Carta de arrependimento escrita à mão e dentro dela R$ 500

17 maio 2023 às 09h59

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O remorso, ouvi por aí, é uma dor de ontem que causamos a alguém e que dói hoje na gente. O remorso significa dar a mão à palmatória, pois é o momento em que a nossa consciência acende a luz verde para que reconheçamos os erros cometidos. Em muitos casos, os erros podem ser atenuados nos pedidos de perdão, fato que depende muito da pessoa que foi alvo deles. Se for uma rancorosa, dificilmente o tropeço será perdoado. Nietzsche recomendou evitar o rancor, a raiva, pois tais sentimentos, segundo ele, são corrosivos à alma.
Um amigo meu pôs fim ao remorso de uma mulher que o prejudicara alguns anos atrás. Coisa que ele ficou sabendo por meio de uma carta recebida há dois meses. Mais abaixo, vou dar detalhes desse acontecimento.
Antes preciso citar algo sobre o poeta parnasiano Olavo Bilac. Em seu soneto “Remorso”, o bardo fala de um arrependimento seu sobre algo que fez contra si mesmo. No poema, já vivendo no período outonal de sua vida — a velhice —, verseja sobre uma dor que às vezes o desesperava por ter perdido certas coisas na sua primavera, no caso a juventude. Menciona inclusive os beijos que não rolaram por sua tolice, bem como os versos e amores que sufocou calando-se. Neste caso de Bilac, seu soneto, digamos assim, atenuou seu erro, pois conseguiu regurgitar sua dor de consciência. (Se é que ela não seja fingida, haja vista que os poetas são hábeis em fingir a dor que deveras sentem.)

Numa de suas máximas, o escritor e pensador francês François de La Rochefoucauld (1613-1680), um perspicaz conhecedor da alma humana, diz que o nosso arrependimento é tão-somente temor de nos acontecer aquilo de ruim que praticamos e não o remorso do mal que geramos a alguém.
Não creio que tenha sido esse temor mencionado pelo pensador francês que levou a mulher a escrever uma carta de arrependimento para meu amigo, cuja quantidade de primaveras já passa de oito décadas. E a carta (pasme!) foi escrita nos moldes antigos: papel, caneta, correio. Esse amigo não tem e-mail nem usa nenhuma parafernália do mundo das redes sociais. A carta quebrou a rotina de sua caixa de correio, acostumada ao recebimento de boletos comuns: água, telefone, energia, empresas vendendo lotes na lua a preço de banana, entre outras coisas. Até ele estranhou o recebimento da carta, mas o seu conteúdo o deixou bastante emocionado. Além das palavras de paz, dentro dela havia R$ 500: cinco notas de cem.
Esse amigo alguns anos atrás teve supermercado. Naquela época, ao contrário de hoje, não havia câmeras nos estabelecimentos. Era nessa ausência de monitoração eletrônica que a mulher, então adolescente, fazia pequenos furtos, mas só de guloseimas, segundo ela, como balinhas, chocolates e pirulitos… O dinheiro, conforme a carta, era para compensar o que foi surrupiado. Ela pediu perdão, alegou que errou movida pela vontade comer o que seus pais não podiam comprar, e que sua família, na época, estava vivendo um momento de grande crise financeira, inclusive morando de aluguel num barracão.
Em seu relato, a mulher contou que conseguiu ir para os Estados Unidos e por lá, onde ficou alguns anos, conseguiu levantar um tanto bom de dólares trabalhando com limpezas de casas e com o dinheiro comprou uma casa para seus pais. Disse também que havia voltado a morar em Goiânia.