Não sei que leitura um conhecido meu fez de mim para achar que eu ando necessitando receber todo dia pela manhã uma mensagem bíblica via whatsapp. Estou achando que esse conhecido entrou numas de que joguei pedra na cruz.

Talvez seja um vídeo que postei, intitulado de “fé de bicho”, que mostra a bizarrice religiosa de certas pessoas que andam léguas e léguas em busca de Deus (quando nenhum passo é preciso para isso), usando carros de boi e consequentemente botando a bicharada para sofrer por um pecado que não é dela.

Torturando um boi na festa de Trindade

Na babilônica festa de Trindade deste ano, um amigo meu teve de pedir a um carreiro que não batesse mais na cara de um boi que caiu no meio da rua durante o desfile dos carreiros e assim paralisou o percurso do carro e também o dos outros que vinham atrás: “Amigo, você vai matar esse boi de tanto bater, você já quebrou sua vara de tanto açoitá-lo e o animal está sangrando pelo nariz; em vez disso, pegue algumas pessoas de sua comitiva (de pecadores) e trate de levantá-lo”.

Outro dia resolvi imitar o conhecido das mensagens: mandei-lhe por três vezes consecutivas um mesmo trecho de Eclesiastes visando conter-lhe no envio de mensagens, inclusive negritei as quatro últimas palavras: “Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu estás sobre a terra; assim sejam poucas as tuas palavras”. 

Como as mensagens continuam, concluo que ele não leu o que lhe enviei. Acho que nem passa os olhos nas que manda. Há gente demais transitando nessa estrada empoeirada de enviar mensagens bíblicas ou motivacionais sem fazer uso prático das palavras que encaminha. Enfim, que fala demais em Deus, mas com o coração apodrecido de demônios. Isso viceja nas igrejas.

Medicamento e a vendedora com a coluna dolorida

Essa gente me lembra, de certa forma, uma senhora que vendia ervas medicinais num mercado de Campinas. Ela estava sentada num tamborete ao fundo de sua banca. Cumprimentei-a e perguntei se tinha espinheira-santa, uma erva muito usada para inhacas estomacais. Ela me disse que tinha um preparado com a tal erva, misturada a quina e outras plantas mais, que “era tiro-e-queda para qualquer dor”. O seu hiperbolismo midiático não ajudou a me convencer. E não só isso.  Ao se levantar para pegar o medicamento, deixou escapar um pequeno gemido de dor (um “ai” mal pronunciado) e foi caminhando um pouco torta para pegar a beberagem numa prateleira de ferro. Pelo que observei, ela certamente estava com a coluna detonada. A senhora não me persuadiu a comprar a sua garrafada, pois eram folhas da planta que eu queria.

Arribaçãs e Henry Thoreau

As mensagens desse conhecido me são encaminhadas um pouco antes de os periquitos-de-encontro-amarelo, as rolinhas-caldo-feijão e as arribaçãs aparecerem, por volta das 6h ou um pouco mais cedo, na minha sacada em busca de comida. As arribaçãs já as mencionei noutras crônicas, chamando-as apenas de juriti, suprimindo o seu segundo nome: “carregadeira”. Inclusive dias atrás levei um piparote virtual de um amigo observador de aves por eu não andar citando o nome popular completo da pombinha. Sua predileção é por “avoante”, até me mandou o nome científico: Zenaida auriculata.

Esse olhar sujo de ver necessidade de Deus na vida das pessoas fez a tia do poeta, naturalista, filósofo e transcendentalista norte-americano Henry David Thoreau a perguntar ao sobrinho, que estava nos momentos finais de sua vida mas de modo sereno, se havia se reconciliado com Deus. “Eu não sabia que havíamos brigado”, respondeu o poeta. Esse relato está em na biografia mais recente sobre poeta, de autoria da professora americana de literatura inglesa Laura Dassow Walls: “Henry David Thoreau — A Vida”.

É provável que a tia de Thoreau tenha morrido sem conhecer o Deus que o sobrinho cultuava. É provável que a tia nem tenha lido “Walden ou A Vida nos Bosques”. Se tivesse lido, sua pergunta não teria ocorrido. Eu que já amava a natureza, por nela encontrar Deus de maneira mais explícita do que dentro dos labirintos minotáuricos das igrejas (que devoram as algibeiras dos fiéis ingênuos), após ler “Walden”, o meu amor por ela aumentou cem vezes.

Sinésio Dioliveira é jornalista.