Minha vizinha viu as folhas secas, mas não enxergou os saguis

30 julho 2024 às 10h22

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Na porta do meu prédio, há uma amendoeira já bem grande, e nela estão morando três saguis. Ao seu lado, existem dois oitizeiros na frente de um lote baldio onde antigamente havia uma casa cuja moradora era a colunista social Daura Sabino; após a sua morte em 2011, foi demolida da noite para o dia, certamente para não ser tombada. Tal árvore é também conhecida como sete-copas. Ainda bem que ela não está sob a rede elétrica como é comum se ver em muitas ruas da cidade. Se estivesse, isso seria a sentença de morte da amendoeira.
Essa maneira inapropriada de plantio de árvore na cidade foi um erro recorrente ao longo de muitas gestões de Goiânia. É muito comum encontrar pelas ruas da cidade árvores de grande porte em calçadas estreitas e/ou sob rede elétrica. Devido a este aspecto, vão passando por podas e mais podas (muitas feitas sem nenhum fundamento técnico), e isso vai enfraquecendo suas raízes até que as árvores caem. A gestão atual, por meio da Agência Municipal de Meio Ambiente, não realiza mais arborização na cidade sem observar o espaço disponível na calçada e assim plantar a espécie adequada. A ação criteriosa do órgão, além de sua eficiência ambiental, evita desperdício de dinheiro público com o plantio de árvores, que, posteriormente, terão de ser retiradas quando adultas, justamente no momento de desempenharem o seu papel fundamental no meio ambiente.

O aparecimento desses saguis é coisa de uns três meses. Estou intrigado em relação ao lugar de onde podem ter vindo; não há nenhum parque muito próximo à minha casa. Me dei conta deles quando estava observando um fato interessante na terra da floreira da minha sacada: algumas larvas, que posteriormente descobri se tratar do besouro-pantera. Junto a elas encontrei também algumas bolinhas pequenas de barro. Balancei uma e senti que havia algo dentro, então a abri e encontrei um besouro. Não vi os macaquinhos propriamente, mas escutei o som característico deles, que é alto e agudo. Imitei a sonorização. Houve resposta. Eles, para minha alegria, continuam por lá.
Preocupado com a falta de alimentação deles, peguei uma vasilha plástica e amarrei-a no tronco da amendoeira a uma altura de dois metros. Tenho colocado frutas para eles nessa vasilha. Antes de colocar, imito a vocalização deles, que respondem e vêm para comer. Numa dessas vezes, minha vizinha de prédio, que estava com seu cãozinho, me viu e abriu tramela da boca. Vomitou asneira: “Essa árvore tá muito grande, as folhas dela traz (sic) muita sujeira. É preciso cortar ela”. Pensei: “se ela falou, vai ter de ouvir: “Sujeira mesmo é saquinho plástico com cocô de cachorro deixado nas calçadas e muitas vezes até nos pés das árvores, sem se falar das pessoas que deixam a titica do bicho onde este a deixa cair”. Dei-lhe pérolas mesmo sabendo que falava a uma pessoa surda: contei que as folhas secas tidas por ela como lixo, quando estavam verdes, geraram sombra, oxigênio; e que a árvore da qual vieram estava servindo de abrigo aos saguis e até a algumas aves. Minha vizinha viu as folhas secas, mas não enxergou os saguis.
Na sexta da feira da semana passada, levei meus olhos para divertir no Parque Areião Washington Novaes. Encontrei, na parede do muro de entrada do parque, uma frase do jornalista que dá nome ao espaço que poderia chegar ao conhecimento de minha vizinha e de outras tantas pessoas mais. Sou cabreiro com gente que acha que bicho é apenas gato ou cachorro. Na minha caminhada pelo parque, encontrei alguns montículos de cocô de cachorro. Isso explicita escancaradamente a falta de conscientização ambiental. Sobre a frase de Novaes, ei-la: “Temos de mudar os nossos comportamentos. Entender que a conservação da biodiversidade não é um tema distante. Dela depende a qualidade de vida de todas as pessoas”.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza