Por que a Equatorial, ignorando a lei 10.206, não coloca fiação subterrânea em Goiânia?

02 janeiro 2024 às 17h25

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Não sei se realmente a frase entre aspas a seguir é mesmo de autoria de Jonathan Swift (1667-1745): “As leis são como teias de aranha: boas para capturar mosquitos, mas insetos maiores rompem sua trama e escapam”. Isso, no entanto, dentro do propósito desta croniquinha é secundário. Se você, altaneiro leitor, conseguir continuar na leitura deste texto, com certeza há de me dar razão. Swift é o autor do livro “As Viagens de Gulliver”, tido por alguns como uma sutil sátira política e livro infanto-juvenil para outros. Vale citar que Exupéry conseguiu falar com crianças e adultos com o seu clássico “O Pequeno Príncipe”.
“As Viagens…” é uma obra elogiada pelo brilhante George Orwell — criador do emblemático romance satírico “A Revolução dos Bichos”: “Se eu tivesse de fazer uma lista de seis livros a serem preservados quando todos os outros fossem destruídos, certamente colocaria ‘As Viagens de Gulliver’ entre eles”. Esta frase de Orwell consta como epígrafe na obra de Swift disponibilizada no Google via pdf. Não sei quais são as outras cinco obras a serem preservadas, mas acredito que “Ensaios”, de Michel de Montaigne, também deve estar entre elas. Recentemente, numa conversa com um amigo sobre livros, eu disse a ele que, se só existissem a “Bíblia” e “Ensaios” e me fosse dada a opção de ler apenas um, eu escolheria o último.
Noutro momento conto por que optaria por “Ensaios”. Sobre a Equatorial, presente no título da crônica, vou recuar um pouco no tempo e falar da empresa que a antecedeu: a Enel, que pôs fim às seis décadas de existência da Celg. À época da fase embrionária da privatização, o agora governador de Goiás, Ronaldo Caiado, era senador e criticou severamente os governos federal e estadual, respectivamente Dilma Rousseff (PT) e Marconi Perillo (PSDB). Caiado criticou severamente a privatização: “É uma truculência o que estão fazendo com o nosso Estado. A Celg é rentável, tem quadros preparados…”. Abel Alves Rochinha, então presidente da Enel, já depois do inhambu na capanga, ou seja, depois do negócio feito, isso em 2017, fez questão de dizer que era necessário “botar tecnologia” na gestão da empresa, e que isso geraria 40% a menos de interrupções do fornecimento de energia. Lorota. Conversa para boi, jumento e, até, preguiça dormirem.

Aí a Enel, após cinco anos colhendo os ovos de ouro sem tratar da galinha à altura do seu merecimento, ou seja, sem investir em qualidade, tirou o time do campo mas com a algibeira transbordando (enviou uma fortuna para a Itália, lembrando que, no país de Dante, é uma estatal).
A fila andou, e então entrou a Equatorial. Tanto esta como aquela se enquadram nos insetos grandes que rompem a teia da aranha, no caso as leis que só atingem os mosquitos. Na verdade, me refiro a uma lei específica: a 10.206, aprovada pela Câmara Municipal de Goiânia e sancionada pelo então prefeito Iris Rezende. Cinco anos já se passaram, e tal lei virou letra morta. Nenhuma ação do poder público aconteceu no sentido de obrigar as empresas concessionárias de transmissão e distribuição de energia elétrica “a tornar subterrâneo todo cabeamento de linha de transmissão energia elétrica”, conforme consta no parágrafo 1° da tal lei.
Já se passaram cinco anos dos 20 anos estipulados pela lei para se realizar a implantação de fiação subterrânea. Nada, no entanto, foi feito. Nenhuma palha foi movida. Na verdade, há sim algo sendo feito: uma sequência de podas (em muitos casos mutilações) de árvores por toda a cidade sendo realizada pela Equatorial. Às vezes até poda com facão, o que é mais prejudicial ainda, visto que as árvores ficam mais vulneráveis a fungos, cupins, bactérias… Fato que acaba resultando em tempo menor de vida para elas. Há um trecho bem bonitinho da lei que fala do plantio de árvores nos locais dos postes removidos. O que se assiste é uma ação malévola da Equatorial, que explicita desconhecer que o desenvolvimento saudável de uma árvore está relacionado a sustentação, respiração e nutrição. E mais: as motosserras têm alvejado ramos mais velhos, os quais perdem sua capacidade de recuperação por terem uma maior parte de células mortas em seu cerne.
Nessa toada de mutilação por que passa as árvores da cidade, Goiânia pode perder o título de capital mais arborizada do Brasil. E a previsão de calor para este ano é de atordoar até o capeta. A Lei 10.206 precisa ser cumprida. E isso é urgente. A Equatorial precisa ser obrigada a usar alguns ovos de ouro que está colhendo e dar início à implantação de rede elétrica subterrânea. A Assembleia Legislativa precisa entrar no circuito, o mesmo deve fazer o Legislativo municipal. Os dois chefes do Executivo. O Judiciário precisa usar sua espada.
A Equatorial é analfabeta? Ao menos não saber ler Khalil Gibran: “As árvores são poemas / que a terra escreve para o céu”.
Sinésio Dioliveira é jornalista