando. Dois dias depois, sua vida teve um ponto final.  

Rolinhas Roxas e juritis | Foto: Sinésio Dioliveira

E foi neste contexto de mortes em meu trabalho que também adquiri a doença. Aí o bicho pegou para o meu lado. Um lobo maligno dentro de mim uivando ruidosamente e mordendo a minha mente: o medo de ir embora da vida antes dos 120 anos por morte matada por um marido ciumento. Tive de recorrer a uma psiquiatra, que me receitou dois antídotos contra o veneno da baba do lobo. É aqui que os passarinhos entram, no caso periquitos-de-encontro-amarelo, rolinhas-roxas, juritis e bem-te-vis. No tempo de isolamento em que fiquei em casa, eles me fizeram companhia. Me tiraram do chão. Ficar observando-os me fazia esquecer dos uivos do lobo, que agora anda chilreando.

Periquitos de encontro amarelo | Foto: Sinésio Dioliveira

Esses passarinhos começaram a frequentar a minha casa em maio de 2021. Quem deu início às visitas foram os periquitos. Há tempos eu vinha buscando atraí-los à minha sacada: colocava frutas variadas. E nada. Certa vez passando pela Rua 55, no Centro, encontrei a solução: vi um pé de romã com alguns frutos na sacada de um apartamento no quarto andar como o meu, e alguns periquitos fazendo uma festa frugal. Fui então a um viveiro, comprei uma romãzeira de quase dois metros, fiz um berço apropriado e bem adubado e plantei-a.

Coisa de alguns meses, surgiram quatro frutos bem grandes. Devorei um e deixei os demais para os periquitos, que, para a minha alegria, resolveram aparecer. E agora estão sempre por lá e vêm por bananas, quirela de milho e arroz, sorgo e semente de girassol. Nem uso mais despertador: por volta das 6h eles chegam fazendo a maior balbúrdia.