Outrora, quando se amarrava cachorro com linguiça (e esta palavra até trema tinha), a expressão “vida de cão” era empregada em pessoas que enfrentavam situação de pobreza material. “Lamber embira, estar na pindaíba, estar na tanga” são algumas expressões sinônimas. Hoje cachorro não pode mais entrar na definição de “pindaíba”. Hoje os doguinhos têm vez, os de propriedade de pessoas ricas então nem se fala. Em Goiânia, até um hospital público foi inaugurado recentemente para eles, construído justamente no local em que tempos atrás lhes era um inferno. Há muitos ainda sofrendo maus-tratos. O que é crime, conforme a Lei 14.064, e dá até cinco anos de cadeia, multa e proibição de guarda, e, havendo morte do animal, o tempo de xilindró aumenta.

Até algumas décadas atrás, havia a tal carrocinha do Centro de Zoonoses da Prefeitura de Goiânia, que saía pelos bairros da cidade recolhendo animais na rua. Quando a kombi chegava à Vila Santa Helena, onde eu morava, era uma correria só dos donos dos animais. Como na vila a maioria era moradores pobres, não havia muro nas casas, mas cerca de arame farpado. Fato que permitia aos cães baterem perna livremente pelas ruas. Certa vez, vi um laçador da carrocinha pegar um gato. Coisa rara de se conseguir, e isso tanto pelo tamanho do animal como por ele não ser de ficar zanzando pelas ruas. Os cães nada fizeram com o gato, pois todos os bichos aprisionados na gaiola do carro estavam em estado de pânico. 

Unidade de Pronto Atendimento Veterinário | Foto: Pejota

O animal que não fosse buscado por seu dono em 48 horas tinha um final de vida doloroso: era sacrificado numa câmara de gás (monóxido de carbono), tipo a que os nazistas usaram na primeira fase de extermínio de judeus, ciganos e deficientes, cujo ritual diabólico por que passavam durava cerca de 30 minutos de agonia. Posteriormente os nazistas “aprimoraram” a técnica de extermínios, usando o gás Zyklon B, que matava mais rápido. 

Na época das carrocinhas, rolava um zunzum de que os cães exterminados tinham o Jardim Zoológico de Goiânia como destino, mais precisamente matavam a fome dos leões. Outra história é a transformação dos bichos em sabão. Tudo lenda. O destino era o aterro sanitário. O amigo jornalista Warlem Sabino não mediu esforços para salvar sua cadela da morte: “Na década 80/90, eu devo ter ido ao Centro de Zoonoses umas dez vezes para buscar minha eterna Vatusi”. Segundo ele, isso fez sua cachorra odiar tanto kombi que, ao ver tal veículo na rua, saía correndo atrás e latindo. “Ainda bem que o pesadelo da carrocinha acabou.”

Minhas irmãs mais velhas, certa vez, passaram um sufoco enorme para evitar que a nossa cadela Tituta fosse laçada e levada para o Centro de Zoonoses. Por um beiço de pulga (da própria Tituta), ela não foi capturada: o laçador errou. Nossa cachorra não morreu na câmara de gás. Teve câncer, e uma de minhas irmãs, orientada por uma vizinha, ligou no Centro de Zoonoses, que a buscou e poupou-a do sofrimento doloroso da doença: deu-lhe uma medicação para fazê-la entrar num sono profundo e depois aplicou-lhe uma injeção na veia para paralisar seu coração.

Sinésio Dioliveira é jornalista